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O Futepoca está entrando, com algum atraso, no Meme dos Filmes proposto pelo Borboletas nos Olhos. A ideia é fazer 31 posts sobre filmes, cada um com um tema específico. Já perdemos uma meia dúzia (e é bem capaz que deixemos outros pelo caminho também), mas garantimos presença no tema 8, o Filme Cebola (O mais triste de todos), e logo com três filmes. Aguardamos ansiosos os comentários – e os filmes tristes de cada leitor.
(Atualização: Confira também o Filme Cebola do Borboleta, o próprio cinema italiano, do Lágrimas de Crocodilo, do Will You Do The Fandango, do Hugo Avelar - Menina de Ouro bem cotado - e do Pergunte ao Pixel.)
Sobre Meninos e Lobos (Por Nicolau)
É interessante que um dos diretores com os pés mais fincados na realidade em nossos dias tenha nascido em 1930, uns quase 50 anos antes da internet. Não que Clint Eastwood fale de tecnologia em seus filmes. É que ele fala de pessoas, de relações, de mentiras, de pequenas tragédias cotidianas. Daí a maior parte de sua obra recente ser, além de tão boa, tão triste. Dois filmes mostram esses elementos se misturando com mais acidez e foram por isso os escolhidos deste fórum de manguaças como os mais tristes.
Um deles é Sobre Meninos e Lobos (Mystic River), que conta várias histórias. A mais imediata é a das investigações sobre o assassinato de uma jovem na cidade de Mystic River. Ela é filha de Jimmy Markum, interpretado por um magistral Sean Penn, um delinquente aposentado. A investigação oficial é conduzida por Sean Devine (Kevin Bacon). E as suspeitas recém sobre Dave Boyle (Tim Robbins, também impressionante). Os três, porém, compartilham uma história anterior. É a história de três garotos, um dos quais foi sequestrado e abusado. Os outros dois presenciaram, mas não impediram o fato. As duas trajetórias se chocam e nada de bom se tira daí.
A condução do filme por Eastwood é simples e direta. Sua câmera não tenta chocar ninguém, apenas apresenta os fatos e os personagens e deixa espaço para as interpretações viscerais dos excelentes atores. A sensação no final do filme é de que não havia como escapar daquilo. Não havia opção para aquelas pessoas desde o momento em que tudo começou, quando eram crianças. Tudo estava determinado não por uma força superior, mas pela simples natureza das pessoas.
É também de pessoas que fala o segundo colocado da lista, também de Eastwood. A segunda metade de Menina de Ouro deve ser de fato a coisa mais objetivamente triste que eu já vi. A história traz Frankie Dunn (o próprio Clint), treinador de boxe veterano e turrão, que faz o maior esforço possível para se afastar de todo mundo ao seu redor. O único próximo é o amigo de longa data Eddie “Scrap-Iron” Dupris (Morgan Freeman, excelente), ex-lutador que cuida do ginásio de Frankie. Surge então a boxeadora Maggie Fitzgerald (Hillary Swank, perfeita) que insiste até se tornar discípula de Dunn e sensação do circuito de boxe feminino.
Essa é a primeira metade do filme. Eastwood faz você se envolver na relação entre os dois personagens, a lutadora obstinada que resgata o velho de seu ostracismo auto-imposto após se afastar da única filha. O veterano que dá a uma mulher pobre e sem grandes perspectivas a chance que ela precisava para mostrar seu talento. Uma jornada de perdedores, tão ao gosto de Hollywood e de todos nós. Ele faz você gostar desses personagens, desejar o melhor para eles.
Então, ele os quebra.
Literalmente, no caso de Maggie, que fica tetraplégica da forma mais imbecil e desgraçada possível. O filme passa então a ser a luta da moça para conseguir o direito de morrer – e do velho para aceitar o destino da filha adotiva e seu papel nele. Destaque para a escrota família de Maggie e para as discussões teológicas de Frankie com o padre de sua paróquia – traço comum nos filmes do diretor, o olhar ácido sobre a instituição familiar e religiosa. Porque, no final, nada na história tem um sentido maior. “Não tem nada a ver com merecer”, citando Will Munny, também personagem de Eastwood. É tudo apenas muito, muito triste.
O Homem Elefante (Por Glauco)
Em 1982, pela primeira vez chorei pro causa de futebol, em uma derrota que muitos devem ter derramado suas primeiras lágrimas em função de um time. Mas não foi só a seleção que me emocionou naquele ano. Aos 7 anos, também não resisti ao drama de E.T e seu amigo terrestre, Elliot, e chorei no extinto Alhambra, cinema de Santos. Lembro do meu pai dizendo que era pra eu não ter vergonha pois muito marmanjo da idade dele também chorava por ali.
Claro que a intenção de Spielberg era emocionar em alguns momentos da história mas, convenhamos, E.T não é propriamente um filme triste. Assim como há outros filmes que não são tristes mas tem momentos que fazem a gente verter algumas lágrimas. Lembro de ter sucumbido em mais de uma cena de O Filho da Noiva, por exemplo, que equilibra a comédia e o drama de uma forma que parece ser toda própria do cinema argentino (ou do argentino em geral, quem sabe). Mas nem toda película triste causa o tal “efeito cebola”.
Pra mim, o filme mais triste que me lembro ter assistido não me fez derramar uma lágrima. Não durante a exibição, ao menos. O Homem Elefante, de David Lynch, tem alguns dos elementos que fazem uma história ser triste. Mesmo. O protagonista é alguém que tem uma doença grave. Não um mal qualquer, mas uma enfermidade que o faz ter deformações em 90% do corpo, sendo o rosto especialmente afetado. Além disso, a película é baseada numa história real, John Merrick de fato existiu, foi figurante em um circo e morreu aos 27 anos de idade.
Já seria uma história suficientemente triste por si só, mas o diretor é David Lynch. Durante boa parte do filme (todo em preto e branco) não se vê o rosto do homem-elefante, coberto por um saco roto ou ocultado na penumbra quando ele apanha do seu “dono”. O foco são os personagens que interagem com ele nessa parte da narrativa. Desnecessário dizer que ele sofre horrores não apenas nas mãos do seu “agente”, como descrito no parágrafo anterior, mas com a repulsa estampada no rosto e nos atos de outros personagens. O médico que tenta ajudá-lo, vivido pelo brilhante Anthony Hopkins, é uma das exceções, e uma das cenas inesquecíveis do filme são seus olhos marejados quando ele contempla a figura de John Merrick (grande atuação de John Hurt).
Quando o rosto do protagonista se mostra ao espectador, quem vê o filme já nem chega a estranhar tanto as deformidades, cativado que está pela figura dócil e pelas agruras pelas quais passa o personagem. A partir daí, a dor que se sente pelo destino (previsível e aparentemente inexorável) do personagem é constante.
“Os outros é que são os monstros, não ele”, sintetizou uma pessoa que viu o filme comigo uma vez. É um dos modos de ver, mas não o único. A forma como o espectador é inserido no filme faz com que ele conheça primeiro o digamos, “espírito” de Merrick e depois seu fenótipo. Mas, no dia a dia, não é o que acontece. E se reconhecer um pouco naqueles personagens que rejeitam o homem elefante ou admitir nos preconceitos e rejeições preconcebidas que acalentamos às vezes sem saber ou querer, é perturbador. Nós também somos um pouco (ou muito) “monstros” e, como disse o Nicolau acima citando Os Imperdoáveis, “não tem nada a ver com merecer”. Os gritos de Merrick em uma das cenas altas do filme ecoam muito tempo depois dele terminado: "Eu sou um ser humano! Sou um homem!". E a fé na humanidade se esvai mais um pouquinho...