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No balcão da padaria nessa manhã, ao contrário de todas as outras segundas-feiras, quando se comenta a rodada do fim-de-semana e torcedores adversários trocam provocações, não se falava de futebol. "Que corrida ontem, hein?", puxou o assunto um cliente. "Se não tivesse furado pneu ele tinha vencido", decretou o atendente.
Por mais que o adjetivo esteja desgastado, pode-se dizer sim que o GP Brasil de ontem foi histórico. Motivos não faltam. Decidiu o campeonato em favor do bicampeão mais jovem da história da Fórmula 1, um brasileiro voltou a vencer um Grande Prêmio em casa, algo que não acontecia desde 1993 na épica corrida vencida por Ayrton Senna, sob chuva. Mas, o que se comentava hoje de manhã não era Alonso, o campeão, ou Felipe Massa, o vencedor. Era Michael Schumacher.
Parecia que aqueles que geralmente não acompanham Fórmula 1 ou deixaram de fazê-lo após a morte de Senna, viram a corrida e atentaram que ali estava um piloto diferenciado. Em um fim de semana em que tudo deu errado para ele, largando da décima posição, o veterano parecia se divertir ultrapassando todos que se encontravam à sua frente. Até o bico da Renault de Fisichella furar seu pneu.
Primeiro, teve que controlar seu carro para não sair da pista (a câmera on board mostra esse momento) e levá-lo até os boxes, perdendo muito tempo. Ao sair, estava em último, quase uma volta atrás do líder Massa. Nova tática de corrida, novas ultrapassagens e um verdadeiro espetáculo para os fãs de automobilismo. A sua última manobra, justamente sobre o herdeiro de seu lugar na Ferrari, Kimi Raikonnen, é um resumo do que foi sua carreira.
O alemão nunca foi bem quisto no Brasil. Usurpador do trono do rei morto, os sennistas nunca engoliram Schumacher. Acusaram-no de trapaceiro, principalmente por conta da manobra em cima de Damon Hill, que lhe deu um título mundial. Decerto, se esquecem da fechada de Senna em cima de Prost, devolvendo atitude semelhante que havia dado o título ao francês na temporada anterior. Até mesmo o pacato Emerson Fittipaldi venceu um GP de Indianapolis jogando um adversário no muro. Fórmula 1 não é para ladies, com nenhum esporte é, basta lembrar quantas pernas Pelé não quebrou. Mas o próprio Ayrton, quando perguntado por um jornalista alemão sobre aquele piloto novato que havia assumido o volante da Benetton e fazia o tricampeão Nelson Piquet suar, vaticinou: "vai ser um grande piloto se achar o carro certo."
Schumacher não achou carros certos. Ele os fez. A Benetton, que nunca havia ganho um título, venceu dois com ele. Só voltaria a ser grande, já com o nome de Renault, nas mãos de Fernando Alonso. Mas o seu maior desafio viria ser a Ferrari, equipe para onde se transferiu em 1996. Quem hoje está acostumado a ver os bólidos vermelhos sempre à frente, não lembra que o alemão chegou à equipe em um momento de jejum. Há 18 anos o carro mais tradicional da Fórmula 1 não conseguia um título.
A equipe com que trabalhava na Benetton foi para a Ferrari. O desafio era enorme. Campeões como Prost e Mansell tinham passado pela Ferrari nesses tempos de vacas magras e não lograram êxito. Mas Schumacher era Schumacher. Conseguiu o primeiro título em 2000. Depois desse, se seguiram mais quatro.
Os recordes que fatalmente não serão batidos por nenhum piloto na história da Fórmula 1 dizem muito. Mas quem viu suas performances, terá na retina corridas memoráveis. Desde aquelas vencidas de ponta a ponta, passando por outras em que decidiu na estratégia ou mesmo as épicas em que saiu de trás de superou todos os adversários. Incomum, genial e, provavelmente, insuperável. Vai fazer muita falta.