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Quatro crônicas de Mouzar Benedito que vêm a calhar antes das oitavas de final da Copa
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O futebol nosso, da Copa e de cada dia (Gisele Porcaro/Flickr) |
Jogador birrento
O
Edmilson nem era tão craque que pudesse fazer exigências para jogar
no time de criado pelo meu amigo Luizinho, mas era cheio de manhas.
Uma
vez, num jogo com outro time de várzea dos extremos da zona oeste de
São Paulo, o árbitro jogou a moeda e o Luizinho, que além de
criador era o capitão do time, escolheu para iniciar o jogo um lado
do campo de maneira que o sol batia no rosto do goleiro adversário,
e aí o Edmilson, que jogava como lateral esquerdo, veio com uma
exigência:
―
Quero jogar na ponta direita.
O
Luizinho não entendeu, perguntou porque ele resolveu mudar de
posição na hora de iniciar o jogo, mas o Edmilson não falava nada,
a não ser que se não fosse na ponta direita ele não jogaria. Como
não tinha nenhum reserva naquele dia, o Luizinho acabou cedendo. E o
Edmilson foi para a ponta direita.
Iniciado
o jogo, todos entenderam o motivo da exigência. É que pertinho da
risca do campo, naquele lado, ficava a birosca em que se podia
comprar cachaça e cerveja. O Edmilson ficava ali, encostado no
balcão e bebericando. Quando vinha uma bola, ele entrava correndo no
campo, chutava e voltava para a birosca.
O
Luizinho resolveu sacanear: “Vou mandar bastante bola pra ponta
direita”, pensava. E começou a fazer isso.
Na
terceira bola que mandou para lá, o Edmilson nem entrou no campo.
Gritou da birosca, com um copo na mão:
―
Não vou jogar mais, não!
Um time com muito
assunto para o “terceiro tempo”
Houve
um período em que meus amigos formaram um time que jogava aos
sábados à tarde, na Cidade Universitária da USP, e eu fiz parte
dele. Os jogos começavam sempre por volta das quatro horas, mas não
tinham hora para acabar. Era só depois que escurecesse e não se
enxergasse mais a bola. Aí, íamos para o Bar do Bilu, na avenida de
entrada da Cidade Universitária, para o chamado “terceiro tempo”,
que consistia em beber e gozar os adversários e os próprios colegas
de time, lembrando as jogadas malfeitas, os frangos do goleiro, os
dribles levados, as caneladas...
O
que não faltava no nosso time era jogador perna de pau. Aliás, se
não tivesse vários deles, o jogo não tinha graça. Uma vez levamos
o Nicola pra jogar futebol com a gente. Tinha uma miopia de mais de
dez graus e, mesmo usando óculos, tinha que quase colar os livros no
nariz, para ler. Se de óculos ele não enxergava quase nada, imagine
sem óculos. Ele mal tocava a bola, ela é que tocava nele de vez em
quando. E quando alguém se aproximava dele, perguntava:
— Você é do meu
time ou do adversário?
O Henrique, meu
conterrâneo, pegou o apelido de Barroso, que era o sobrenome de um
homem considerado o mais feio da minha terra. Ficou sendo o Barroso,
não ligava para as brincadeiras. Era pura tranquilidade. Menos numa
coisa: no futebol, virava uma fera. Dava chute até na sombra.
Estava jogando na
lateral direita e pegou pela frente um ponta esquerda driblador e
gozador. O sujeito ficou fazendo embaixada na frente dele, com a
intenção de lhe dar um chapéu, mas o Barroso não foi na bola. Foi
direto na canela dele. E justificou:
— Ele ficou
petecando na minha frente... Petecou, eu quebro.
Outro jogador
interessante, assunto permanente no terceiro tempo, no Bar do Bilu,
era o Ricardinho, que por causa de um acidente, em que bateu com a
cabeça no chão, ficou com problemas de movimento dos membros do
lado esquerdo. Na primeira vez que foi jogar com a gente, ríamos
bastante porque ele corria com uma perna e andava com a outra. Era
esquisito. Mas nosso futebol fez bem para ele, seus movimentos foram
melhorando. Mas como “atleta”, ele não melhorou nem um
pouquinho.
Uma vez, alguém deu
um chutão para cima e ele tentou cabecear a bola, olhando para
baixo, mas errou. A bola bateu no chão, foi direto no rosto dele e
ele caiu de costas. Ela subiu e, quando ele ia se levantando, caiu na
cabeça dele, que caiu de novo. Um adversário ficou tão surpreso
que nem entrou na bola. Na terceira vez que ela picou no chão, o
Ricardinho conseguiu chutá-la. O tal adversário olhou para o cara
que fazia o papel de árbitro e perguntou:
— Não foi falta
não?
E a resposta foi:
— Só se eu
apitasse falta da bola, que deu uma surra nele.
Goleador
desobediente
Em
Nova Resende, o São Lourenço, apesar de ter um campo na cidade, era
praticamente um “time de roça”, só jogava contra times da zona
rural.
Uma
vez foi jogar no Cedro, município de Conceição da Aparecida,
cidade mais conhecida como Barro Preto, e os jogadores foram muito
bem recebidos, tratados com carinho. Depois do jogo, houve um jantar
regado a cachaça e cerveja, tudo de graça, e o Amado, técnico que
era na verdade dono do time, convidou os adversários para jogar no
domingo seguinte em seu campo, na cidade.
Sábado
à noite, véspera do jogo, Amado reuniu a equipe para dar instruções
para o dia seguinte e insistiu numa coisa:
—
Eles trataram muito bem de nós lá. Vamos tratar eles bem aqui
também. Então, nada de fazer gol neles. Como é que pode um pessoal
ser tão bom e a gente fazer gol neles?
Mas
na hora do jogo houve um problema: o time do Cedro estava
desencontrado, jogando muito mal, e o São Lourenço estava
afinadinho, jogando bem. Vira e mexe, sobrava bola direto para algum
atacante cara a cara com o gol e ele tinha que fingir tropeçar ou
chutar muito mal, propositalmente, para não marcar o gol.
Um
dos atacantes era um filho do Amado, o Subaco, um molecão de 16
anos, que jogava relativamente bem. Errou vários chutes de
propósito, mas houve um momento em que não aguentou, meteu um
bolaço no ângulo. Gol do São Lourenço!
Indignado,
o Amado entrou correndo no campo e deu uma surra no filho, diante da
torcida que não entendia nada do que estava acontecendo.
Tira o Cuca ou deixa
o Cuca?
Eu
trabalhava como orientador social no Sesc, numa unidade móvel que
percorria o interior do estado de São Paulo, desenvolvendo várias
atividades, inclusive esportivas. Conforme o lugar, orientávamos
grupos de jovens para trabalhos sociais, culturais, esportivos etc.
Em Porto Feliz, encontrei um grupo bom, já formado e bastante ativo.
Resolvemos
fazer uma “Olimpíada” municipal, com vários esportes praticados
em quadras e jogos de salão, incluindo pingue-pongue, dominó, damas
e xadrez. Uma preocupação do grupo era evitar que certos grupos
brigões entrassem nas competições com intenção prévia de
arrumar encrenca. Como esses grupos só jogavam futebol de salão,
pusemos no regulamento que cada equipe interessada em participar
teria que se inscrever em todas as modalidades.
O
resultado é que mesmo as equipes de jovens não tinham gente para
todas as modalidades, e foi preciso treinar algumas equipes na última
hora. Uma delas foi a da Polícia Militar, que nas modalidades
femininas inscreveu mulheres dos policiais, filhas e amigas. Mas
mesmo para modalidades masculinas havia problemas: nessa equipe da
PM, por exemplo, ninguém jamais havia jogado vôlei. Mas se
inscreveram. Algun professores de educação física se encarregaram
de tentar ensinar alguns esportes para equipes formadas uma semana
antes da abertura dos jogos.
No
sorteio, uma coisa esperável: o primeiro jogo seria de vôlei
masculino, entre a equipe da PM e uma de jovens já experientes na
modalidade. Primeiro saque, logicamente ganho pelos adversários da
PM, dois policiais correram de lados opostos em direção à bola,
deram uma baita cabeçada no meio da quadra e caíram meio
desmaiados. Demorou um tempão pra se recuperarem
A
segunda partida da noite foi de basquete feminino, entre duas equipes
que com muito agrado poderiam ser classificadas como “iniciantes”.
Logo em seguida, começou o jogo de basquete, que deveria entrar para
o Livro dos Recordes. Resultado final: 2x1.
Apesar
de tudo, a “olimpíada” foi um sucesso, com bom público nos
jogos, que afinal eram divertidos. Sempre aconteciam coisas
esquisitas e a torcida era animada. A grande festa era nos jogos de
futebol de salão, com a torcida gritando para o jogador Cuca: “Tira
o Cuca... deixa o Cuca... tira o Cuca... DEI-XA-O-CU-CAÍ...”