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O operador do direito não pode objetivar a aplicação fria da Lei, desvinculando-se dos fatores externos que rodeiam a questão que se decide
Por Dimas Ramalho e
Flavio Barbarulo Borgheresi
“E aí repousa, ao mesmo tempo, a força e a fragilidade da
moralidade em face do direito. É possível implantar um direito à
margem ou até contra a exigência moral de justiça. Aí está a
fragilidade. Mas é impossível evitar-lhe a manifesta percepção da
injustiça e a consequente perda de sentido. Aí está a força.”
(Tércio Sampaio Ferraz Jr.)
Ainda nas primeiras aulas de direito, nos é ensinado que direito,
moral e justiça, embora intrinsecamente ligados, eram conceitos
distintos. A aplicação fria do direito traz sempre uma justiça
formal, que não se prende ao senso comum, e não necessariamente
responde aos anseios da sociedade que representa. Mas qual o sentido
do direito para uma sociedade quando sua aplicação é questionada
sob o enfoque da moralidade, despertando incandescente sentimento de
injustiça?
O recente julgamento da equipe de futebol da Portuguesa pelo STJD,
num país que respira futebol 24 horas por dia, trouxe à tona essa
discussão, expondo claramente até para os cidadãos mais simples, a
diferença entre os conceitos de direito, justiça e moral. Óbvio, o
que se discute aqui é sentimento, e o sentimento de justiça moral
não depende de qualquer conhecimento técnico.
O
operador do direito não pode objetivar a aplicação fria da Lei,
desvinculando-se dos fatores externos que rodeiam a questão que se
decide. Se assim fosse, poderíamos criar programas de computador que
elaborassem sentenças judiciais a partir do mero processamento dos
dados sobre o caso concreto. A figura humana é imprescindível na
aplicação do direito exatamente porque ele é indissociável do
sentimento social, do sentimento moral, do sentimento de justiça.
Portanto, a aplicação da norma não pode estar desvinculada desta
percepção ética instintiva.
E vamos ao caso concreto. Não há dúvidas que a Portuguesa
desconhecia o resultado do julgamento que puniu um de seus jogadores
com suspensão por duas partidas. O advogado, indicado pela própria
CBF, confirmou o equívoco ao passar a informação para a equipe, e
o site da CBF não disponibilizou a informação em tempo hábil. Além
disso, não é crível que um time de futebol profissional, estando
ciente da punição, colocasse em campo um jogador suspenso pelo
STJD, aos 30 e poucos minutos da etapa final de uma partida que já
não tinha importância nenhuma para a equipe. Não, não é piada de
português!
No futebol o jogo é jogado, essa é a regra. Nem mesmo erros de
arbitragem, por mais escandalosos que sejam, interferem no resultado
das partidas.
Ora, se a escalação irregular – mas não dolosa – do jogador em
nada interferiu no resultado da partida, porque a aplicação fria da
norma pode interferir no resultado do campeonato inteiro?
O
julgamento do recurso nesta sexta feira pelo pleno do STJD, mantendo
a decisão que decretou o rebaixamento da Portuguesa, reacendeu
discussão sobre o significado da Justiça.
Com o
devido respeito a opinião dos demais juristas envolvidos, esse
negócio de “regras claras não precisam de interpretação” não
serve de argumento para o bom direito. Diante de um caso concreto a
solução nunca está apenas nos artigos da Lei, mas no que se espera
dela, já que a aplicação do direito não pode ser um fim em si
mesmo, porque o direito sem justiça moral é um direito sem sentido,
“um direito cínico”.
Dimas Ramalho, foi
promotor de justiça, Deputado Federal e atualmente é
Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.
(Artigo recebido via e-mail)