Na quarta-feira, 7 de setembro, data tão festiva, várias cidades do país receberam protestos contra a corrupção. O pessoal lembrou os caras-pintadas, botou nariz de palhaço e foi para a rua. Foi uma cobrança que vi por aí: pessoal se mobiliza por tudo nessa vida, menos contra a corrupção. Pois, pelo jeito, isso mudou um pouco. Bravo!
O que acho interessante é o peso que se atribui aos “malfeitos” com o dinheiro público, para usar termo caro à presidenta, para explicar os problemas do país. Seria esse o “ralo” onde escorre a grana dos impostos altíssimos (para o pessoal mais à direita) que deveria financiar saúde, educação e diminuição da desigualdade (para o pessoal mais à esquerda).
A
Folha, no domingo, antecipando os protestos e incentivando a onda “pró-faxina” que tem animado a mídia, deu uma manchete meio dramática: “Brasil perdeu uma Bolívia em desvio de cofres públicos” (
aqui no site do PPS, o que sem dúvida e sintomático). Trata-se de levantamento feito por economista da FGV com dados de órgãos de controle (como PF, TCU, CGU e outros) que aponta desfalque de pelo menos R$ 40 bilhões em sete anos nos cofres federais, o equivalente ao PIB da pátria de Evo Morales.
Coisa séria, sem dúvida. Mas será que é esse o maior dos problemas do Brasil? Vejamos um exemplo: o orçamento do Ministério da Saúde em 2011 foi de mais de R$ 70 bilhões. Quase o dobro do que se estima de perdas para a corrupção em sete anos. Ou seja, se a corrupção tivesse zerado nesses sete anos, nada se perdesse, e tudo fosse destinado à saúde, a pasta ganharia menos de R$ 6 bi por ano, menos de 10% em relação ao orçamento atual.
Ajudaria? Sem dúvida. Resolveria? Duvido bastante.
Outro exemplo, mais assustador. No
Correio Brasiliense da segunda-feira, um grupo de entidades empresariais de vários setores publicou um anúncio intitulado “Menos juros, mais investimentos e empregos!” (assim, com exclamação mesmo - inflamados os empresários).
O texto apoia a decisão do Copom de reduzir em 0,5% a taxa básica de juros e traz alguns números pesados. Segundo ele, cada ponto percentual de redução na Selic leva a economia de R$ 15 bilhões ao ano em pagamento de juros. Outro, mais chocante: “Nos últimos dezesseis anos (oito de governo FHC e oito de governo Lula) o Brasil já gastou cerca de R$ 2 trilhões (valor histórico e sem correção) em juros da dívida pública”.
Para deixar mais claro: por decisões políticas absolutamente dentro da lei, em 16 anos R$ 2 trilhões deixaram de ser aplicados em saúde, educação e sei lá mais o que e foram destinados ao pagamento de juros da dívida pública. Em sete anos, numa conta sem sofisticação (ou até meio burra, de proporção), seriam R$ 875 bilhões gastos com juros – quase 22 vezes mais que as perdas estimadas com a corrupção.
E o PIB da Bolívia, de repente, ficou menorzinho...
Claro que o combate à corrupção é fundamental e a punição dos crimes deve ser feita com o rigor previsto em lei. Ninguém aqui nega isso. A questão é tratar essa necessária vigilância contra os malfeitores como a panaceia para livrar o país de todo o mal. Há decisões políticas tomadas legalmente que definem o destino de muito mais dinheiro do que o perdido para a corrupção – e sem nenhuma participação, consulta ou manifestação da população. A discussão desses temas na sociedade é tão ou mais importante do que cobrar medidas contra a corrupção.
E é politizante: força as pessoas a pensarem no que querem para o país, qual o melhor destino para os recursos, avaliar a posição do governo, de cada partido, de cada parlamentar, de cada entidade de classe. O debate é sobre o que é feito da coisa pública.
Jogar todos os males na corrupção cria a impressão de que, fechando o tal “ralo”, teríamos automaticamente grana para resolver tudo. Mas é simplificar demais o que é complexo e deixar as pessoas no escuro sobre o que está realmente em jogo.
Democracia é, também, isto: um jogo de pressões em que os grupos sociais se organizam para decidir o destino do bolo de recursos arrecadado pelo Estado. Os agricultores vão cobrar medidas de financiamento da lavoura; os empresários pedem redução de impostos; os trabalhadores pedem proteção ao emprego e outros direitos; o movimento da saúde pede mais grana para o SUS; o dos pesquisadores, mais grana para ciência e tecnologia. É no jogo de pressões que se determinam as prioridades, com o filtro da agenda do governo eleito.
Como o cobertor é sempre curto, dizer que a culpa é da corrupção colabora para ocultar esse jogo político legítimo de pressões sociais. E faz com que as pessoas se distanciem, não se organizem e não pressionem por suas demandas. Aí, quem pressiona leva mais fácil.
Outro sintoma é a vilanização de partidos políticos, sindicatos e outros movimentos, que foram deixados de fora das marchas contra a corrupção. O pessoal se pretende “apartidário” e acaba sendo “apolítico” e, no limite, antidemocrático. Disse alguém aí que “o destino de quem não gosta de política é ser governado por aqueles que gostam”. Melhor o pessoal tomar cuidado e começar a se meter nas reais decisões sobre seu dinheiro.