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Terça-feira, duas horas da tarde. Naquela sauna, dois oficiais conspiram - e transpiram. O mais velho tentando impor a "linha dura"; o outro, quase cedendo a uma "abertura ampla, geral e irrestrita". No calor dos acontecimentos, enrolados apenas em toalhas sumárias, confabulam:
- Major, a hora é agora!
- Shhhhh! Tenente, já falei que, aqui dentro, meu codinome é Bilú!
- Perdão, majo..., digo, Bilú. Mas reafirmo: as condições se apresentaram.
- Tem certeza, Tetéia?
- Tetéia? Que Tetéia?
- É o teu codinome, energúmeno!
- Ah, sim! Bem lembrado, majo..., digo, Bilú.
- Exponha suas considerações.
- Maj..., Bilú, tenho observado atentamente as manifestações nas ruas e nas redes sociais. Como o nosso serviço de inteligência já tinha detectado, eles convergem diretamente conosco: querem derrubar o governo e fechar o Congresso. Só que fui além. Identifiquei dezenas deles e, pesquisando seus perfis e publicações na internet, descobri algo ainda mais significativo. Eles nos apoiam! Querem as Forças Armadas de volta ao poder!
- Shhhhh! Cala a boca! Tenente, nunca se esqueça: aqui dentro não existem Forças Armadas! Diga apenas Farofa-fá! Compreendido?
- Às ordens, senhor!
- Também não precisa bater continência! Mas prossiga, Tetéia. O que te faz crer que a juventude quer o nosso retorno?
- Muitos jovens, de boas famílias e íntegra procedência, postam fotos de tropas desfilando e de tanques, senhor, com frases como "É preciso botar ordem na casa", "Ocuppy Brasil" ou "A hora está chegando". E muitos deles dizem claramente, em postagens ou comentários, que querem que as For..., digo, querem que Farofa-fá tome conta da situação!
- Bom, muito bom. E eu que pensava que se tratava de meros baderneiros ou agitadores comandados pela corja vermelha.
- Não, maj... Não, Bilú! São patriotas. Apoiam Farofa-fá! Estão do nosso lado.
- Bem, Tetéia, também não precisa exagerar. Duvido que, se passasse uma lista no meio de qualquer uma dessas manifestações pedindo alistamentos voluntários, a gente arrumasse mais que meia-dúzia...
- É... Com certeza. Por outro lado, isso explica exatamente o motivo de nos convocarem para fazer o que eles querem.
- E o que nós também queremos.
- Exato, maj..., Bilú! Vamos ao golp..., digo, à Nova Redentora!
- Shhhhhhhh! Diabos, Tenente! Digo, Tetéia! Aqui nesta sauna não tem Redentora nenhuma! É Pimenta Malagueta! Pimenta Malagueta!
- Às ordens, às ordens! Perdão. Sem continência. Pois bem, vamos à Pimenta Malagueta! Sem refresco! E com o apoio da juventude manifestante! O gigante acordou!
- Mas será que acordou, mesmo? Quais são as condições? Só com a juventude, não faremos nada.
- Temos tudo na mão, maj..., Bilú. A Platinada, como sempre, promete apoio total. Ainda mais depois que alguns desordeiros resolveram protestar em frente ao seu prédio e que desencavaram uma história caluniosa sobre suposta sonegação de impostos.
- Que é tudo verdade, mas não é da nossa conta. Agora, apoio da Platinada é óbvio, não diz nada. É a mesma coisa que dizer que a revista dos carcamanos nos dá cobertura. Fora a mídia, o que temos de concreto, de sólido, no nosso braço político civil?
- Ótimas notícias. Tomei a liberdade de conversar com o Imortal.
- Que Imortal?
- O Sociólogo, major. Shhhhh! Perdão, perdão. Sem continência. Falei com o Sociólogo, Bilú. É que ele acabou de entrar pra Academia.
- Ah, sei. Mas ele também sempre foi nosso. O pai dele era nosso.
- Sim, sim. Só que eu perguntei se eles ainda têm esperança de vencer nas eleições do ano que vem ou estariam dispostos a compor com a gente para governarmos juntos.
- Governarmos juntos? Explique-se, Tetéia.
- É simples. O Imortal aprovou (e confidenciou que eles não vencem nas urnas nem que o tomate tussa!). É o seguinte: a gente derruba o governo mas dá a posse ao Vice. E aí implanta o parlamentarismo. O primeiro-ministro seria indicado pelo Imortal. No caso, seria o Mineiro. Que é perfeito para o posto de primeiro-ministro. Seu finado avô, inclusive, já tinha nos prestado esse serviço.
- Hummm. Engenhoso. Mas como assim "posse ao Vice"? Você está louco, Tetéia? O partido do Vice já manda no Congresso e, da última vez que mandou no governo, fez três planos econômicos desastrosos e chegou a 60% de inflação ao mês - sem contar o golp..., digo, a artimanha do mandato de cinco anos.
- É. E o homem mandava no Senado até outro dia. Só que o senhor não está atentando para um detalhe: nós vamos fechar o Congresso. E depois vamos extinguir as eleições diretas. Logo, quando acabar o mandato, o Vice, por nós investido de presidente, sairá de cena. E, a partir daí, só tomará o cargo quem nós quisermos. Já a função de primeiro-ministro, como combinado na conversa que tive, deixaremos para o partido do Imortal. Como o senhor disse, "nosso braço político civil".
- E os nossos superiores? Já sabem disso?
- Claro, senhor! Não leu os jornais? Eles andam escutando todo mundo, no mundo todo. Não tem telefone, computador ou informação de qualquer gênero que esteja a salvo. O Grande Irmão sabe de tudo. E, como sempre, também está do nosso lado. Com informações, propaganda, dinheiro ou até armamentos, se preciso for.
- Ah, não será necessário. Golp..., digo, revolução, nesse país, sempre foi pacífica. Reeditaremos a Pimenta Malagueta sem precisar dar um tiro sequer.
- E a Platinada e a revista dos carcamanos estarão a postos para justificá-la como a mais legítima forma de redemocratização. Como em Honduras. Ou no Paraguai.
- Tem razão. Excelente. Tetéia, gostei dessa sua sugestão sobre parlamentarismo. Porque primeiro-ministro não manda nada. Mas, ao mesmo tempo, sacia a vaidade do Imortal e do partido dele. Quem vai mandar, mais uma vez, somos nós! As For..., digo, Farofa-fá! Pode ser interessante, durante um certo período. Dá um ar de modernidade, de renovação, de primeiro mundo. O povo vai gostar. É capaz, até, de comemorar. E, com o tempo, mudaremos gradualmente essa configuração. Editaremos atos complementares, extinguiremos os partidos, concentraremos os mecanismos decisórios. Tenho planos, muitos planos. Está decidido! Vamos agir!
- Muito bem, maj.., Bilú! Vamos à Pimenta Malagueta! Com Farofa-fá no comando! Vou iniciar as articulações com os Anonymous no Facebook. A Platinada e o Imortal cuidarão do resto. O cavalo está arreado e, mais uma vez, não vamos deixar ele passar.
- Ah, Tetéia, não me fale em cavalo...
- Por que, senhor? Também prefere o cheiro dele ao cheiro do povo?
- Prefiro a massa cheirosa. Mas não é bem isso.
- O que é, então? Que olhar é esse, senhor?
- É que cavalo me lembra montar...
- Bilú, Bilú...
- Ah, Tetéia...