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segunda-feira, dezembro 01, 2008

Jogando fora de casa

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Por Eliza Capai

Nostalgia: melancolia profunda causada pelo afastamento da terra natal (…) saudades de algo, de um estado, de uma forma de existência que se deixou de ter; desejo de voltar ao passado (Dicionário Houaiss).

Faz tempo que Diego saiu. Seu coração latino/argentino se apaixonou por uma gringa e voou para os States. Na nova casa, casou, separou e todo novo sábado se reapaixona por alguma chica de quadril vibrante na noite de Nova Iorque. Num sábado foi pelo meu ziriguidum que seu corazón latió. Claro que Diego se chama Diogo, Pablo, Alejandro ou qualquer outro nome que não Diego mas não importa. O que importa é o que segue… Já eram muitas long necks de sete dólares – ui… - quando nossos olhos de baixo da América se cruzaram.

Nostálgica de bem entender palavra por palavra, a frase inteira e até piada que estava, gastei todo o meu castellano, enquanto ele gastava todo o português. A saudade era tanta que argentino arranhando português já era de uma familiaridade carinhosa ali naquela terra de puritanos. No meio do caminho todas as referências se encontravam: doce de leite, morro de são paulo, malbec e chorinho. Um forró bem arrastado se creyendo tango e foi: golaço! Mas entre as línguas, a embriaguez fez com que Diego confessasse que tinha encontro com outra Senhora Nostalgia que não eu: “amanhã é dia de pelada” falou assim mesmo em português com acento hermano. Na domingueira pegou a chuteira, camiseta número 10 e foi.

Já tinha dez anos de green card mas a saudade da terra, do porto, do Plata levavam o hermano todo o domingo para o campo. Com a bola no pé Diego corria em Mendoza, driblava os 8.512 quilômetros da terra natal, gritava “che, boludo”, recuerdava tempos outros, bolas outras. A vida de quem sai de casa é algo assim. Sempre. Basta uma caminhada nos parques gringos e as pelotas nos pés estarão acompanhadas por xingamentos latinos, num desejo de ali não ser ali por 90 minutos que seja. Saindo dos parques os mercadinhos do Brooklyn ou do Queens e suas prateleiras recheadas de produtos em espanhol, indiano, mandarim, coreano encherão os estômagos dos nostálgicos com produtos da terrinha: curry, tortilla, coxinha.

Para quem gosta de números, um estudo da Organización Diálogo Interamericano aponta que 49% dos mexicanos aqui de cima preferem comprar produtos mexicanos que norte-americanos. A nostalgia, esta saudade da terra que move a economia dos países latino, os pés de Diego e meus quadris no chorar de qualquer cuíca às vezes tem soluções menos simplórias que estes dribles.

Antes de virar eu também este ser saudoso que estou cruzei com mulheres centro-americanas (viajo dês de março, dês de o Panamá) em que a saudade não se resolvia com chilli, dribles ou cantadas. Cruzei mulheres em que a terra deixada e desejada era aquela nascida em seus ventres, saída das entranhas. E para garantirem o adubo de seus pequenos terrenos migravam com esperança de melhores empregos e salários. Nem sempre encontravam, nem sempre se orgulhavam de suas decisões. A impotência de quem passa e escuta e lamenta e segue me motivaram a editar um videozinho.

E todas as embaixadinhas deste texto foram só para deixar a bola assim, na cara do gol: fiz um curta sobre Georgina (foto), uma mulher que queria ter uma varinha mágica e se transportar de volta para o dia em que saiu de seu país, para o ponto de ônibus em que seu filho gritava no te vaya! 

A nostalgia de Georgina chorava e eu sem varinha tentei em vídeo deixá-la assim, mais perto de sua pátria. O vídeo está na net, numa competição até quarta, dia 3, logo mais. Convido a todos da arquibancada para invadirem o campo, verem Georgina, Israel e gritarem com todo o pulmão umas estrelinhas para nós: Me ajudam no chute final? O jogo é aqui . Qual é: Georgina’s Magic Wand.

*Eliza Capai viajou do Panamá aos Estados Unidos escrevendo uma série de oito reportagens sobre migração de mulheres para a Revista Fórum – para saber mais deste projeto, acesse www.americasemfronteiras.com.br .

segunda-feira, novembro 10, 2008

A história de um refugiado político

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Hoje, dia 10 de novembro, o BlogCatalog incentivou uma "blogagem" coletiva a respeito do tema "Refugiados". Pra quem não sabe a definição, o Refugees United Brasil define, conforme convenção de 1951, que um refugiado é "toda pessoa que por causa de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo".
Bloggers Unite
Dentro desse entendimento, lembrei de uma matéria de outubro de 2003, que fiz para a revista Fórum  junto com o Nicolau desse mesmo Futepoca. Entre muitas histórias que ouvimos durante a reportagem, feita em um abrigo para migrantes na Baixada do Glicério, região central de São Paulo, conhecemos "Roberto", um refugiado político do confuso cenário colombiano. Reproduzimos abaixo a história dele, similar a de muitos outros refugiados em diversas partes do mundo que às vezes perdem sua identidade e nem sabem mais se tem algum lugar que possam chamar de "casa".

O companheiro

A população da Colômbia vive uma situação dramática. Vítima do narcotráfico, das Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (Farc), de governos de eficiência e honestidade questionáveis e da ingerência norte-americana, o país está em estado de guerra há mais de uma década. Essa situação, além de muitos mortos, produz refugiados para o resto da América do Sul. Perseguidos políticos que não sabem sequer a quem obedecer.

Essa dúvida não existe para Roberto (nome fictício), ex-funcionário do governo colombiano que havia sido deslocado para uma das chamadas zonas de distensão no sul, lugares em que as Farc têm controle administrativo tolerado pelo governo federal. Começou a ser perseguido por agentes do Estado quando descobriram sua militância política na esquerda. “Sofri ameaças de morte e voltei para junto da minha família em Córdoba”, relembra. Mas rapidamente foi encontrado e as ameaças passaram a ser feitas contra sua mulher e seus filhos. Decidiu ir embora.

Sua primeira parada não foi o Brasil. Fez contatos políticos com o Partido Comunista do Uruguai e conseguiu ficar lá. Não por muito tempo. Um mês depois e a visita do subsecretário de Estado norte-americano para a América Latina, Otto Reich, fez com que os camaradas de Roberto pedissem para ele ir, com medo de uma eventual investigação e represália por parte dos norte-americanos. “A esquerda latino-americana tem a solidariedade limitada pela necessidade”, filosofa. “Senti-me abandonado. Como me sinto ainda hoje.”

Restava o Brasil. Roberto tinha alguns conhecidos no país. Eles, porém, não puderam alojá-lo. Aqui, procura emprego, não para voltar à Colômbia, mas para ir a Cuba. Lá, segundo ele, talvez seja um dos únicos países em que seu ideal de justiça sobreviva. A volta para casa parece um sonho distante, sua luta política é a principal missão agora. “Abri mão de tudo. Vendi apartamento, carro e abandonei um padrão de vida confortável para enfrentar os inimigos da Colômbia.” Há um mês no Brasil, desde o período no Uruguai não entra em contato com a família.

Seus três filhos tiveram que deixar a escola, sua esposa não está mais empregada. A certa altura, mesmo reafirmando sua convicção, deixa transparecer dúvidas se realmente valeu a pena. Mas logo a indignação ressurge. “A história tem que ser reescrita. Não entendo como os brasileiros só podem pensar em cachaça e futebol. Precisamos pensar em um futuro melhor, com o ser humano em primeiro lugar”. Cansado, Roberto pede para parar a entrevista. “Hoje, meu país é meu inimigo”, conclui. Entre seus novos conhecidos, gente como ele, sem destino nem futuro certo, só é chamado pelo apelido de “companheiro”.