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segunda-feira, novembro 10, 2008

A história de um refugiado político

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Hoje, dia 10 de novembro, o BlogCatalog incentivou uma "blogagem" coletiva a respeito do tema "Refugiados". Pra quem não sabe a definição, o Refugees United Brasil define, conforme convenção de 1951, que um refugiado é "toda pessoa que por causa de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo".
Bloggers Unite
Dentro desse entendimento, lembrei de uma matéria de outubro de 2003, que fiz para a revista Fórum  junto com o Nicolau desse mesmo Futepoca. Entre muitas histórias que ouvimos durante a reportagem, feita em um abrigo para migrantes na Baixada do Glicério, região central de São Paulo, conhecemos "Roberto", um refugiado político do confuso cenário colombiano. Reproduzimos abaixo a história dele, similar a de muitos outros refugiados em diversas partes do mundo que às vezes perdem sua identidade e nem sabem mais se tem algum lugar que possam chamar de "casa".

O companheiro

A população da Colômbia vive uma situação dramática. Vítima do narcotráfico, das Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (Farc), de governos de eficiência e honestidade questionáveis e da ingerência norte-americana, o país está em estado de guerra há mais de uma década. Essa situação, além de muitos mortos, produz refugiados para o resto da América do Sul. Perseguidos políticos que não sabem sequer a quem obedecer.

Essa dúvida não existe para Roberto (nome fictício), ex-funcionário do governo colombiano que havia sido deslocado para uma das chamadas zonas de distensão no sul, lugares em que as Farc têm controle administrativo tolerado pelo governo federal. Começou a ser perseguido por agentes do Estado quando descobriram sua militância política na esquerda. “Sofri ameaças de morte e voltei para junto da minha família em Córdoba”, relembra. Mas rapidamente foi encontrado e as ameaças passaram a ser feitas contra sua mulher e seus filhos. Decidiu ir embora.

Sua primeira parada não foi o Brasil. Fez contatos políticos com o Partido Comunista do Uruguai e conseguiu ficar lá. Não por muito tempo. Um mês depois e a visita do subsecretário de Estado norte-americano para a América Latina, Otto Reich, fez com que os camaradas de Roberto pedissem para ele ir, com medo de uma eventual investigação e represália por parte dos norte-americanos. “A esquerda latino-americana tem a solidariedade limitada pela necessidade”, filosofa. “Senti-me abandonado. Como me sinto ainda hoje.”

Restava o Brasil. Roberto tinha alguns conhecidos no país. Eles, porém, não puderam alojá-lo. Aqui, procura emprego, não para voltar à Colômbia, mas para ir a Cuba. Lá, segundo ele, talvez seja um dos únicos países em que seu ideal de justiça sobreviva. A volta para casa parece um sonho distante, sua luta política é a principal missão agora. “Abri mão de tudo. Vendi apartamento, carro e abandonei um padrão de vida confortável para enfrentar os inimigos da Colômbia.” Há um mês no Brasil, desde o período no Uruguai não entra em contato com a família.

Seus três filhos tiveram que deixar a escola, sua esposa não está mais empregada. A certa altura, mesmo reafirmando sua convicção, deixa transparecer dúvidas se realmente valeu a pena. Mas logo a indignação ressurge. “A história tem que ser reescrita. Não entendo como os brasileiros só podem pensar em cachaça e futebol. Precisamos pensar em um futuro melhor, com o ser humano em primeiro lugar”. Cansado, Roberto pede para parar a entrevista. “Hoje, meu país é meu inimigo”, conclui. Entre seus novos conhecidos, gente como ele, sem destino nem futuro certo, só é chamado pelo apelido de “companheiro”.

8 comentários:

Anselmo disse...

Excelente resgate.

vale lembrar os 4,6 milhões de refugiados palestinos (segundo a UNRWA, da ONU).

Anônimo disse...

Boa Glauco, muito boa.

Marcão disse...

"Não entendo como os brasileiros só podem pensar em cachaça e futebol". Nem eu. Por isso que eu bebo. Assistindo jogo na TV...

Thalita disse...

q vc bebe nao tenho dúvidas, masrcão, mas assitir jogo na tv vc nao assiste, pq esquece.
no mais, otimo post

Glauco disse...

Marcão, quando ele disse que não entendia porque os brasileiros só pensavam em futebol e cachaça, é porque ele queria que se pensasse em política também. De certa forma, o Futepoca é a concretização do sonho do Roberto (ou não).

Marcão disse...

Então paga uma!

Olavo Soares disse...

"Não entendo como os brasileiros só podem pensar em cachaça e futebol"

É, o sujeito não precisava ter falado isso.

Tirando isso, ótimo relato, parabéns ao Glauco e ao Nicolau!

Nicolau disse...

Várias histórias para essa matéria. É um lance pesado ver a situação em que esse pessoal migrante se encontra, poucas perspectivas. A situação do "companheiro" era das mais complicadas por conta do fator político. Há pouco, conheci uma sindicalista colombiana que está refugiada no Brasil por ter sido ameaçada de morte em seu país. Feio o negócio na Colômbia. Sobre o comentário do Companheiro sobre o brasileiro, fiquei mais chocado com um angolano que conhecemos no mesmo dia, que disse ter ficado chocado com o número de pessoas dormindo nas ruas de São Paulo. O país dele vinha de uns trocentos anos de guerra civil e ele dizia que lá não era tanta gente assim nas ruas...