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Por camila souza ramos*
O oitavo disco do
Pink Floyd foi lançado em 24 de março de 1973 e chega hoje ao seu
40º aniversário, mas o álbum de meia-idade ainda reverbera nas
gerações posteriores de 80’, 90’ e 2000’. Reverbera porque
foi o primeiro e um dos únicos álbuns da história do rock que
ousaram tocar uma epopeia da modernidade num estilo psicodélico, da
loucura como uma produção social do nosso tempo, e conseguiu fazer
isso quase numa ópera rock, formato então inovador mesmo para o
próprio Pink Floyd.
Naquela época, o
antigo protagonista da banda, Syd Barrett, já havia saído do grupo,
após se viciar em LSD e desenvolver um comportamento esquizofrênico.
O problema mental de Barret – guitarrista que já inspirava muitos
contemporâneos seus – afetou o grupo todo, e levaram-se uns anos
para que Roger Waters tomasse a liderança do Floyd e decidisse
tratar desse problema diretamente em suas próprias composições.
Mas a decisão não poderia ter sido mais acertada: as músicas
serviram como uma catarse da banda para o sofrimento que
presenciavam, aliando o testemunho da loucura com reflexões
filosóficas sobre a resistência ao tempo, a ganância e outras
loucuras sociais, além de alcançar uma produção musical fora do
padrão de rock comportado, com longos solos de guitarra e baixo, com
pouca simetria, mas com uma harmonia que em algumas vezes se aproxima
da música clássica – o grupo já havia usado e abusado das
extensões de guitarra em Ummagumma (1969), mas naquele álbum as
letras ainda não estavam à altura das melodias.
Syd Barrett e Roger Waters |
Quando falam do lado
escuro da lua, eles falam de todos os lados escuros de nossa alma, de
nossa humanidade. Aquilo que deixamos oculto, que tememos mostrar, e
que, quando nos é revelado, assusta, como a loucura, ainda que
saibamos que temos em nós os seus germes. As músicas jogam luzes
sobre os bichos-papões que estão sob as nossas camas e para os quais
preferimos não olhar, mas que, quando encaradas, podem nos revelar
um mundo que merece ser olhado – e deve ser. Relações possíveis
com a capa do álbum não são mera coincidência: um feixe de luz
branca (a reflexão, a música), atravessa o prisma (nosso
inconsciente) e se revela multicolorido (a consciência). Observação:
o significado dessa capa é discutido até hoje, e fala-se em
referência às pirâmides do Egito, sobre a revelação do lado
oculto do universo, entre outros. A interpretação que coloco é uma
entre várias possíveis.
Nas letras do disco,
Waters aproxima da obsessão comportamentos tidos como normais ou
inquestionáveis: “The paper holds their folded
faces to the floor/And every day the paper boy brings more” (Brain
Damage); “I'm in the high-fidelity
first class travelling set/And I think I need a Lear jet” (Money).
Ou ainda, inverte o diagnóstico, questionando a loucura como
patologia: “Very hard to explain why you're
mad/even if you're not mad” (Speak To
Me).
Em quase todas as
músicas do disco, o grupo abusa de recursos sonoros para além dos
instrumentos, como gravações de voz e locuções em um aeroporto.
Dois pontos altos são o badalar simultâneo de diversos relógios em
Time, e o som do cair de moedas e de caixas registradoras em
Money. Esses recursos aproximam o álbum de uma narrativa,
ainda que não linear, como se a forma chamasse a atenção do
ouvinte para o conteúdo.
Parênteses: Money
foi o sucesso inegável e mais do que justificado do disco, com uma
mensagem direta às contradições do dinheiro no capitalismo.
Contradição essa presente dentro da própria banda, que foi
duramente criticada por alguns por terem ganhado muito dinheiro
justamente fazendo crítica ao sistema, ainda que nunca tenham se
advogado como revolucionários (Roger Waters fala um pouco disso
nessa entrevista à Rolling Stone, disponível em
http://migre.me/dPdFR).
Apesar do peso musical de Money, creio que Time não
esteja atrás. Ao falar sobre a fugacidade do tempo, nos faz pensar
sobre o tempo que perdemos e se não é uma loucura querer controlar
esse tempo transcorrido (coincidência histórica ou não, as músicas
Money e Time foram compostas na época de expansão
global do sistema de produção Just-in-time, cuja máxima é “tempo
é dinheiro”).
Mesmo ao tratar dos
problemas mentais de Syd, Waters mostra as pressões que o dinheiro,
o tempo, as guerras (em Us and Them, por exemplo) e a
possibilidade da morte exercem sobre o indivíduo. Com isso, ele
consegue tratar de angústias também de todo o corpo social – e,
dessa forma, compõe praticamente uma epopeia da modernidade, cujos
problemas não apenas ainda não foram resolvidos como até
agravados.
The Dark Side of
The Moon fala de angústias, mas não busca saídas. Neste
sentido, pode ser considerada uma produção mais juvenil de Pink
Floyd, que seis anos, em 1979, lançou sua segunda maior obra-prima,
The Wall – um disco mais duro, mas também mais direto,
arriscando inclusive algumas palavras de ordem.
É tentador dizer
que o rock atual não busca mais compor narrativas históricas, não
se engaja mais nos problemas de seu tempo nem questiona mais a
realidade, mas uma hipótese para essa ausência de referência é
que as questões levantadas pelo rock dos anos 60’ e 70’
permanecem as mesmas, e as soluções, ainda distantes tanto da
música como da realidade. Ou ainda, que as soluções esperadas por
aquelas gerações não venceram nem corresponderam aos seus anseios.
Diante disso, o rock apenas espelha hoje a falta de grandes
alternativas, preferindo se recolher ao dia-a-dia, buscando escapar
do conflito.
Aos 40 anos, The
Dark Side of The Moon pode ter suas crises de meia-idade, mas
também é como um pai que tem muita história e ensinamento a passar
para seus filhos.