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sexta-feira, janeiro 01, 2010

O legítimo "futebol científico"

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Desde pequeno escuto falar do tal "futebol científico", termo que faz alusão ao estilo de jogo praticado na extinta União Soviética e em países do Leste Europeu. No entanto, não sabia precisar o porquê do termo e muito menos a sua origem já que, em 1958, o futebol soviético era mais semelhante ao sulamericano do que aos ferrolhos que caracterizavam boa parte dos times europeus. Por que então o "científico"? Era só uma referência ao cientificismo dos regimes da cortina de ferro?

Foi lendo o excelente Como o futebol explica o mundo (Ed. Jorge Zahar), de Franklin Foer, que me deparei com o mentor do dito estilo de jogo. Valeri Lobanovsky (foto), um ex-bombeiro hidráulico que aplicou a lógica do marxismo científico ao esporte, quis sobrepor o coletivo ao individual e se propôs a desvendar os fundamentos matemáticos da modalidade. Criou um sistema de valores numéricos representando cada ação executada em uma partida, fazendo com que grupos de "cientistas" analisassem passes, desarmes e chutes de cada atleta. Os dados alimentavam um computador que atribuía aos jogadores avaliações da intensidade, atividade, taxa de erros e efetividade.

Sim, muito antes dos laptops ficarem comuns no mundo da bola, Lobanovsky já utilizava a tecnologia disponível à época, formando no futebol a imagem do homo sovieticus idealizado pela então potência rival dos EUA. Mas o futebol científico se mostrou mais do que uma simples incorporação ideológica feita pelo treinador e provou que podia ser, de fato, vencedor.

A máquina de Kiev

O sistema dentro das quatro linhas tinha como objetivo que os jogadores detivessem a posse de bola o menor tempo possível, privilegiando sempre o toque de primeira e as triangulações, com transições da defesa para o ataque realizadas de forma rápida. Foi jogando assim que, no período em que treinou o Dínamo de Kiev, entre 1974 e 1990, Lobanovsky ganhou oito campeonatos soviéticos, seis Copas URSS, uma Supercopa da Europa - este o primeiro título continental de uma equipe da União Soviética - e duas Recopas europeias.

Ele foi também técnico da seleção da URSS em três períodos distintos: de 1975 a 1976, de 1982 a 1983 e entre 1986 e 1990. Aliando seu método rígido e disciplinador a que os ucranianos estavam acostumados com a criatividade dos atletas russos, chegou ao vice da Eurocopa de 1988, perdendo para a Holanda comandada por Rinus Michels, de Rijkaard, Gullit e Van Basten. Ironicamente, o treinador holandês era uma das inspirações de Lobanovsky, que via no futebol total da Holanda e da Alemanha de 74 a última revolução ocorrida no futebol.



O mentor de Shevchenko

Com o fim da URSS, Lobanovsky passou pelos Emirados Árabes Unidos e também pelo Kuwait, retornando à Ucrânia em 1996 para dirigir o Dínamo. Conseguiu levar a equipe às semifinais da Liga dos Campeões em 97/98 e, no torneio anterior, obteve uma senhora goleada contra Barcelona, um 4 a 0 em pleno Camp Nou.

Àquela altura, o técnico revelava ao mundo o artilheiro Shevchenko, quase um jogador ideal de acordo com sua concepção de futebol. Tanto que, em 1998, Lobanovsky dizia preferi-lo a Ronaldo, no auge da carreira então. "Ronaldo? É um jogador capaz de inventar, mas Shevy tem tudo: passa bem, lê o jogo com facilidade e é muito forte fisicamente".

E Sheva foi grato ao mentor. Quando o Milan conquistou o título da Liga dos Campeões da temporada 2002/2003, chorava depois da partida, se dizendo muito emocionado por lembrar do antigo técnico, que havia morrido em 2002. Dias após a vitória, Shevchenko retornou à Ucrânia e deixou a medalha de campeão no túmulo de Lobanovsky.

O que aconteceria se...

Lobanovsky era o comandante da União Soviética do goleiro Dasaev, que perdeu para o cantado e decantado time de Telê na Copa de 1982. Derrota ocorrida graças à ajuda do árbitro espanhol Lamo Castillo, que deixou de marcar dois pênaltis cometidos pelo atleticano Luisinho quando o jogo estava 1 a 0 para os soviéticos (um frangaço histórico de Waldir Peres). Houve também um tento soviético anulado no segundo tempo por suposto impedimento, que não fica bem claro pelas câmeras da época.  A virada veio graças a dois chutaços de fora da área, de Sócrates e Éder.

Mas o que aconteceria se o árbitro fosse menos verde-amarelo? O Brasil poderia cair no grupo de Polônia e Bélgica nas quartas e ir adiante na Copa ou seguiria o mesmo caminho sendo esquecida nos dias de hoje graças à derrota inicial? A URSS encaixaria melhor seu estilo de jogo contra Argentina e Itália e Lobanovsky seria mais lembrado hoje no Brasil do que Telê? Quem quiser arriscar o possível destino das seleções, fique à vontade...