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terça-feira, maio 17, 2011

Cachaça foi estopim da Revolta da Chibata

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Lendo "João Cândido, o Almirante Negro", de Alcy Cheuiche (Editora L&PM, 2010), reparei em um detalhe pouco conhecido da Revolta da Chibata, conflito desencadeado em novembro de 1910, quando marinheiros tomaram os dois maiores e mais potentes navios da Marinha brasileira, exigindo a extinção dos castigos com chicotadas na corporação - sob pena de arrasarem o Rio de Janeiro, então capital do país, a tiros de canhão. O segundo capítulo do livro conta que o marujo baiano Marcelino Rodrigues Menezes (foto) foi flagrado tentando embarcar com duas garrafas de cachaça no navio "Minas Gerais". Acuado, agrediu levemente, com uma navalha, o cabo Valdemar, que o havia surpreendido. Na hora, foi preso e amarrado a uma argola de ferro.

No dia 21 de novembro, centenas de marinheiros foram perfilados na embarcação para presenciar o castigo físico de Marcelino. O hábito era dar 25 chibatadas com um relho feito de linho, que era encharcado na água e, depois, cravado com inúmeras agulhas de aço. Assim, quando a chibata atingia a pele do marinheiro, grudava as agulhas e, ao sair, arrancava carne. Mas o carrasco não parou no 25º açoite. Nem no centésimo. João Cândido Felisberto (foto), marinheiro gaúcho que lideraria a revolta, deixou registrado: "Aqui neste convés, o nosso colega Marcelino recebeu 250 chibatadas, e nós fomos obrigados a assistir a esse espetáculo degradante. O baiano ainda se encontra recolhido ao seu beliche, com muitas dores e febres". No dia seguinte, os marinheiros rendereram os oficiais, mataram alguns, tomaram o navio - com o apoio de outro navio idêntico, o "São Paulo" - e exigiram do presidente da República, Hermes da Fonseca, o fim dos castigos físicos.

O mestre-sala dos mares
Os marinheiros foram atendidos e terminaram a revolta, sendo todos anistiados. Porém, depois de um outro motim de fuzileiros navais no quartel da Ilha das Cobras, no início de dezembro (que nada tinha a ver com os motivos da Revolta da Chibata), o governo federal aproveitou para decretar estado de sítio e prender centenas de oficiais, arbitrariamente. Entre eles, João Cândido, que não tinha nada a ver com essa rebelião, mas acabou expulso da Marinha. Em uma masmorra na Ilha Grande, 16 de seus 17 companheiros de cela morreram asfixiados com cal. Cândido sobreviveu, mas com alucinações que o levaram, em 1911, a um manicômio. Voltaria à prisão da Ilha das Cobras e seria solto definitivamente em 1912. Viveu em grande dificuldade (foto) até sua morte, aos 89 anos, em 1969.

Apesar disso, sua memória chegou a ser resgatada em vida, em 1959, com o lançamento do célebre livro "A Revolta da Chibata", de Edmar Morel - jornalista cearense que, por causa disso, seria duramente perseguido pela Marinha nacional, perdendo seus direitos políticos em 1964 e sendo exonerado do cargo público que havia conquistado em concurso. Na década de 1970, João Cândido seria imortalizado pelos compositores João Bosco e Aldir Blanc no samba "O mestre-sala dos mares", magistralmente gravado por Elis Regina. E os versos não esqueceram de glorificar a cachaça, que gerou o castigo de Marcelino Menezes, o último marinheiro brasileiro que sofreu com a chibata, motivo da revolta de 1910:

O MESTRE-SALA DOS MARES
(Aldir Blanc/ João Bosco)

Há muito tempo, nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a História não esqueceu
Conhecido como o Navegante Negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E, ao acenar pelo mar, na alegria das regatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas

Rubras cascatas
Jorravam das costas dos santos entre cantos e chibatas
Inundando o coração do pessoal do porão
Que, a exemplo do feiticeiro, gritava então:

Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa História não esquecemos jamais

Salve o Navegante Negro que tem por monumento
As pedras pisadas do cais - mas salve
Salve o Navegante Negro que tem por monumento
as pedras pisadas do cais - mas faz muito tempo...