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quarta-feira, agosto 24, 2011

Vida enlatada: Aperto do metrô de São Paulo, parte 1

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Era uma terça-feira de manhã do final de julho, fora do horário de pico. O trem para na estação terminal Butantã, da linha 4-Amarela. A porta abre, uma menina de uns nove anos, ladeada por duas tias, faz menção de desembarcar, como se espera de qualquer passageiro quando chega ao fim da linha. Mas elas ficam diante da conclusão de uma das moças:

– Não, a gente pode ficar aqui mesmo.

Elas voltam, da área das portas para a das cadeiras e se acomodam. Sobram assentos. Logo os vizinhos de vagão conhecer-na-iam pelo nome, Júlia, e pela argúcia.

– Mas... Se não tem motorista, como é que eles sabem que a gente tá aqui?

Parte interna do vagão também é amarela nos trens sem piloto


As tias desconversaram. A rigor, ninguém precisaria saber que estávamos ali; o percurso ocorreria do mesmo jeito. Ocorre que alguma delas deve ter avisado que a linha é automatizada, opera sem condutores – tecnologia "driveless", segundo se aprende olhando para as TVs de dentro dos trens. As outras linhas também são pilotadas remotamente, mas um condutor permanece ali na frente – por segurança, segundo a visão dos sindicalistas.

O importante é que a Júlia vinha de Alterosa, no sul de Minas Gerais. Passava as férias na capital paulista onde uma das tias morava fazia seis meses, a trabalho. Da segunda tia pouco se conheceria. Durangas e sem muita ideia de onde levar a sobrinha na selva de pedra, decidiram que a primeira viagem de avião era insuficiente no rol de novidades para a menina.

O passeio partiu de Santana, na zona norte, via linha 1-azul, passou pela linha 2-verde e terminou na 4-amarela. A primeira viagem num metrô. O trajeto seguia até a estação Faria Lima. Ignorar a primeira pergunta não resolveria.

– Mas... Se não tem motorista, quem é que fica aí falando onde a gente tá?

Essa era mais fácil, e a recém-radicada na Pauliceia devolveu:

– E o computador de bordo entra onde, hein?

– Ah...

Júlia ainda questionaria sobre outros recursos da modernidade do meio de transporte metropolitano. As tias se encantavam até mais do que a menina com o virar dos vagões, que são interligados por dentro e permitem acompanhar o caraminholar das curvas da estrada de ferro. Até foto com o celular registraram. E também com o vídeo promocional que exibia a chegada dos trens fabricados na Coreia do Sul e desembarcados no Porto de Santos.

Um manguaça sentado à minha frente também se divertia com a inquietação da menina. Achou-se íntimo o bastante para assuntar.

– É moderna essa linha, né? Eu me lembro quando abriram a primeira aqui em São Paulo. Foi entre São Judas e Jabaquara, acho...

Segundo o Wikipedia, a primeira viagem foi entre Jabaquara e Saúde, mas isso é um detalhe.

– A Vila Prudente (na linha verde) é moderna, mas essa aqui (amarela) é mais... Bonita mesmo.

O cidadão assunta com a menina questões relacionadas à retomada das aulas, a viagem de volta no avião, elogia o tutu, o leitão e as cachaças de Minas (quando seus olhos mostram um cintilar especial)... E os carros alcançam a estação Paulista.

Quando eu já estava na porta, me preparando para os 300 metros até a integração com o restante do percurso, a Júlia perguntava para onde elas iriam dali. Provavelmente de volta para casa, refazendo o mesmo caminho. O novo amigo se despedia e alguma coisa (provavelmente inveja) me dizia que ele iria dali para o bar.

A porta abriu e os usuários, que já se avolumavam, começaram a movimentação mista de empurra-empurra com caminhar apressado me levou para longe dali. Preciso de férias. Ou de passar no bar. Ou dos dois.

4 comentários:

Nicolau disse...

Que bela crônica, Massad! E vai, Júlia!

Maurício Ayer disse...

Quem é mesmo que dizia que "os idiotas pensam igual"? Pois sabe que eu cliquei no comentário determinado a escrever "Que bela crônica, Maussadi". Muito bom.

Aliás, você já leu "Zazie no Metrô"?

Anselmo disse...

nao li "zazie no metrô", mas parece bom.

tem pelo menos mais duas partes dessa vida enlatada pra pingar por aí.

Kiko disse...

Muito bom! Curti e repassei! ;)