Não podia haver melhor oportunidade para a inauguração do novo estádio do Corinthians, ao extremo leste de São Paulo. Parece que foi ontem... ou foi ontem? Foi ontem mesmo, eu estava lá, junto com mais de 30 milhões de gaviões, na maior lotação de um estádio da história da humanidade. Antes, já tinham lotado o terminal, com samba, suor e cerveja, para ir ao jogo. Depois, a vitória magra sobre o Al Ahly foi uma dose de má cachaça na fuça dos jogadores – ou mesmo a derrota pros reservas do São Paulo. A final seria em casa, mas contra o perigosíssimo São Caetano.
Corinthians e São Caetano jogam parecido, diz-se, mas se o primeiro é tido como uma equipe sem estrelas, o segundo tem craques de várias seleções, como a inglesa ou a brasileira. O Azulão chegou ao mundial armando uma retranca furiosa contra o invencível Barcelona. O Corinthians venceu o tradicional papão Boca Juniors com um gol urdido por seu maior símbolo, o imortal Sócrates.
Pouca gente conhece essa história. Quando o Corinthians foi fundado, em 1910, um palmeirense muito poderoso leu o futuro nas tripas de um porco morto na segunda lua minguante do ano (uma segunda-feira), e proferiu a seguinte maldição: “Só um grande líder grego levará os Corintos a dominarem o continente. Ele terá a sua chance, se falhar, legará as trevas aos seus descendentes”. Quando Sócrates chegou ao clube, os conhecedores da profecia sabiam que ele era o ungido. Sócrates lançou sua luz muito além dos gramados, falou a todos de seu tempo e ganhou o Brasil com uma mensagem de igualdade e democracia. Conquistou um lugar único na história do país, mas não um título nacional.
Os anciãos corintianos não tinham dúvida: o tempo passara. Não podiam dizer isso aos mais novos, mas o Corinthians jamais seria campeão da América. A morte de Sócrates antes mesmo da partida final do Brasileiro de 2011 veio como um luto profundo para toda a nação.
Naquela noite sonhei com um dos profetas corintianos mais poderosos que conheci: o velho Diógenes Budney me apareceu com o seu sorriso calmo, fumava um cigarro feito a mão, ergueu a sobrancelha e apontou com o nariz para um lugar atrás de mim, voltei-me, e vi o Magrão aquecendo, cabeceando a bola que um companheiro lhe lançava. Um sentimento de paz onírica me tomou. Corta para o profeta Diógenes, que pronuncia “um simples estrogonofe não atingiria o Doutor”. Acordei angustiado.
O Timão levou o título nacional e qualificou-se para a Libertadores 2012. Os jogos foram se sucedendo sem que o time perdesse. Era questão de tempo. O time esteve a ponto de cair diante do Vasco e do Santos, mas ultrapassou todos os adversários e enfrentaria o grande carrasco dos times brasileiros, o terrível Boca. Na Bombonera, o menino Romarinho marcou em jogada que passou pelos pés de Paulinho e Emerson, o Sheik, e o resultado foi um empate. No Pacaembu, bastava tomar um gol para o sonho acabar, e ele fatalmente viria.
Até que surgiu uma falta próxima da lateral direita no ataque corintiano. Parecia ser uma jogada ensaiada: Alex bateu na cabeça de Jorge Henrique, que pelo jeito deveria cabecear pra trás, jogando a bola no centro da área. Foi quando aconteceu o milagre. JH até que cabeceou direitinho, mas a bola estranhamente subiu demais, saiu da tela, atraída por flagrante antigravidade. Dá pra ver no vídeo que um facho de luz desceu junto com a pelota, desviando a parábola, ela foi parar fora da pequena área. Danilo se viu obrigado a buscar a bola de costas para a meta boquense, mas naquele momento ele já era apenas um veículo, um cavalo para que o gênio de Sócrates se manifestasse uma última vez, deu o calcanhar perfeito que colocou na cara do gol o Emerson (até esse momento eu não tinha reparado como ele é a cara do Casagrande), que pôs pra dentro.
Ele estava lá, e se manifestou para nós.
Um arrepio correu meu corpo, revi o sorriso do velho Budney, tudo ficou claro: Sócrates precisou morrer para poder jogar a final da Libertadores. A maldição está quebrada, o Corinthians é campeão da América.
Os profetas corintianos que consultei não souberam ou não quiseram ou não podiam me dizer nada sobre a final do Mundial contra o São Caetano. A opção estratégica de Tite foi clara: remontar o time da final da Libertadores. Um time guerreiro, coeso, que dificilmente toma gols e que é capaz de atropelar qualquer adversário. Mais que isso, um time iluminado, que teria ao seu lado 86.767 mães e pais de santo, além de padres, pastores, pajés, sacerdotes de todos os credos. Em campo, o Timão faria uma parte, mas de nada valeria sem a adequada configuração astral, sem o alinhamento dos planetas, o mesmo que segundo profetas de outros setores reconhecidamente levaria ao propalado fim do mundo. A maneira de evocar essas forças seria recolocar as peças em consonância com as estrelas: sim, Jorge Henrique tinha que entrar.
Apesar de disputar em igualdade o território, o São Caetano criava chances muito mais perigosas que o Corinthians. Cássio foi o salvador, muito por suas qualidades de goleiro, mas muito também por sorte, pois alguns tiros, se desferidos sem nervosismo, fatalmente entrariam.
Foi o calcanhar de Paulinho que evocou o Doutor dessa vez, novamente a cabeça de Jorge Henrique toca a bola, Paulinho cruz a área, Danilo toma a bola e chuta mascado, ela sobra para a cabeça de Paolo Guerrero. Um gol do Peru, um gol de Natal, um gol presente, gol de renovação.
Em noite de São Jorge, gol do Guerrero.
Gol de São Jorge.
O Corinthians é bicampeão do mundo. Desta vez, foi campeão passando pela Libertadores.
Um mundo acabou ali. O próximo mundo, que começou agora, é corintiano.
“Goleiro bom tem que
ter sorte”, já dizia a máxima do futebol. E isso é algo que
nunca faltou a Cássio. Nem estou falando da bola que quase passou
por baixo do corpo dele no primeiro tempo da final contra o Chelsea,
muito menos desmerecendo seus méritos técnicos, até porque, como
diria o novelista e músico francês Romain Rolland, “o acaso
encontra sempre quem saiba aproveitar-se dele”. Ou, se você
prefere Buñuel, pode lembrar que “o acaso é o grande mestre de
todas as coisas”.
Passadas as citações
do almanaque Biotônico Fontoura, é preciso lembrar como o herói da
conquista corintiana chegou aonde chegou. E o Futepoca
acompanhou. Em um post
de 2009, o companheiro Olavo lembrou como ele, sendo quarto
goleiro do Grêmio, depois de Saja, Marcelo Grohe e Galatto, chegou a
ser convocado para a seleção brasileira principal pelo técnico
Dunga. A lembrança do nome do
então gremista pelo comandante da seleção se devia ao seu bom
desempenho no Sul-Americano sub-20, que o credenciava como um
possível goleiro a ser convocado para as Olimpíadas de Pequim. Mas
acabaram indo Diego, do Almería, e Renan, do Inter.
Para chegar à seleção,
Cássio contou com uma sucessão de acasos fabulosa. No post Corpo
Fechado, já se comentava aqui a respeito das defesas do arqueiro
no Sul-Americano sub-20, apesar da equipe do então treinador Nelson
Rodrigues não empolgar. Mas como ele chegou ao time? Relembre: “Ele
não estava presente na convocação inicial do treinador Nelson
Rodrigues, e foi convocado graças ao corte de Felipe, do Santos,
pego no exame antidoping. Já na seleção, juntamente com Edgar, foi
o único que não sofreu com um surto de gastroenterite que atacou os
atletas da seleção brasileira. O goleiro Muriel, do rival Inter,
foi um dos que sofreu mais com tal doença, tendo cedido o lugar
antes para Cássio, por conta de dores musculares.”
O santo forte de Cássio
funcionou à época também em relação à disputa pessoal que
travava no Grêmio. “Marcelo Grohe, titular do time em boa parte do
ano passado, vinha sendo convocado seguidas vezes e tinha lugar certo
na seleção sub-20. Porém, se contundiu no fim de 2006 e não pôde
ir até o Paraguai. Na pré-temporada do time gaúcho, ainda sofreu
nova contusão, dessa vez um entorse no tornozelo. Curioso é que
Grohe também assumiu a condição de titular do Grêmio graças à
contusão de Galatto. Com tantos acasos a seu favor, se é verdade a
máxima de que goleiro bom tem que ter sorte, Cássio logo, logo será
titular da seleção principal.”
Vendido ao PSV, quase
não jogou e, depois de ser emprestado para o Sparta Roterdã,
retornou ao Brasil, no Corinthians em 2012, onde o acaso novamente
ajudou. Após trágica atuação nas quartas de final do Paulista,
Júlio César foi sacado e Cássio, mais uma vez, estava naquele dito
lugar certo, no momento oportuno.
Para quem acredita em
destino, a trajetória do herói corintiano é um prato
transbordante.
O goleiro Cassio, da seleção sub-20, embora esteja longe de ser uma unanimidade (falhou no jogo contra a Argentina, foi "cazar mariposas" em um dos gols, segundo um jornal portenho), vem ganhando destaque graças a suas atuações no Sul-americano da modalidade. Defesas dificílimas à queima-roupa e até mesmo pênalti defendido, além da saraivada de finalizações que recebe a cada partida graças à péssima defesa brasileira, colocaram o jovem arqueiro em evidência e tem lhe garantido elogios de alguns famosos.
O ex-goleiro do Flamengo e da seleção argentina Ubaldo Fillol, segundo informações do site Terra, considera o goleiro gremista o melhor da competição. Ganha ainda mais destaque se considerarmos seus companheiros de equipe, que tem jogado muito pouco em todo o torneio. A sorte - algo que não falta a esse time - é que os adversários estão em um nível ainda mais sofrível.
No entanto, o interessante da história de Cássio é como ele chegou a ser titular da seleção. Ele não estava presente na convocação inicial do treinador Nelson Rodrigues, e foi convocado graças ao corte de Felipe, do Santos, pego no exame antidoping. Já na seleção, juntamente com Edgar, foi o único que não sofreu com um surto de gastroenterite que atacou os atletas da seleção brasileira. O goleiro Muriel, do rival Inter, foi um dos que sofreu mais com tal doença, tendo cedido o lugar antes para Cássio, por conta de dores musculares.
Seu companheiro de Grêmio, Marcelo Grohe, titular do time em boa parte do ano passado, vinha sendo convocado seguidas vezes e tinha lugar certo na seleção. Porém, se contundiu no fim de 2006 e não pôde ir até o Paraguai. Na pré-temporada do time gaúcho, ainda sofreu nova contusão, dessa vez um entorse no tornozelo. Curioso é que Grohe também assumiu a condição de titular do Grêmio graças à contusão de Galatto. Com tantos acasos a seu favor, se é verdade a máxima de que goleiro bom tem que ter sorte, Cássio logo, logo será titular da seleção principal.