Destaques

Mostrando postagens com marcador Gustavo Andrada Bandeira. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Gustavo Andrada Bandeira. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, agosto 21, 2013

Especial: É hora de discutir a homofobia no futebol

Compartilhe no Twitter
Compartilhe no Facebook

Corintianos protestam contra beijo de Sheik
O selinho do jogador corintiano Emerson Sheik no amigo Isaac Azar trouxe à tona a questão da homofobia no futebol em função da reação agressiva de torcedores do clube que protestaram contra a atitude do herói da Libertadores de 2012.

Mas não é uma questão nova, ainda que não tenha merecido a atenção devida nem dos dirigentes esportivos da CBF e das federações, tampouco das equipes profissionais. “Os clubes de futebol, a imprensa esportiva e outros atores envolvidos com o futebol legitimam a homofobia ao silenciarem sua existência. Ao não serem citados, os xingamentos homofóbicos acabam sendo naturalizados”, acredita Gustavo Andrada Bandeira, pedagogo e autor da dissertação intitulada Eu canto, bebo e brigo... alegria do meu coração: currículo de masculinidades nos estádios de futebol. “Os nossos grandes clubes possuem origens e histórias mais ou menos semelhantes. Não vejo, neste momento, condições para que um clube de futebol brasileiro levante qualquer bandeira política que o diferencie dos demais.”

O surgimento das torcidas queer, que combatem a homofobia nas redes sociais, teve o mérito de tirar esse tema da invisibilidade. Mas, mesmo ganhando inúmeros adeptos e o apoio de outros tantos, reconhecem dificuldades para fazerem coisas simples, como manifestar o amor pelo seu time em um estádio de forma coletiva.

Frequentamos o estádio e temos sim esse objetivo [de comparecer como organizada]. Mas queremos fazer tudo com calma e no momento certo, é preciso garantir a integridade física de todos os participantes. Infelizmente a intolerância é muito grande e, a julgar pelas ameaças que recebemos na página, sabemos que não será fácil fazer protestos no estádio. Estamos pensando na melhor forma de fazer isto”, diz Milena Franco, da Galo Queer, torcida considerada precursora do movimento atual.

Algumas torcidas já tentaram ir aos estádios levando a temática LGBT. Muito antes da internet e das redes sociais, em 1977, surgiu a primeira organizada gay do Brasil, a Coligay,  fundada por Volmar Santos, então dono da boate Coliseu, para apoiar o Grêmio. Hostilizada pelos próprios torcedores do clube, foi extinta na década de 1980. Outro exemplo que também não foi adiante é a FlaGay, fundada pelo carnavalesco botafoguense Clóvis Bornay e que teve idas e vindas entre o final da década de 1970 e os anos 1990. 

Quanto ao comparecimento em estádios, a Bambi Tricolor enfrenta a mesma dificuldade da Galo Queer, mas em um nível talvez pior, já que são-paulinos são muitas vezes alvo de ofensas homofóbicas por parte dos rivais. “Há uma forte resistência entre os torcedores, agravada, inclusive, pela escolha do nome Bambi Tricolor. E embora a maioria que se manifesta tenha consciência de que as provocações e ofensas contra os são-paulinos tem um forte caráter homofóbico, não é muito clara a ideia de que a reação da torcida, de modo geral, tende a reforçar a homofobia”, conta Aline, representante da Torcida.

Confira nos links abaixo as três entrevistas feitas pelo Futepoca em abril e maio deste ano sobre a homofobia no futebol brasileiro.



Entrevista com Gustavo Andrada Bandeira, pedagogo e autor da dissertação intitulada Eu canto, bebo e brigo... alegria do meu coração: currículo de masculinidades nos estádios de futebol. 


Entrevista com Aline, representante da Bambi Tricolor

"A rivalidade faz parte do futebol, mas a homofobia não”

Entrevista com Milena Franco, da Galo Queer.

(Texto com contribuições de Glauco Faria, Marcão Palhares e Nicolau Soares)

Gustavo Bandeira: “Nossa cultura ainda é muito permissiva em relação à homofobia”

Compartilhe no Twitter
Compartilhe no Facebook

Entrevista com Gustavo Andrada Bandeira, pedagogo e autor da dissertação intitulada Eu canto, bebo e brigo... alegria do meu coração: currículo de masculinidades nos estádios de futebol

Por Glauco Faria

Futepoca – Por que, no seu entendimento, o estádio de futebol é um espaço tão marcante para afirmações de masculinidade e práticas homofóbicas? Isso tem mais a ver com a cultura do futebol ou com a cultura do próprio país?
Gustavo Andrada BandeiraDesde a perspectiva teórica que me aproprio, as diferentes instâncias da cultura trabalham na produção dos gêneros e das sexualidades. Os esportes modernos, em geral, são locais da cultura em que as construções de masculinidades ocupam um lugar privilegiado. Os confrontos são próprios das construções culturais do masculino. Na cultura brasileira, e não apenas nela, a homofobia tem se constituído em um importante conteúdo das construções mais tradicionais de masculinidade que, de alguma forma, ainda ocupam um espaço preponderante nas disputas por significado nos estádios de futebol.

Futepoca – Como você avalia o surgimento de torcidas que combatem a homofobia, como a Galo Queer, considerada pioneira? Você acha que elas poderão sair doa internet e se manifestar nos estádios sem causar desentendimentos com outras organizadas do próprio time?
Bandeira – O surgimento das torcidas queer obedece uma lógica muito interessante. Elas se aproximam do próprio surgimento do que poderia se chamar de "movimento queer" que pretendia positivar um termo que historicamente era utilizado para desqualificar os sujeitos não heterossexuais. A colocação dessa pauta na ordem do futebol brasileira é altamente positiva, conquanto tenhamos que esperar um pouco para vermos a reação a essas manifestações. Corremos o risco do surgimento de movimentos reacionários nas redes sociais ou nos estádios como contraponto a essas torcidas. Temos exemplos de torcidas gays no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul que acabaram na década de 1970 sumindo a partir da relação com as outras torcidas. O torcer nos estádios possui uma constante disputa por legitimidade. Não saberia precisar se a relação das torcidas organizadas com as torcidas queer seria muito diferente da relação das torcidas organizadas com as demais torcidas.

Futepoca – Qual a responsabilidade dos clubes de futebol no Brasil em relação ao fomento da homofobia? Acredita que existirão aqui exemplos como o do clube alemão St Pauli, que tem uma luta objetiva contra a intolerância?
Bandeira –
(Do Facebook do IHU)
Os clubes de futebol, a imprensa esportiva e outros atores envolvidos com o futebol legitimam a homofobia ao silenciarem sua existência. Ao não serem citados, os xingamentos homofóbicos acabam sendo naturalizados. Os nossos grandes clubes possuem origens e histórias mais ou menos semelhantes. Não vejo, neste momento, condições para que um clube de futebol brasileiro levante qualquer bandeira política que o diferencie dos demais.

Futepoca – De que forma esse comportamento homofóbico das torcidas afeta os próprios jogadores, obrigados muitas vezes a reprimir ou ocultar sua orientação sexual?
Bandeira – O comportamento homofóbico é tão naturalizado, os homossexuais são tão marcados como desviantes que a própria violência é entendida como natural. O "caso Michael" do vôlei é emblemático. O jogador afirmava que os xingamentos eram normais. Aos jogadores de futebol não parece possível assumir uma identidade homossexual. Mesmo que suas práticas sexuais ocorram com pessoas do mesmo sexo, a identidade homossexual dificilmente será assumida.

Futepoca – Você estudou o comportamento das torcidas dos principais times gaúchos. Acha que essa afirmação de masculinidade é pior no futebol do estado por conta da cultura esportiva que foi desenvolvida?
Bandeira – As torcidas de futebol do Rio Grande do Sul possuem um comportamento aproximado das torcidas platinas (Uruguai e Argentina). As representações da torcida brasileira em geral (especialmente como é entendida pelos estrangeiros) são mais carnavalescas. E o carnaval é uma festa importante em que existe um deslocamento entre o permitido e o proibido na ordem cotidiana, incluindo a de gênero. A ausência dessa característica pode ampliar a fixação de uma representação de masculinidade. A rivalidade é outro ingrediente fundamental no Rio Grande do Sul. Torcedores de Internacional e Grêmio são muito parecidos entre si, portanto, é necessário utilizar elementos compartilhadamente ofensivos. A sexualidade acaba ocupando este lugar.

Futepoca – É possível estabelecer uma relação entre as práticas homofóbicas com outros tipos de violência praticados em estádios de futebol, como o preconceito étnico ou social e às agressões físicas de uma forma geral?
Bandeira – Sim e não. Sim, porque a homofobia também é uma violência e impede que sujeitos não heterossexuais se entendam como possíveis nesse espaço. Não, porque outras manifestações violentas (como os enfrentamentos físicos) tendem a ser transgressivas, procuram fugir da ordem estabelecida. Infelizmente, a homofobia está totalmente dentro da ordem da masculinidade e do universo futebolístico.

Futepoca – Que tipo de campanhas e e ações de conscientização você acha que seria possível promover para combater a homofobia em estádios e no futebol em geral. E qual a responsabilidade da mídia dinate desse panorama?
Bandeira – Não tenho uma receita de como combater esta situação. É inegável que a situação das mulheres nos estádios foi alterada drasticamente nos últimos 15, 20 anos. Estamos vivendo um momento único na história do futebol brasileiro com a construção das novas Arenas. O comportamento das torcidas deverá ser alterado, mas não temos como saber de que forma. A mídia é responsável pela espetacularização do futebol. Enquanto as espetacularidades continuarem muito baseadas no confronto e nas metáforas bélicas, não acredito em mudanças significativas (ao menos não no que concerne a essa espetacularização). Entender que a homofobia é uma violência, que foge do ordinário e que é digna de ser narrada pode ser um primeiro passo.

Futepoca – Há casos de algumas torcidas que assumiram apelidos pejorativos e preconceituosos como a do Inter fez com "macaco", a do Palmeiras com o "porco" e a do Santos com o "peixe" (referência à origem socio-econômica dos "peixeiros", torcedores do clube do litoral). A torcida anti-homofobia do São Paulo adotou o nome de "Bambi Tricolor", mas já recebeu várias manifestações de torcedores são-paulinos contra a atitude. Por que é tão mais difícil assumir apelidos que dizem respeito a ofensas homofóbicas?
Bandeira – Nossa cultura ainda é muito permissiva em relação à homofobia. As pessoas não tem muita tranquilidade para manifestarem ódio racial ou de classe no espaço público. O ódio aos desviantes sexuais ainda aparece como um imperativo, especialmente para os homens.