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Entrevista
com Gustavo
Andrada Bandeira,
pedagogo e autor da dissertação intitulada Eu canto, bebo e
brigo... alegria do meu coração: currículo de masculinidades nos
estádios de futebol
Por Glauco Faria
Futepoca – Por
que, no seu entendimento, o estádio de futebol é um espaço tão
marcante para afirmações de masculinidade e práticas homofóbicas?
Isso tem mais a ver com a cultura do futebol ou com a cultura do
próprio país?
Gustavo
Andrada Bandeira
– Desde a perspectiva teórica que me aproprio, as
diferentes instâncias da cultura trabalham na produção dos gêneros
e das sexualidades. Os esportes modernos, em geral, são locais da
cultura em que as construções de masculinidades ocupam um lugar
privilegiado. Os confrontos são próprios das construções
culturais do masculino. Na cultura brasileira, e não apenas nela, a
homofobia tem se constituído em um importante conteúdo das
construções mais tradicionais de masculinidade que, de alguma
forma, ainda ocupam um espaço preponderante nas disputas por
significado nos estádios de futebol.
Futepoca – Como
você avalia o surgimento de torcidas que combatem a homofobia, como
a Galo Queer, considerada pioneira? Você acha que elas poderão sair
doa internet e se manifestar nos estádios sem causar
desentendimentos com outras organizadas do próprio time?
Bandeira
– O surgimento das torcidas queer obedece uma
lógica muito interessante. Elas se aproximam do próprio surgimento
do que poderia se chamar de "movimento queer" que pretendia
positivar um termo que historicamente era utilizado para
desqualificar os sujeitos não heterossexuais. A colocação dessa
pauta na ordem do futebol brasileira é altamente positiva, conquanto
tenhamos que esperar um pouco para vermos a reação a essas
manifestações. Corremos o risco do surgimento de movimentos
reacionários nas redes sociais ou nos estádios como contraponto a
essas torcidas. Temos exemplos de torcidas gays no Rio de Janeiro e
no Rio Grande do Sul que acabaram na década de 1970 sumindo a partir
da relação com as outras torcidas. O torcer nos estádios possui
uma constante disputa por legitimidade. Não saberia precisar se a
relação das torcidas organizadas com as torcidas queer seria muito
diferente da relação das torcidas organizadas com as demais
torcidas.
Futepoca – Qual a
responsabilidade dos clubes de futebol no Brasil em relação ao
fomento da homofobia? Acredita que existirão aqui exemplos como o do
clube alemão St Pauli, que tem uma luta objetiva contra a
intolerância?
Bandeira
–
|
(Do Facebook do IHU) |
Os clubes de futebol, a imprensa esportiva e
outros atores envolvidos com o futebol legitimam a homofobia ao
silenciarem sua existência. Ao não serem citados, os xingamentos
homofóbicos acabam sendo naturalizados. Os nossos grandes clubes
possuem origens e histórias mais ou menos semelhantes. Não vejo,
neste momento, condições para que um clube de futebol brasileiro
levante qualquer bandeira política que o diferencie dos demais.
Futepoca – De que
forma esse comportamento homofóbico das torcidas afeta os próprios
jogadores, obrigados muitas vezes a reprimir ou ocultar sua
orientação sexual?
Bandeira
– O comportamento homofóbico é tão
naturalizado, os homossexuais são tão marcados como desviantes que
a própria violência é entendida como natural. O "
caso Michael" do vôlei é emblemático. O jogador afirmava que os
xingamentos eram normais. Aos jogadores de futebol não parece
possível assumir uma identidade homossexual. Mesmo que suas práticas
sexuais ocorram com pessoas do mesmo sexo, a identidade homossexual
dificilmente será assumida.
Futepoca – Você
estudou o comportamento das torcidas dos principais times gaúchos.
Acha que essa afirmação de masculinidade é pior no futebol do
estado por conta da cultura esportiva que foi desenvolvida?
Bandeira
– As torcidas de futebol do Rio Grande do Sul
possuem um comportamento aproximado das torcidas platinas (Uruguai e
Argentina). As representações da torcida brasileira em geral
(especialmente como é entendida pelos estrangeiros) são mais
carnavalescas. E o carnaval é uma festa importante em que existe um
deslocamento entre o permitido e o proibido na ordem cotidiana,
incluindo a de gênero. A ausência dessa característica pode
ampliar a fixação de uma representação de masculinidade. A
rivalidade é outro ingrediente fundamental no Rio Grande do Sul.
Torcedores de Internacional e Grêmio são muito parecidos entre si,
portanto, é necessário utilizar elementos compartilhadamente
ofensivos. A sexualidade acaba ocupando este lugar.
Futepoca – É
possível estabelecer uma relação entre as práticas homofóbicas
com outros tipos de violência praticados em estádios de futebol,
como o preconceito étnico ou social e às agressões físicas de uma
forma geral?
Bandeira
– Sim e não. Sim, porque a homofobia também é
uma violência e impede que sujeitos não heterossexuais se entendam
como possíveis nesse espaço. Não, porque outras manifestações
violentas (como os enfrentamentos físicos) tendem a ser
transgressivas, procuram fugir da ordem estabelecida. Infelizmente, a
homofobia está totalmente dentro da ordem da masculinidade e do
universo futebolístico.
Futepoca – Que
tipo de campanhas e e ações de conscientização você acha que
seria possível promover para combater a homofobia em estádios e no
futebol em geral. E qual a responsabilidade da mídia dinate desse
panorama?
Bandeira
– Não tenho uma receita de como combater esta
situação. É inegável que a situação das mulheres nos estádios
foi alterada drasticamente nos últimos 15, 20 anos. Estamos vivendo
um momento único na história do futebol brasileiro com a construção
das novas Arenas. O comportamento das torcidas deverá ser alterado,
mas não temos como saber de que forma. A mídia é responsável pela
espetacularização do futebol. Enquanto as espetacularidades
continuarem muito baseadas no confronto e nas metáforas bélicas,
não acredito em mudanças significativas (ao menos não no que
concerne a essa espetacularização). Entender que a homofobia é uma
violência, que foge do ordinário e que é digna de ser narrada pode
ser um primeiro passo.
Futepoca – Há
casos de algumas torcidas que assumiram apelidos pejorativos e
preconceituosos como a do Inter fez com "macaco", a do
Palmeiras com o "porco" e a do Santos com o "peixe"
(referência à origem socio-econômica dos "peixeiros",
torcedores do clube do litoral). A torcida anti-homofobia do São
Paulo adotou o nome de "Bambi Tricolor", mas já recebeu
várias manifestações de torcedores são-paulinos contra a atitude.
Por que é tão mais difícil assumir apelidos que dizem respeito a
ofensas homofóbicas?
Bandeira
– Nossa cultura ainda é muito permissiva em
relação à homofobia. As pessoas não tem muita tranquilidade para
manifestarem ódio racial ou de classe no espaço público. O ódio
aos desviantes sexuais ainda aparece como um imperativo,
especialmente para os homens.