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quinta-feira, outubro 16, 2008

José Dumont: "O bar é o grande ato politizador"

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Acabo de bater um papo arretado com José Dumont, um dos melhores atores do Brasil em todos os tempos. Falamos sobre o filme "O Homem Que Virou Suco" (foto ao lado), clássico de 1980 do diretor João Batista de Andrade, para uma reportagem da revista cearense Singular. Só que, papo vai, papo vem, e é claro que a conversa desembocou em...futebol, política e cachaça. E aí, lógico, eu falei do nosso glorioso Futepoca. "Que bacana, um nome muito apropriado", elogiou o Zé. "O bar é o grande ato politizador. Porque, se eu não escuto opinião, como vou mostrar a minha?", questionou, na seqüência. Por isso, Zé Dumont topou uma entrevista rápida para nossos leitores. Vamos a ela, então:

FUTEPOCA - As ações sociais do governo Lula representam alguma esperança, mudam alguma coisa para o Nordeste?
ZÉ DUMONT - O Lula faz o que pode, dá assistência. Mas o problema não é o governante, é o conceito que se tem para o país. O Brasil tem um presidencialismo de fachada, quem manda é o Congresso e o Senado. E nesses lugares só se faz negócio. Não quero generalizar, deve ter uns 50 ou mais que fazem um bom trabalho, mas o resto, lá, só faz negócios. É preciso fazer reformas, política, fiscal, tributária, do código trabalhista. Mas não essas que estão aí, não desse jeito. Aqui no Brasil só as grandes corporações se dão bem, tudo favorece o monopólio. O Brasil só é bom para o atravessador. As favelas chegaram a uma situação de barbárie. O governo tenta, atua, mas os camaradas que fazem as leis amarram tudo. Nossas leis são anacrônicas. Temos uma porcaria de tributação, uma péssima qualidade social. É só especulação, eles artificializam a economia. E dá no que dá, como estamos vendo. Mas, no Brasil, não é o caso de culpar o governo. A sociedade é que é culpada, porque não quer pensar nisso.

FUTEPOCA - Como mudar esse círculo vicioso?
ZÉ DUMONT - O Brasil tem reservas, tem uma natureza esplêndida, tem condições de virar primeiro mundo. Somos mestiços, resultado de três raças cruzadas, essa é a nossa grande vantagem. Falta pensar, mudar os conceitos. Quando fomos apresentar o filme "Os Narradores de Javé" ao presidente Lula (que, aliás, é meu trabalho predileto), pude conversar bastante com a Dilma Rousseff, que na época era ministra de Minas e Energia. Daí eu perguntei pra ela: "-Por que não se investe em energia solar, em energia eólica? Se unirem a inteligência do caboclo com a tecnologia, resolvemos a seca e a fome no Nordeste". Ela disse que há um plano e coisa e tal. Mas é tão simples! Acho que não se investe porque vai contrariar muitos interesses. Só pode ser. Repito: o país existe em função dos grandes conglomerados.

FUTEPOCA - E o futebol? Você torce pra que time?
ZÉ DUMONT - Gosto muito de futebol, acompanho, mas, na verdade, não torço pra ninguém. Tenho simpatia por dois times: o Treze de Campina Grande, que era o time do meu pai, Severino, e, por incrível que pareça, o XV de Jaú (risos). Não me pergunte por que, mas, quando cheguei a São Paulo, no início dos anos 1970, o XV de Jaú tinha um time bom, enfrentava bem os da capital. Tinha um uniforme branco, bonito. E todo time do Nordeste que vem jogar aqui no Sul e Sudeste eu torço a favor (risos). Tem que ganhar! Acho que o futebol é necessário. Se não tiver isso, vai ter o que? Eu joguei muita pelada na minha vida. Hoje, com 58 anos, não jogo mais. Lá em João Pessoa, no bairro de Mandacaru, joguei pelo Vera Cruz, pelo Globo e pelo Atlético. E fui até registrado na Liga Amadora, pela Portuguesa de Cruz das Armas, só que joguei pouco lá. Eu era lateral-direito, depois passei pra ponta-direita. Nunca fui muito bom, mas tinha noção.

FUTEPOCA - Como você analisa a situação do futebol brasileiro?
ZÉ DUMONT - A principal vocação do Brasil é o esporte. Só que é tão manipulado, falta apoio, é uma decepção. Acho estranhíssimo ter uma emissora só com direito de transmissão de um campeonato. É um desperdício de dinheiro, prejudica os clubes. Eu estou fazendo novela para uma emissora, no momento, e prefiro não entrar nessa discussão, pra não dar o que falar. Se a questão é política, não me meto. Mas é grana que os clubes deixam de ganhar. Desperdício.

FUTEPOCA - E a seleção brasileira atual? O que acha?
ZÉ DUMONT - A seleção tá bem, tá em segundo lugar. A obrigação de dar Ibope é que é uma coisa chata. Tem que ganhar toda hora, pra dar Ibope. O Brasil vai se classificar, vai ganhar, temos Ronaldinho, Kaká, um monte de craques. Não dá mais pra achar que no mundo ninguém aprende nada, que a gente sempre vai ser o melhor. É complicado isso.

FUTEPOCA - Qual é um jogador que você admira?
ZÉ DUMONT - O Rogério Ceni. Além de craque, tem postura. Ele deu outra dimensão para o São Paulo, é o mesmo que o Zico foi para o Flamengo. E ainda chuta muito bem, como os atacantes de antigamente. Devia dar aula para os atacantes de hoje (risos). E gosto dele também como gente, pela sua postura. Mas eu vi muitos craques na vida, fui ver o Zico jogar, o Romário. O Pelé eu vi só uma vez, de cima de uma mangueira, atrás do estádio, contra o Botafogo da Paraíba. Foi aquele jogo pouco antes de ele marcar o milésimo gol. É um gênio, um Leonardo da Vinci. Ninguém prestou atenção no que ele disse lá no Maracanã, sobre as crianças, sobre a educação. Se tivessem ouvido, a situação não estava desse jeito.

FUTEPOCA - E um técnico?
ZÉ DUMONT - Gosto muito do Muricy, do Luxemburgo, do Felipão, do Mano Menezes. Eles falam e pronto, o cara tem que obedecer. Não gosto de técnico que fica de conversa mole.

FUTEPOCA - Bom, pra encerrar o papo, faltou falar de cachaça...
ZÉ DUMONT - É verdade. Nós sempre tivemos essa cultura boêmia. O Juscelino Kubitschek, nosso grande presidente, gostava da boêmia, de cantar. É muito legal beber uma coisinha, cantar, dançar. Nesse país era pra todo mundo amanhecer na beira da praia, tomando uma cervejinha. Hoje eu não bebo, por questão de saúde, mas sempre gostei de uma cervejinha de vez em quando. O que tem que ter é limite, é educação. Eu sou da seguinte opinião: libere e tribute. A pessoa pode usar o que quiser, mas tem que regulamentar. Se o camarada tá embriagado ou drogado e comete um crime, tem que ter agravante. Se ficar viciado, tem que saber que o Estado não vai gastar um tostão com ele, vai ter que se virar sozinho. Tem que fazer leis muito duras. A cultura boêmia é legal, não a violência. A pessoa podia sentar lá no bar, jogar papo fora, dar uma namoradinha, cantar, compartilhar suas experiências com os outros, conhecer os outros. Mas não: hoje o sujeito discute e briga, dança e briga, bebe e briga, depois pega qualquer um ou qualquer uma que vê na frente e sai, usa e descarta. É por isso que ninguém bebe vinho no bar. O vinho estimula a conversa, o pensamento, a convivência. Já a indústria de cerveja transformou tudo num propósito só: é cerveja, briga, futebol, briga, sexo, briga, discussão, briga. Acabou com a convivência. Esse valor da violência, na nossa sociedade, foi criado para vender armas. O bar é o grande ato politizador. Porque, se eu não escuto opinião, como vou mostrar a minha? O que é preciso é beber um pouquinho, brincar um pouquinho, dizer besteira um pouquinho. Sem exagero.