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Saiu na Envolverde, sobre a Copa do Mundo dos Sem-Teto...
Por Thessa Bos
Cidade do Cabo, 27/09/2006 – Na mesma praça da Cidade do Cabo em que Nelson Mandela fez seu primeiro discurso após deixar a prisão e onde foram realizados protestos contra o apartheid, nesta semana são disputados jogos de futebol da Copa Mundial dos Sem-Teto 2006. Cerca de 500 participantes de todo o mundo participam desde domingo e até sábado, da quarta edição deste torneio, que pretende oferecer muito mais do que emoção e ser uma vitrine de talentos deste esporte. Os organizadores esperam motivar os protagonistas a escaparem da vida precária que levam nas ruas, e por isso o lema do campeonato é “48 nações, um gol”.
A idéia desta competição surgiu durante a conferência anual de 2001 da Rede Internacional de Periódicos de Rua, com sede em Glasgow, na Escócia. Trata-se de publicações criadas para ajudar as pessoas sem teto, permitindo que fiquem com uma parte do dinheiro obtido com a venda dos diários. Harald Schmied, editor da publicação austríaca Megaphon, e Mel Young, co-fundador do The Big Issue Ecotland, buscavam uma forma de reunir pessoas sem teto e marginalizados da sociedade de diferentes partes do mundo, e encontraram a desculpa: o futebol. “É como uma linguagem universal”, disse Richard Ishmail, diretor-executivo do The Big Issue África do Sul, anfitrião do torneio deste ano. “O futebol mobiliza as pessoas. Lutar contra a falta de moradia é ligar-se à sociedade, formar equipes e trabalhar em conjunto. Disso se trata este esporte”, afirmou.
Certamente, foi o futebol que mobilizou a estrela da equipe da Namíbia, Ataka Jansen, na Copa de Edimburgo dos Sem-Teto de 2005. Após seu fracasso escolar, Jansen perambulou pelas ruas da cidade litorânea de Swakopmund roubando e furtando. Então, conheceu um vendedor da versão em seu país do The Big Issue e decidiu que iria vender jornais, até que, finalmente, chegou a participar do Mundial do ano passado. “Pouca gente tem a oportunidade de representar seu país. Me sinto incrivelmente orgulhoso”, acrescentou. A experiência vivida por Jansen em Edimburgo o levou a melhorar sua situação. “Eu queria melhorar minha vida, não queria mais ser o mesmo Ataka”, ressaltou.
Foi assim que disse adeus ao crime, de uma vez por todas, após voltar da Escócia e encontrar um trabalho como aprendiz em uma mecânica graças ao The Big Issue. “A Copa me deu um novo espírito para melhorar”, contou Jansen à IPS. Está experiência não é a única. Uma pesquisa feita depois da Copa de 2005 mostrou que 77% dos jogadores melhoraram suas vidas mudaram de várias formas após participarem da competição: encontraram trabalho, abandonaram as drogas e o álcool, reiniciaram os estudos e resolveram problemas de alojamento.
“Os treinamentos regulares contribuem para que os jogadores desenvolvam hábitos mais saudáveis. E vai além. Ao integrarem uma equipe aprendem a ser reponsáveis e disciplinados”, afirmou Mattieu Rukoro, coordenador de desenvolvimento social do The Big Issue Namíbia. O “aspecto lúdico” também é importante, acrescentou. “Viajara ao estrangeiro, fazer novos amigos e receber incentivo de milhares de pessoas leva à auto-estima dos jogadores. Estes rapazes sempre foram invisíveis e, de repente, são o centro das atenções”, acrescentou.
O caso de Angus Okanume é outra história com final feliz. Okanume nasceu na Nigéria e ainda adolescente se refugiou na Áustria por medo da perseguição religiosa. Sua vida teve um ponto de inflexão quando conseguiu um lugar na equipe dos sem-teto da Áustria, que venceu a Copa de 2003. A cobertura que a imprensa deu à equipe vencedora contribuiu para gerar oportunidades diversas para os jogadores. Para Okanume, isso significou poder aprender alemão e voltar a estudar, além de conseguir uma vaga no FC Graz, clube de futebol semi-profissional em uma das ligas regionais do país. “A Copa me motivou muito. Queria realmente mudar de vida”, disse Okanume no site da Copa Mundial da Internet.
Doze participantes da Copa 2005 subsistem graças ao futebol, seja como treinadores ou jogadores em equipes profissionais ou semi-profissionais. Jansen, capital da equipe da Namíbia em 2006, pode ser o próximo. Bem antes de partir para a África do Sul foi informado que o Civics, equipe que venceu o torneio da primeira liga desse país no ano passado, pode contratá-lo. “A Copa Mundial dos Sem-Teto é uma prova de que o esporte, futebol, no nosso caso, tem enorme potencial de criar oportunidades reais e duradouras”, disse Young, atual presidente do torneio.
A competição na Cidade do Cabo promete ser a melhor, com o dobro de países representantes em oportunidades anteriores. As 48 equipes participantes procedem dos mais diversos países, como Brasil, Afeganistão, Austrália, Estados Unidos, Itália e Ucrânia. No total, há 13 nações africanas representadas. Mais de 10 mil pessoas sem-teto participaram das eliminatórias ao torneio mundial nas ligas de futebol de rua. Mesmo aqueles que estão nas arquibancadas experimentam uma mudança em suas vidas.
“A Copa afeta a vida de muitos de nossos voluntários e espectadores que vêem os sem-teto de outra forma, muito depois de terminado o torneio”, disse Ishmail. Mas, ele também alertou para as conseqüências da Copa Mundial dos Sem-Teto na vida dos jogadores, lembrando que no último cão não há soluções rápidas para a falta de moradia e os problemas que representa: “sair da pobreza e da rua é um processo que tem seu tempo”.