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quarta-feira, setembro 01, 2010

Mais de 100 mil fiéis saúdam o centésimo ano do Corinthians

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Às 19h30 desta terça-feira, eu estava trabalhando. Enquanto eu, com a atenção brutalmente desconfigurada, fazia o bastante para manter meu ganha-pão, milhares de corintianos já estavam no Vale do Anhangabaú – 110 mil segundo sites de notícias. Há quem diga que o vale não recebeu tantas pessoas desde o histórico comício das Diretas Já, em 1984.

A comparação é absurda (é?), sem dúvida. E antes mesmo de chegar ao histórico Vale, ouço do escritório na Libero Badaró os primeiros ruídos da festa alvinegra. Da sacada dói prédio, se ouve a dicotomia da existência corintiana: da direita, vem o som de Ronaldo e os Impedidos, banda roqueira que animou o princípio da festa; da esquerda, o que se ouve é a Fiel Torcida Corintiana, ignorando a atração e gritando hinos em honra de sua maior paixão, que é também sua propriedade.

O Corinthians não é um clube com uma torcida, mas uma torcida que tem um clube. A maioria deve achar graça disso, dessa impossibilidade, ainda mais em tempos de economicismo, de falta de humanismo, de não assumido elitismo, de direitismo, enfim. Mas Corinthians, de nascença, é coisa de esquerda. De revolucionário anarquista espanhol. De comunista italiano. De operário de todas cores e tamanhos que decidiu montar um time para jogar futebol em 1910. Ano em que nasceu meu avô, José Benício dos Santos, alagoano que se radicou em São Paulo e na República Popular do Corinthians, para onde levou seus filhos. E onde minha mãe, Maria Neusa, fiel não praticante, encontrou meu pai, Manoel Ribeiro, mineiro, comunista de linha chinesa, poeta e corintiano.

Todos trabalhadores, como os que primeiro se reuniram na rua Cônego Martins, esquina com a José Paulino, onde hoje está o marco de fundação do clube. Foram no Bom Retiro e enfiaram goela baixo de São Paulo que um time de operários podia disputar e ganhar os torneios da época. Foram para a Zona Leste e mostraram que um bando de piões poderia construir um estádio (o companheiro Miguel conta que seu bisavô jogou no Corinthians nos anos 1920 e doou tijolos para a construção do Parque São Jorge) e brigar como gente grande (como se dinheiro fosse condicionante para amadurecer e crescer). Foram para o mundo todo nas costas dessa Fiel Torcida que é sua alma.

Os outros, ora, são os outros, rivais com maior ou menor graça. Acreditem, não precisamos de vocês para existir, talvez, quem sabe, da dissidência que habita a rua Turiasssu, já que as dualidades resumem melhor os detalhes da vida humana e dão melhores enredos de faroeste, como deixaram claro Sérgio Leone e John Ford.

O santista Xico Sá em crônica da Folha de S. Paulo resumiu bem, e aqui abro espaço para alguns parágrafos do mestre:

“No meio do espetáculo que é a juventude roqueira, um cavaleiro solitário, rosto só vincos como um Samuel Beckett dos pobres, ajeitou os poucos cabelos, pediu uma cerveja, grudou o nariz na TV que parecia uma caixa de fósforo, de tão pequena, e dali por diante não conseguia enxergar nem mesmo a Karine com suas pernas de oncinha.
Foi neste momento solene que o cronista que ronda a cidade pensou mais uma vez: como SP precisa do Corinthians em campo. O tio ficou hipnotizado por 90 minutos diante da volta do seu time.
E não se tratava de um torcedor barulhento. É um daqueles fundamentalistas silenciosos. Sabe aquele cara que celebra ou morre por dentro sem alterar as feições?
No máximo, ele mexia um pouco com a perna esquerda, como se ajudasse a bola a correr mais depressa para o gol. Coisa de quem manja da arte da sinuca.
Um sábio. Essa história do centenário sem Libertadores, vê-se pelos seus gestos, não significa nada. Não trabalha com obsessões nem morte a crédito. Só um pouco de dinheiro vivo.
O cavaleiro solitário me confessaria depois da partida: "Essa molecada não sabe o que é o Corinthians. Ser Corinthians não significa ganhar. Basta existir. Pronto"."

Coisa linda de se sentir e se ler. Mais linda ainda de se ver, às 21h e pouco, depois de uma cerveja e um sanduíche no bar da esquina. Eram milhares, milhões os alvinegros presentes à festa do Anhangabaú. Da janela do trampo já havia ouvido Ronaldo e seus Impedidos, que ora contavam com Badauí e Japinha (do CPM 22), Paulão (da gloriosa Banda das Velhas Virgens) e o auxílio do rapper X, todos corintianos da mais pura lavra. Passearam também pelo centro Paula Lima, Xis, Rappin Hood, Negra Li e Nuwance.

Mas o verdadeiro mestre de cerimônias foi outro, um que com a camisa 10 e uma canhota precisa trouxe o primeiro Campeonato Brasileiro, em 1990. José Ferreira Neto, seguidas cervejas na cabeça, resumiu no palco a grandeza dos pequenos corintianos. Para deixar claro o que só a vivência pode declamar, em certo momento uma galera conseguiu subir em cima de um dos telões instalados no Pacaembu, quer dizer, Anhangabaú (perdoe a falha nossa). Um cabra pede pra descer, um outro diz que vai atrapalhar. Neto não perde tempo: “Desce daí, porra!!”, grita o ídolo. Não sobra um em cima da bendita TV. Quer dizer, tem mais um. “Pega esse cara, tira ele daí! Sai, porra!”

À parte os ousados manguaças, pouco incidentes podem comprometer os mais de 100 mil corintianos. Uma briga começa perto de mim, mas não se alastra. O que amigos indicam ser membro do grupo da Rua São Jorge se desentendem com um cabra da Gaviões. A tensão passa rápido, já que os brigões pulam todos a cerca e se resolvem fora da aglomeração.

A noite passa e os cantores são Maria Cecília & Rodolfo, que ficam mais do que o esperado. Na maioria das músicas, a Fiel faz questão de mostrar quem é que manda puxando gritos corintianos. A comemoração conta ainda com Ronaldo, Roberto Carlos, Dentinho, Andrés Sanches. Todos foram saudados com gritos de “Timão eo!” e assemelhados. Neto até puxou o nome de Andrés Sanches, chamando-o de “maior presidente da história corintiana”. Silêncio na galera. Agora chame por Biro Biro, Casagrande, Ataliba, Marcelinho Carioca , e ouça a Fiel entrar no clima.

A brincadeira acabou com a apresentação da e Bateria Unificada das Torcidas corintianas. À meia-noite, Neto chama os jogadores do atual elenco que estão no palco para frente. “Vem pra cá, hoje a torcida não vai xingar ninguém, não! Vem Souza – ta precisando melhorar, hein Souza!”. Contagem regressiva para a meia-noite. O Corinthians começa a viver seu centésimo ano.

12 comentários:

ThiagoFC disse...

Parabéns ao Corinthians da gente, de todas as gentes, raças, credos, lugares.

Corinthians da Democracia, de Sócrates, Casagrande, Wladimir, Neco, Luisinho, Basílio, Baltazar, Gilmar, Neto, Tupãzinho, Marcelinho, Dida, Edílson, Vampeta, Tevez, Dentinho, Ronaldo, Bruno César e outros tantos milhões de maloqueiros, sofredores e felizes, graças da Deus!

É o time do povo, para o povo, prova viva que há algo mais importante que ser ou não ser o primeiro.

Anselmo disse...

pros rivais, restam piadas fáceis como "100 anos sem libertadores" e coisas assim.

fiquei impressionado ontem com a quantidade de gente no vale do anhangabaú. e até com a tranquilidade das pessoas (não, o problema não está no fato de serem corintianos, mas da concentração enorme). sai do centro antes das 21h, pq trabalho aqui. aliás, fiquei sem ter como chegar à consolação sem passar por massas de torcedores. felizmente uma carona alviverde me salvou.

agora, o marcelinho carioca tava com carros de som anunciando sua campanha.

falando em política: o lula trocou 100 mil corintianos pela promessa de um novo membro da tal nação alvinegra. foi visitar o neto recém nascido. curioso.

parabéns aos corintianos.

Olavo Soares disse...

Parabéns ao Corinthians.

Mas acho que o clube merecia ter outra pessoa que não o Neto comandando a sua festa.

O Corinthians tem inúmeros jogadores e pessoas mais gabaritados ("como pessoa" e "como atleta", pra usar o chavão) e poderia ter escolhido outro cidadão.

Nicolau disse...

O companheiro Miguel aqui do trampo está dizendo que a galera de ontem foi a terceira maior concentração de pessoas no Anhangabaú, perdendo para as Diretas Já e o Fora Collor. Coisa bonita de ver e participar. O pessoal pulava num hino da torcida e o chão literalmente tremia no Anhangabaú. Sobre o Neto, foi engraçadíssimo, hehe. Eu teria escolhido o Sócrates, provavelmente, mas o doutor não se bica com a atual diretoria. E quem estava na frente do palco era mais importante ontem que quem estava em cima dele, hehe.

Vinicius Souza disse...

Bonito de ver e ouvir também foram os rojões à meia noite. Ouvi os estouros em Santo Amaro (na zona sul mas nem tão ao sul quanto Campo Limpo, onde o amigo palmeirense Marquinhos também ouviu), mas tenho amigos que juram que a queima de fogos foi na zona norte, enquanto outros dizem que os estouros foram na zona oeste. Ainda nao encontrei ninguem da zona leste hoje, mas certamente não faltam coritianos em Itaquera, São miguel, Cidade Tiradentes...
O Corinthians é de São Paulo, mas hoje a cidade inteira é do Corinthians!

Rafael Serrao disse...

Camaradas, no meu ponto de vista não existia outra pessoa melhor que o Neto para fazer o papel de mestre de cerimônia. Sim, são vários os ex-jogadores que também mandariam bem, entretanto é o Neto que tem a cara e o linguajar do povo. Vejam o respeito que a torcida tem por ele, bastou um "sai daí porra" para que os marmanjos que estavam pendurados no equipamento de som descessem....

Nicolau disse...

Uns dois amigos estranharam o trecho em que digo que o Corinthians é de esquerda de nascença. Pois naõ digo sozinho, o Mauro Carrara diz também e com muito mais propriedade, hehe:

http://www.rodrigovianna.com.br/outras-palavras/muitos-times-possuem-grandes-torcidas-no-corinthians-e-a-torcida-que-tem-o-time.html#more-3230

Marcão disse...

Parabéns ao S.C. Corinthians Paulista, instituição histórica do nosso futebol. Não é por torcer para um rival que vou desmerecer a importância do clube de Parque São Jorge. Além do mais, minha "birra" tem como único e indisfarçável motivo o fato de o alvinegro paulistano (ainda) nadar de braçada no confronto com o meu time (22 vitórias a mais, contando o último confronto, no Pacaembu, que selou o tabu de três anos sem uma única vitória nossa). E é a força do Corinthians dentro de campo, vencedor de tantos títulos e partidas decisivas sobre o São Paulo, que instiga a rivalidade saudável - nada a ver com provocações bestas, arrogância ou violência pura e simples. É essa rivalidade saudável, construída em 75 anos de confronto entre os dois clubes, que me leva a desejar longa vida ao Corinthians, para, quem sabe, no centenário do São Paulo, daqui a um quarto de século, também possamos comemorar com a reversão do retrospecto contra o rival.

Abraços a todos os corintianos e boa festa.

Marcão disse...

Ps.: Parabéns, também, ao Noroeste de Bauru, simpático e tradicional clube do interior paulista, que comemora seu centenário exatamente hoje, e que retornará à elite do futebol estadual em 2011.

Fernando Romano Menezes disse...

Todos os comentaristas estão de parabéns. E parabéns ao Corinthians, lógico. 100 anos. Se é difícil para pessoas, imagine para instituições... pouquíssimas chegaram a um século de vida.

E falando em pessoas, creio que alguns comentários aqui chegaram perto do que eu vou falar, que é o seguinte: o Corinthiano é o maior patrimônio do clube. Não é esse estádio, sede, Pqe. S. Jorge, CT, etc. Nada disso.

É o ser humano que conta. 100 mil, 1 milhão, 30 milhões. Ou apenas um, torcendo solitário no sofá de casa. Longe ou perto, mas todos juntos e misturados.

Isso que o futebol tem de bonito! O fator humano, as paixões, a raça, o drible mágico que engana, o psicológico, a habilidade sempre acima da matéria, que decide em uma fração de segundo. Ali, dentro de campo, são 11 seres humanos contra 11. Nada mais importa. O que um clube tem, o que ganhou ou deixou de ganhar. Mano a mano. Fora dele, a massa que não joga, mas que ganha, perde, empata junto.

Sente.

Este é o verdadeiro patrimônio do Corinthians. O ser humano - Corinthiano. Contra todos os preconceitos de classe, de raça. O ser humano.

Sempre foi. Sempre será.

Parabéns, meu Timão!!!

Glauco disse...

Uma vez o Marcão me perguntou no saudoso bar do Vavá se já tinha escrito algum texto falando do título de um time rival, por conta da profissão. Confirmando que sim, ele perguntou como foi. Respondi que era até fácil, era só pensar nos amigos que torciam para esse time e imaginar sua felicidade. Assim, deixo os parabéns aos corintianos, aos amigos daqui Nicolau e Mauricio, aos leitores futepoquenses fieis como o Leandro e a tantos outros que fazem parte da comunidade desse blogue. Um brinde!

Maurício Ayer disse...

lindo o post, nivaldo. tô aqui, vendo o chico dormir, e imaginando que ele vai viver 103 anos para ver o bicentenário do timão.

e eu que imaginei que ia escrever um monte de coisas neste ano sobre o corinthians mal consegui respirar. o trabalho não enobrece o homem, o que enobrece são certos momentos em que se percebe pertencente a algo muito maior, como uma célula, infinitamente importante, mas não mais que uma célula. eis a nossa nobreza. corinthians: meu futebol, minha política, minha cachaça.