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terça-feira, abril 22, 2014

O apagão de água em São Paulo e a semântica

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“Mas não estamos melhor apenas porque choveu. Não ficamos dependendo apenas da chegada das chuvas. A ajuda do nosso povo foi fundamental, ele aderiu ao racionamento de forma decidida.”

O trecho acima é de um discurso de Fernando Henrique Cardoso, então presidente da República, anunciando o fim do racionamento de energia para março de 2002. Os grifos anteriores são para exemplificar que, à época, o consumidor de energia elétrica no Brasil foi obrigado a economizar seu consumo de energia elétrica e, caso não o fizesse, seria punido ao ter que pagar uma multa de 50% sobre o excesso do limite estabelecido.

Ontem, Geraldo Alckmin anunciou que o governo de São Paulo vai “estabelecer o ônus para quem gastar mais água". Diz notícia do Uol:

Alckmin e a água: nada de apagão, qualquer coisa, a culpa é de São Pedro
Segundo o governador, a partir de maio, os moradores da região metropolitana abastecidos pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) deverão ser multados se aumentarem o consumo de água. Para Alckmin, a medida vem se somar ao desconto de 30% para quem economizar ao menos 20%.

A medida é bastante semelhante a uma das principais adotadas pelo governo FHC à época da crise do apagão. Mas Alckmin é muito melhor em comunicação do que o ex-presidente e só em ato falho utilizaria a palavra “racionamento”. O jargão do governo paulista utiliza palavras como “rodízio” e a multa existe para evitar “desperdício” de água.

Estranha (só que não) a mídia tradicional utilizar o mesmo vocabulário do tucanato de São Paulo. Abaixo, você pode ver como duas manchetes, uma do G1 e outra do Uol compram fácil, fácil, a versão de que o governo quer evitar desperdício de água. Desnecessário listar situações em que existe aumento de consumo de água ou de outro bem e que não envolve necessariamente desperdício. O governador também deve saber, até porque o consumo do Palácio dos Bandeirantes cresceu 22% em janeiro, mês em que ficou evidente a existência da crise hídrica.



Por enquanto, aliás, sabe-se apenas que o “ônus” será de 30%, mas não se diz qual a média que será usada para se fazer o cálculo nem se ele abrange todo tipo de consumidor de água ou é restrito ao residencial. Nas páginas da Sabesp e do governo do estado, muito confete e pouca informação até a manhã desta terça.

Algo pouco discutido até agora são os prejuízos decorrentes do “racionamento voluntário (mas nem tanto)” de água em São Paulo. O do apagão de FHC custou R$ 27 bilhões ao consumidor de forma direta e R$ 18 bilhões ao Tesouro Nacional, e o crescimento do PIB caiu de 4,3% em 2000 para 1,3% em 2001. Quais seriam então os prejuízos para o estado em caso de restrições ao consumo de água?

De acordo com matéria do R7, o presidente da General Motors para a América do Sul, Jaime Ardila, diz que “um racionamento de água em São Paulo teria efeitos mais danosos” sobre a montadora do que de energia: “A situação está ficando difícil e um racionamento de água é um cenário para o qual não temos alternativa”.

Enquanto a crise se desenrola e depois de as ações da Sabesp terem experimentado uma queda superior à dos papeis da Petrobras, seguimos com o jogo de palavras. Quando interessa, a qualquer falha de fornecimento de energia é atribuída a palavra "apagão", estigmatizada pela crise de 2001/2002. Mas nunca se fala em "racionamento" de água "apagão" do sistema hídrico, justamente pela maldição que as palavras carregam. A diferença, sempre, é o destinatário.

Aguarda-se menos preocupação com a semântica e mais contato com a realidade.

domingo, fevereiro 07, 2010

Sobre enchentes nos dois lados do Atlântico

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Pouco tenho aparecido aqui no Futepoca, pois o mestrado aqui exige muito e futebol, só sei de ler as notícias depois de jogo, mesmo dos meus times São Paulo e Arsenal - piorado pelo fato de que a Premier Ligue não passa na TV aberta. (Se vocês quiserem encarar isso como desculpinha para eu não escrever sobre a derrota do São Paulo para o Santos tudo bem, estou preparada).

Em compensação, não paro de caçar notícias sobre São Paulo - a cidade. Tentar relacionar o conteúdo do curso, as experiências in loco e o que acontece aí desse lado do Atlântico é muito interessante, mas infelizmente tem sido desalentador. Não, pior. Desesperador.

A temporada de enchentes é, por óbvio, o que mais tem chamado a atenção. E uma série de informações que me chegaram nessa última semana fez com que eu ficasse com vontade de bater a cabeça na parede de raiva. Como não ia adiantar nada, resolvi escrever esse post.

Em primeiro lugar, vieram as declarações de gente do governo do estado de São Paulo dizendo mais besterias do que eu supunha ser possível. Elas foram sintetizadas nessa matéria da Isto É. Primeiro, em resposta a um relatório do Inpe alertando sobre o alto nível das represas de São Paulo, a Sabesp responde que, como não era possível prever o dia e a hora da chuva, não havia nada que pudesse ser feito. O companheiro Frédi já destacou essa bobagem.

Depois, imagino que em resposta à autora da matéria, o responsável direto pelo gerenciamento das barragens na região metropolitana da cidade de São Paulo, Hélio Castro, afirmou que “as chuvas foram excepcionais, mas não há garantias de que isso volte a ocorrer. Eu duvido que alguém sustente a afirmação de que essas chuvas excepcionais continuarão existindo”. Eu não sou especialista em mudanças climáticas, mas posso assegurar que todas as cidades grandes aqui da Europa estão se preparando para eventos climáticos mais extremos. Eu tenho a impressão de que elas não gastariam os milhões que vão gastar sem que o risco de fato exista. A resposta de Castro parece argumento de negacionista das mudanças ambientais. Feio!

A essas imbecilidades junta-se um seminário muito apropriado, organizado pelo meu curso, chamado "A Cidade Vulnerável". Três especialistas foram convidados para falar sobre a vulnerabilidade das cidades diante das... mudanças climáticas! E uma série de informações só confirmaram o que eu já intuía: com boa governança, as cidades sofrem consideravelmente menos com eventos extremos.

O caso de Londres é exemplar para nós, paulistanos. A cidade é bastante populosa - 7 milhões de pessoas - e também é inteirinha permeada por rios e córregos. Alex Nickson, gerente para adaptação às mudanças climáticas da prefeitura de Londres (na tradução da promoção), informou que por aqui nada menos do que 600 mil propriedades estão nas áreas alagáveis do Tâmisa e de seus afluentes. Tem enchente aqui? Tem, em média uma vez a cada dois anos. É grave? Bom, para os londrinos é o fim do mundo, mas para qualquer paulistano isso seria o paraíso para São Paulo. Morre gente? Acho que eu não preciso responder essa pergunta.

Mas o participante que mais chamou a minha atenção foi David Satterthwaite, pesquisador do International Institute for Environment and Development. Sua apresentação teve como título "Como se adaptar às mudanças climáticas com governos ineficazes". Ele faz parte de um time que estuda 16 cidades em países pobres, no que tange à adaptação - ou não - às mudanças climáticas. O Brasil não entra na lista, e inclusive Porto Alegre foi citada como um ótimo exemplo de cidade que consegue garantir acesso a àgua para todos.

Satterthwaite enfatizou que um sinal para saber se a cidade tem boa governança (conceito mais amplo que o de governo, é bom dizer) é ver quem são mais afetados por eventos extremos como secas inundações. Se todas as classes sociais são afetadas igualmente, a governança tende a ser boa. Afinal, porque diabos uma seca deixaria apenas os pobres sem água? E porque enchentes afetariam apenas as casas pobres localizadas em áreas de várzea?

O pesquisador disse, ainda, por que é tão difícil fazer com que os governos ajam em relação às catastrofes. Algumas das razões: falta de capacidade técnica; recusa de agir em bairros irregulares; dificuldade em convencer os governantes de que o quadro é sério; o fato de que a prevenção de uma tragédia não traz votos, já a recuperação depois de uma, sim.

Eu poderia discorrer por mais alguns parágrafos por questões interessantíssimas colocados nessa palestra, mas acho que eu já consegui ilustrar meu ponto. São Paulo sofre do todos os problemas citados acima. Mas esses problemas foram encontrados e listados em cidades pobres. E se tem uma coisa que São Paulo não é, é pobre. Tanto a cidade como o estado. Por que então a cada assunto abordado na palestra eu me contorcia na cadeira querendo gritar para o mundo que não, o problema não é falta de dinheiro?

Depois da palestra, tive a oportunidade de conversar com Satterthwaite durante um jantar. E quando eu lhe disse que São Paulo estava passando pelos mesmos problemas que ele havia apontado na palestra, sua primeira reação foi de desdém. Algo do tipo "é que você nunca viu ao vivo o que é uma enchente dessas numa cidade pobre". Quando eu disse que mais de 70 pessoas morreram por conta das chuvas, ele até se assustou. Nunca esperava que isso pudesse ocorrer no Brasil. Não por chute, mas porque ele trabalhou no Brasil já, conhece São Paulo, tinha contato direto com Paulo Teixeira durante a prefeitura da Marta. Cito uma frase. "Isso não deveria acontecer em São Paulo. A cidade tem especialistas, tem estrutura para evitar isso". E tem dinheiro.

Então por que isso não acontece? Por que as pessoas morrem? Evidente que a resposta mais geral é que nossos governantes paulistas não focam no que deveriam. Mas na prática isso se dá, por exemplo, em colocar em cargos importantes gente que não está preparada (para ser bem tucana em relação ao pessoal de gerenciamento das represas). Em privilegiar obras nas Marginais e tirar espaço das margens. Em concretar o rio. Em dizer que a culpa é de São Pedro. Em dizer que já combinou com Papai Noel que não vai chover mais. Em não ter um mapa atualizado de áreas de risco. Em negligenciar os casos de leptospirose depois das enchentes, provavelmente para mascarar as estatísticas.

Mais uma vez, eu poderia continuar por muitas linhas, mas não tenho nem vontade. O que acontece aí é tão triste que eu gostaria de poder simplesmente esquecer, para não entrar em crise. Por que eu estou aqui estudando para melhor entender São Paulo, mas cada pedacinho a mais que eu entendo, eu ganho mais um motivo para achar que temos cada vez menos saídas. Que as urnas nos ajudem, no final desse ano e depois em 2012.

(esse post ficou uma coisa meio terapia. Perdão pelo excesso de letrinhas)

ps: leio hoje, segunda 08/02, que os moradores do Jd. Romano foram reprimidos com gas pimenta durante manifestacao em frente a Prefeitura. Parece que as coisas ficam cada vez piores. A cada dia uma fronteira e ultrapassada, ate que todo mundo ache que todas as violencias que essas pessoas estao passando sao normais.

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Dona Sabesp, agora entendi

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Num texto em que alega-se que em outubro do ano passado o Inpe já alertava para o excessivo nível dos reservatórios, que transbordariam com as previsíveis chuvas do final/começo do ano (veja aqui), mais interessante é ver a resposta da assessoria de imprensa da Sabesp.


Questionada sobre o motivo de não ter vertido as águas dos reservatórios mesmo com a previsão de chuvas, a empresa disse: "A função primordial da represa é o abastecimento. Quando está com os níveis normais, não há por que descarregar a água, sob pena de afetarmos o abastecimento. Somente quando as chuvas se intensificam e o nível da represa ultrapassa o volume operacional é que há necessidade de iniciar o descarregamento. Durante o período de chuvas, é preciso manter um nível de água suficiente para garantir o abastecimento nos meses de estiagem."

A Sabesp ainda afirmou que, "no que se refere à previsibilidade de fenômenos naturais como as chuvas, na média, eles são cíclicos, porém, ao longo do tempo, têm comportamento aleatório, não podendo se afirmar - sem riscos - o comportamento futuro. Assim, a operação realizada foi aquela que representava o menor risco". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo."

Ahn, como? Não entendi nada. Se a competência para administrar água e esgoto for a mesma para escrever notas de resposta, está explicado o caos vivido nessa minha sofrida sampaulo.