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quinta-feira, setembro 24, 2015

O cúmulo do escárnio

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Tempos atrás fiz uma postagem intitulada "Escárnio", a partir da notícia de que uma rádio FM paulista iria dar 1.000 litros de água para o ouvinte que enviasse o melhor vídeo fazendo "dança da chuva", para resolver a falta de água no Estado. "Como observou um colega, o racionamento de água poderia ter uma solução bem simples: cortar o fornecimento para os 57% que votaram em Geraldo Alckmin e garantir o abastecimento normal para os restantes. Seria apenas justo", eu relatava, naquele post. Ou então, como bem observou alguém numa dessas redes (anti)sociais (leia aqui), "São Paulo elege o PSDB cinco vezes seguidas para o governo e agora fica sem água. Sabe o nome disso? Meritocracia". Exatamente.

Pois bem, hoje chego para trabalhar e fico sabendo, de orelhada, que o (des)governador Geraldo Alckmin, DO PSDB (é sempre bom frisar isso), ganhou um prêmio. Até aí, por mais grotesco que seja, não é nenhuma novidade. Todo político, de qualquer partido, vive recebendo homenagens, prêmios e honrarias - que, na maioria das vezes, não significam absolutamente nada. São apenas confetes, bajulações, troca ou retribuição de favores, isca para holofotes, propaganda eleitoral disfarçada etc etc etc. Nada de novo no front. Quando soube que a indicação para o prêmio foi feita pelo deputado federal paulista João Paulo Papa, DO PSDB, aí me pareceu ainda mais irrelevante, apenas rapapé de um subordinado.

Mas não. A coisa é séria. O tal prêmio será entregue pela Câmara dos Deputados, em Brasília, pela "gestão da crise hídrica" no Estado de São Paulo. Pausa para o espanto. Pausa para a perplexidade. Outra pausa, para a incredulidade. Alckmin será premiado pelo que faz (ou melhor, não faz; ou melhor ainda: nunca fez!) em relação à falta de água em São Paulo?!? É isso?!??? Se for, é o cúmulo do escárnio, elevado à enésima potência... Como se o governo tucano não tivesse sido advertido por um estudo há 6 (SEIS!) anos sobre a crise de desabastecimento e CAGADO pra isso, sem fazer absolutamente nada! Como se não tivesse sido exatamente Alckmin o governador a cortar R$ 900 milhões do orçamento da Sabesp!

E o prêmio dá a entender que a falta de água foi resolvida (!). Hoje mesmo recebi minha conta de água e lá está multa de R$ 73 por ter ultrapassado a meta de consumo imposta pela Sabesp. Detalhe: o gasto maior ocorreu porque tivemos que pagar alguém para consertar a caixa d'água, que teve que ser esvaziada completamente. E sabem por que fomos obrigados a fazer isso? Por causa dos mosquitos da dengue, que me levaram ao hospital em março deste ano, e que já infectaram quase 600 mil pessoas no Estado de São Paulo. Será que o Alckmin vai ganhar algum prêmio da área de saúde por esse recorde? Ou então prêmio de segurança pública, pelas chacinas de sua PM ou pelos maus tratos e fugas na Fundação Casa?

Claro que não. Mas, em resumo, fui multado pelo governo tucano porque ele me obriga a gastar dinheiro para combater um problema de saúde que deveria ser evitado por ele. E a falta de água continua: todo dia, às 14 horas, a água da rua seca lá em casa, e só retorna às 6 da manhã do dia seguinte. E ainda sou multado pela Sabesp! E o Alckmin ainda ganha um prêmio por isso! Pior, pior: ao comentar a premiação, o (des)governador DO PSDB afirmou, na maior cara larga do universo: "Modéstia à parte, é merecido". Vou repetir o que ele disse: "Modéstia à parte, é merecido". E é capaz de ter sido aplaudido (e, se bobear, pelos próprios repórteres). Ninguém bateu panela, ninguém mandou ele tomar no c*. Mundo, acabe.



terça-feira, abril 22, 2014

O apagão de água em São Paulo e a semântica

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“Mas não estamos melhor apenas porque choveu. Não ficamos dependendo apenas da chegada das chuvas. A ajuda do nosso povo foi fundamental, ele aderiu ao racionamento de forma decidida.”

O trecho acima é de um discurso de Fernando Henrique Cardoso, então presidente da República, anunciando o fim do racionamento de energia para março de 2002. Os grifos anteriores são para exemplificar que, à época, o consumidor de energia elétrica no Brasil foi obrigado a economizar seu consumo de energia elétrica e, caso não o fizesse, seria punido ao ter que pagar uma multa de 50% sobre o excesso do limite estabelecido.

Ontem, Geraldo Alckmin anunciou que o governo de São Paulo vai “estabelecer o ônus para quem gastar mais água". Diz notícia do Uol:

Alckmin e a água: nada de apagão, qualquer coisa, a culpa é de São Pedro
Segundo o governador, a partir de maio, os moradores da região metropolitana abastecidos pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) deverão ser multados se aumentarem o consumo de água. Para Alckmin, a medida vem se somar ao desconto de 30% para quem economizar ao menos 20%.

A medida é bastante semelhante a uma das principais adotadas pelo governo FHC à época da crise do apagão. Mas Alckmin é muito melhor em comunicação do que o ex-presidente e só em ato falho utilizaria a palavra “racionamento”. O jargão do governo paulista utiliza palavras como “rodízio” e a multa existe para evitar “desperdício” de água.

Estranha (só que não) a mídia tradicional utilizar o mesmo vocabulário do tucanato de São Paulo. Abaixo, você pode ver como duas manchetes, uma do G1 e outra do Uol compram fácil, fácil, a versão de que o governo quer evitar desperdício de água. Desnecessário listar situações em que existe aumento de consumo de água ou de outro bem e que não envolve necessariamente desperdício. O governador também deve saber, até porque o consumo do Palácio dos Bandeirantes cresceu 22% em janeiro, mês em que ficou evidente a existência da crise hídrica.



Por enquanto, aliás, sabe-se apenas que o “ônus” será de 30%, mas não se diz qual a média que será usada para se fazer o cálculo nem se ele abrange todo tipo de consumidor de água ou é restrito ao residencial. Nas páginas da Sabesp e do governo do estado, muito confete e pouca informação até a manhã desta terça.

Algo pouco discutido até agora são os prejuízos decorrentes do “racionamento voluntário (mas nem tanto)” de água em São Paulo. O do apagão de FHC custou R$ 27 bilhões ao consumidor de forma direta e R$ 18 bilhões ao Tesouro Nacional, e o crescimento do PIB caiu de 4,3% em 2000 para 1,3% em 2001. Quais seriam então os prejuízos para o estado em caso de restrições ao consumo de água?

De acordo com matéria do R7, o presidente da General Motors para a América do Sul, Jaime Ardila, diz que “um racionamento de água em São Paulo teria efeitos mais danosos” sobre a montadora do que de energia: “A situação está ficando difícil e um racionamento de água é um cenário para o qual não temos alternativa”.

Enquanto a crise se desenrola e depois de as ações da Sabesp terem experimentado uma queda superior à dos papeis da Petrobras, seguimos com o jogo de palavras. Quando interessa, a qualquer falha de fornecimento de energia é atribuída a palavra "apagão", estigmatizada pela crise de 2001/2002. Mas nunca se fala em "racionamento" de água "apagão" do sistema hídrico, justamente pela maldição que as palavras carregam. A diferença, sempre, é o destinatário.

Aguarda-se menos preocupação com a semântica e mais contato com a realidade.