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Por Moriti Neto
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Fazendeiro e cavalo felizes da vida com o poder regenerativo da cerveja |
Mais sobre equinos manguaças:
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Fazendeiro e cavalo felizes da vida com o poder regenerativo da cerveja |
Mais sobre equinos manguaças:
Outro dia citei aqui um tal de "Coice de mula", policial que matou um jornalista. Pois vejam a marca de cerveja que existiu no século passado em minha cidade natal:
Quatro da tarde. Sábado. Bar da Graça. Cinco elementos jogam baralho.
- Ô, Valdir, para de tomar conhaque! Vai passar mal.
- Vou nada, rapaz. Aqui é só fortaleza.
Alguém surge com um prato de esfihas, não se sabe de onde. Oferecem, mas declino. A dona do bar aparece com mais uma garrafa de Dreher. Eles alternam com cerveja.
- Sabe que uma vez tomei um porre desse negócio? Quase morri.
- Foi numa pescaria, não foi?
- Não, eu tava no sítio do meu tio. Bebi três garrafas desse conhaque e fiquei passando mal. Não conseguia botar pra fora.
- E aí? Foi parar no hospital?
- Não, eu fui tentar subir no cavalo e caí. Ele me deu um coice na barriga e eu despejei toda a bebida pra fora.
Risadas gerais. Passa um cachorro e jogam um resto de esfiha pra ele. Peço a conta.
No livro "Primeiras estórias", do obrigatório escritor João Guimarães Rosa, um conto me chamou a atenção: "O cavalo que bebia cerveja". Conta a história de um menino que observa um italiano estranho, recém chegado à uma cidadezinha da caatinga nordestina. O homem cercou sua chácara de árvores e mantinha a casa sempre fechada. E só gastava dinheiro com cerveja, que mandava o menino buscar. "-Irivalini, bisonha outra garrafa, é para o cavalo...", pedia. A polícia desconfia do gringo e faz diversas batidas na casa, muitas vezes tento o menino, que se chamava Reivalino, como informante. Numa dessas, questionado sobre o mistério das cervejas, desafiou o delegado: "-Lei, quer ver?".
Segue o Guimarães: "Saiu, para surgir com um cesto com as garrafas cheias, e uma gamela, nela despejou tudo, às espumas. Me mandou buscar o cavalo: o alazão canela-clara, bela face. O qual - era de se dar a fé? - já avançou, avispado, de atreitas orelhas, arredondando as ventas, se lambendo: e grosso bebeu o rumor daquilo, gostado, até o fundo; a gente vendo que ele já era manhudo, cevado naquilo! Quando era que tinha sido ensinado, possível? Pois, o cavalo ainda queria mais e mais cerveja". Mais tarde, descobre-se que a maior parte da bebida ia, na verdade, para o irmão do italiano, que ficava trancado em um quarto. Ferido de guerra, esse irmão "não tinha cara", ou, no dizer de Guimarães Rosa, só tinha "um buracão, enorme, cicatrizado antigo, medonho, sem nariz, sem faces". Desnorteado pela morte desse irmão, o italiano convida Reivalino para acabar com as cervejas, antes de partir do local para sempre. "-Irivalini...que esta vida...bisonha. Caspité?". "Aos copos, aos vites e trintas, eu ia por aquela cerveja, toda. Sereno, ele me pediu para levar comigo, no ir-m'embora, o cavalo - alazão bebedor". Para saber o final, recomendo a leitura. É bonito que dói.