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terça-feira, novembro 18, 2008

A estátua se protegeu ou foi você que bebeu?

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Um belo dia eu estava passando de ônibus pela Praça Princesa Isabel, aqui em São Paulo, e fiquei com a impressão de que havia um colete salva-vidas na gigantesca estátua do Duque de Caxias. Meio zonzo, atribuí o "delírio" à ressaca do momento - ou melhor, à bebedeira da madrugada imediatamente anterior. O ônibus acelerou e deixou a praça para trás, sem que eu conseguisse ver a estátua novamente. Mas notei que uma menina, ao meu lado, tinha feito uma foto com o celular. E mostrava para uma amiga a imagem da estátua com o tal colete (foto acima). Pensei: "-Meu Deus, isso é sério! Mas como é que conseguiram fazer esse negócio? E a Prefeitura? Permitiu na boa?". Dúvidas que aumentaram ainda mais minha sensação de tontura proporcionada pelo álcool em fuga e o sacolejo do coletivo.

Pois bem, depois de ver outra estátua com colete, a do Anhangüera, na Avenida Paulista (à esquerda), resolvi pesquisar na internet. E descobri que isso é mais uma idéia do artista plástico paulistano Eduardo Srur, o mesmo que, no início do ano, colocou 20 garrafas PET gigantes nas margens do Rio Tietê. Dessa vez, com a nova intervenção urbana, intitulada "Sobrevivência", o artista resolveu colocar 25 bóias em 16 monumentos. "Quero fazer as pessoas pensarem em resgatar o patrimônio público", resumiu Srur. "Mas não só isso. Ao mesmo tempo, é preciso salvar a memória e os próprios sentidos de quem passa, anestesiado, pelas ruas", acrescentou. De fato, se o colete não estivesse lá no Duque de Caxias, eu teria passado completamente "anestesiado" pela Praça Princesa Isabel...

O projeto, bancado pelo Centro Cultural Banco do Brasil, poderá ser visto até o dia 14 de dezembro. O maior colete, com 6 metros de altura, é o que está na estátua do Borba Gato (à direita), obra que representa o que há de melhor em "bom gosto" na capital paulista - e que quase se tornou uma das maravilhas do mundo. Todos os coletes são feitos de espuma, alumínio e náilon. Mas a intervenção de Srur teve uma prévia em maio de 2007, durante a Virada Cultural, quando conseguiu instalar os tais coletes no Monumento a Carlos Gomes, conjunto de obras de Luiz Brizzollara, na Praça Ramos de Azevedo. "Para conseguir a autorização de todos os órgãos, precisei mostrar tanto o conceito do projeto quanto a minha pesquisa de arte no espaço público", contou o artista plástico.

Depois do aval do Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) e da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU), o artista convenceu os herdeiros dos direitos das obras. "Felizmente, não tive nenhum problema", comemorou. O curioso é que um mês depois, em junho de 2007, o Museu de História Natural de Denver, nos Estados Unidos, usou a mesma idéia para promover sua exposição sobre o navio naufragado Titanic (fotos acima). Será que alguém plagiou alguém ou foi mera coincidência? Sei lá, sem cerveja, volto a ficar meio zonzo...

Bom, mas o fato é que, no momento, as estátuas "protegidas" são as seguintes:

Anhangüera, na frente do Parque Trianon, na Avenida Paulista
Armando de Salles Oliveira, Praça Reinaldo Porchat
Borba Gato, Praça Augusto Tortorello de Araujo
Camões, Praça Dom José Gaspar
Cristóforo Colombo, Praça Pan-americana
Ibrahim Nobre - O Tributo, Parque do Ibirapuera
José Bonifácio de Andrada e Silva, Praça do Patriarca
Luiz Pereira Barreto, Praça Marechal Deodoro
Monumento a Carlos Gomes, Praça Ramos de Azevedo
Monumento à Independência, Parque da Independência
Monumento a Ramos de Azevedo, Praça Ramos
Monumento ao Duque de Caxias, Praça Princesa Isabel
Rui Barbosa, Praça Ramos de Azevedo
San Martin, Praça General San Martin
Semeador, Praça Apecatu, no Alto de Pinheiros
Vitória, na Avenida Santos Dumont


E como eu já quebrei duas costelas, por favor, arranjem um colete desses pra mim também! Que tá na hora de eu voltar pro buteco.

Monumento a Carlos Gomes, na Praça Ramos, em maio de 2007

sábado, junho 28, 2008

Medos privados em espaços públicos

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O dia de São Pedro é hoje, domingo, 29 de junho. Mas mesmo não sendo o seu dia, ontem o santo deu ensejo a uma bela festinha junina aqui no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Mais importante que a precisão de data, todos sabem, é a festa, que aconteceu na João Elias Saada, uma ruazinha de uma quadra, muito simpática.

A festinha eu descobri por acaso. Moro perto, e passei no Cu do Padre (tradicional bar que fica nos fundos da igreja de Pinheiros), mas não tinha dinheiro na carteira, e o bar não aceita cartão. Então segui para o Bar do Seu Arthur, e no caminho topei com os festejos e parei para ver.

Surpresa: um segurança me perguntou se eu era convidado da festa. Foi aí que reparei no esquema, puseram uns lençóis coloridos pendurados no canto da rua pra criar algo como uma "cerquinha". Respondi ao tipo que não era convidado, mas também não perdi muito tempo, enquanto o tipo estava muito preocupado em me convencer de minha impertiência, fui entrando. Acabei encontrando uma velha amiga, a Ludmila, e batemos um bom papo. Já estávamos pra sair, quando novamente o tipo me abordou, com a mesma pergunta; "o senhor é convidado da festa"? Repeti que não, já meio sem paciência, e expliquei ao moço que a rua é pública e que ele não tem nada que me perguntar o que quer que seja.

Diante da minha insistência em trocar uns últimos dedos de prosa com minha amiga, ele foi chamar o seu patrão temporário, aquele que o contratou pra infringir a lei. Apareceu o tipo de classe-média, visual meio alternativo, com barbicha e cabelão comprido, que provavelmente freqüenta forró e joga capoeira. Deve apoiar a causa ecológica e se indignar pelos absurdos que cometem os políticos e grandes corporações com os excluídos do mundo e com o nosso planeta. Pois bem, esse tipo veio me dizer que a festa era aberta a todos, mas que eles pediam que, de sua própria consciência (foi esse o termo), as pessoas contribuíssem com dez reais para realizar aquela festa linda.

A essa altura, minha amiga, que é socióloga, já estava indignada, e junto com o seu grupinho de amigos percebemos que a cerquinha de lençóis era justamente para que o pessoal pobre que freqüenta os bares no Largo da Batata não visse e se animasse de entrar na festinha. Sabe lá o que eles poderiam fazer?

Vi que era absolutamente necessário explicar ao "organizador" desse "festejo comunitário" com laranjas. Contei pra ele que não ia tirar nenhum centavo do bolso, e que nem ele, nem o segurança, nem ninguém ia me impedir de passar por aquela rua e que se eu decidisse parar e ficar o resto da noite assistindo ao trio de forró, eu ficaria, sem que isso representasse uma afronta a ninguém. Bom, o tipo estava tenso, temia que eu chamasse a polícia, sei lá, perguntou se eu queria confusão. Saquei mais laranjas e expliquei que não, não queria confusão, só queria passar por aquela rua, e que as minhas razões para escolher aquela e não outra não estavam em discussão.

O argumento definitivo pra ele era mesmo a minha consciência. Eu talvez devesse ter continuado dizendo que mesmo que ele fosse um padre (era quase) não poderia me impedir de etc. etc. etc.

Parece que as últimas décadas (ou mais, não sei dimensionar) formaram uma noção muito peculiar de "festa comunitária" entre a classe média paulistana (que me perdoem a generalização, mas acho que o fenômeno é de classe, no caso, a minha classe), em que é imprescindível um personal meganha para vigiar um espaço público e impedir a (pergiosíssima) livre circulação das pessoas. E isso tudo com as melhores das melhores intenções no coração.

PS: o título é do cineasta francês Alain Resnais, mas foi inspirado em sugestão de minha amiga Helena Hypolito.