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quinta-feira, outubro 18, 2007

Vontade assustadora de beber (mais ainda)

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Estive relendo "Cartas na rua", primeiro romance do Charles Bukowski (foto). Ele escreveu em menos de um mês, totalmente bêbado, logo após abandonar uma carreira de mais de dez anos nos Correios. O personagem principal, Henry Chinaski, tem a mesma profissão e convive com chefes sádicos, pessoas piradas, mau humor, empregos nauseantes, relacionamentos sem futuro, falta de dinheiro, bebedeira, ressaca, tédio, desamparo, tontura e constatação de que nada nesse mundo faz muito sentido. Enfim, mais ou menos isso aí mesmo que a vida nos apresenta cotidianamente. Finda a leitura, dá uma vontade assustadora de beber (mais ainda). Para quem não conhece, segue um trecho:

Eu estava de ressaca de novo, e era uma outra onda de calor, uma semana com dias de 32 graus. A bebedeira continuava cada noite; nas madrugadas e durante os dias havia o chefe Stone e a impossibilidade de tudo. Alguns caras usavam capacete e protetores como se estivessem sob o sol africano, mas eu, eu ficava na mesma, chovesse ou fizesse sol - roupas esmolambadas e sapatos tão velhos que os pregos espetavam os pés.
Pus pedaços de papelão nos sapatos. Mas só resolveu temporariamente - logo os pregos estavam me espetando os calcanhares de novo. O uísque e a cerveja evaporavam de mim, escorriam das axilas, e eu ia andando com minha carga nas costas como se carregasse uma cruz, entregando revistas, entregando milhares de cartas, cambaleando, derretendo debaixo do sol.
Alguma mulher gritou:
- CARTEIRO! CARTEIRO! ESSA CARTA NAO É DAQUI!
Olhei e ela estava um quarteirão morro abaixo e eu já estava atrasado.
- Olhe, dona, ponha a carta do lado de fora. Nós pegamos amanhã!
- NÃO! NÃO! QUERO QUE A LEVE AGORA!
Ela sacudia o troço no ar.
- Dona!
- VENHA BUSCAR! NÃO É DAQUI!
Oh, meu Deus. Deixei cair o malote. Aí peguei meu quepe e atirei-o na grama. Rolou ate a rua. Não liguei; desci em direção à mulher. Desci meio quarteirão e arranquei a droga da carta das suas mãos, aí virei e voltei. Daria um anúncio! Correio de quarta categoria. Algo como a venda de roupas pela metade do preço. Catei meu quepe e pus na cabeça.
Pus o malote de volta no ombro esquerdo e recomecei. 32 graus.

3 comentários:

Nicolau disse...

Bukowski é muito loco. A sensação que ele passa é bem essa, de que a vida cotidiana, o trabalho, as instituições, nada faz sentido. Mas a bebedeira dele, a farra, a putanheira, tudo tem um tom meio triste, meio sem esperança. O Chinaski passa o tempo todo indo e vindo entre um mundo e outro, e sempre, sempre fodido. Tem um conto dele chamado O Espremedor de Colhões que é genial. Alguém já leu?

Anônimo disse...

eu acho um mala.

fredi disse...

Marcão, de verdade, Bukowski dá para encarar, de verdade, também bêbado.

Acho que se repete muito. Há coisas belas como o conto que gerou o filme Crônica de uma amor Louco, com a maravilhosa Ornela Mutti.

Confesso que li muito à época em que me interessei por literatura "beat", embora saiba que ele não era da turma do Kerouac.

Resumindo, tem coisas legais, mas para mim repete-se muito. É bebedeira, vômito, trepada etc. Nada contra mas às vezes cansa, como sua literatura.