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Muricy e Ceni: sucesso no São Paulo |
Se existe um ano decisivo para dois dos maiores ídolos do São Paulo (e que ainda trabalham juntos no clube), este foi 1992. E o curioso é que a ascensão de ambos contou com a ajuda do "
Imponderável de Almeida", personagem criado pelo jornalista e teatrólogo Nélson Rodrigues, em suas crônicas esportivas, quando queria narrar algo inesperado ou inimaginável - personagem que também foi chamado muitas vezes por ele de "
Sobrenatural de Almeida". Bom, seja o que for, o que importa nessa história é que, no fim de 1991, nem Muricy Ramalho nem Rogério Ceni enxergavam alguma remota chance de, a curto ou médio prazo, emplacarem carreiras profissionais significativas como treinador e goleiro, respectivamente.
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Muricy no Atibaiense (1988) |
Muricy havia se aposentado precocemente como jogador em 1985, aos 30 anos, no América-RJ, por conta de seguidas e graves contusões no joelho. Tornou-se dono de uma rede de farmácias com seus irmãos mas, em 1988, aceitou o convite do modesto
Grêmio Esportivo Atibaiense para ganhar mais alguns trocos como jogador disputando a mambembe 3ª Divisão do Campeonato Paulista. Não deu: depois de dois jogos os combalidos joelhos o obrigaram a abandonar de vez a ideia de jogar bola. Porém, o Atibaiense insistiu em contar com sua ajuda e, para justificar os dois salários mínimos que recebia, Muricy aceitou assumir o comando do time (de amadores) quando seu técnico foi demitido. Foram apenas 10 jogos. Mas ele pegou gosto...
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Oscar e Moraci Sant'Anna (1991) |
Dois anos depois, faria um curso de treinador no Puebla, do México, onde havia jogado entre 1979 e 1984. No ano seguinte, conseguiu cavar uma vaguinha como treinador nas categorias de base do São Paulo, clube onde havia se formado e despontado como jogador. Mas o emprego não dava qualquer garantia de prosseguimento futuro no time profissional. Prova disso é que, justamente em 1991, outro ex-jogador do clube, o zagueiro Oscar Bernardi (titular da seleção brasileira na Copa da Espanha), foi contratado para ser o auxiliar do técnico Telê Santana. E o combinado era que Oscar assumiria o comando assim que Telê saísse, pois o treinador já falava em aposentadoria. Só que aí apareceu o "Imponderável": Telê começou a ganhar tudo e (lógico) não quis mais sair.
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Muricy como auxiliar de Telê: acaso |
Depois de treinar o time júnior do São Paulo na Copinha de 1992, Oscar percebeu que seria auxiliar ainda por muito tempo. E se irritou: “Se houvesse uma garantia, por escrito, de que daqui a seis meses eu seria o técnico, eu ficaria”, afirmou ao jornal Notícias Populares, em fevereiro. “Acho melhor desligar-me. Ficar no São Paulo só para dizer que estou no São Paulo, eu não quero.” O jornal ironizou, dizendo que Oscar saiu do clube "chiando" e que "passaram o conto do auxiliar-técnico nele" (reprodução abaixo). A verdade é que a reclamação do ex-zagueiro não tinha o menor fundamento: Telê, que já havia ganho o Brasileiro e o Paulista em 1991, seria bi-paulista, bi da Libertadores e bi do Mundial entre 1992 e 1993, entre outros títulos.
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Oscar Bernardi no Cruzeiro (1997) |
Surpresa pela atitude de Oscar, a diretoria do São Paulo improvisou Muricy, das categorias de base, como auxiliar de Telê. E foi assim, por acaso, que aquele que ganharia quatro títulos pelo clube (Conmebol em 1994 e Brasileirão de 2006, 2007 e 2008) e que o dirige atualmente ganhou sua grande chance para pavimentar uma carreira como treinador profissional. Fora o São Paulo, Muricy ganhou títulos na China, em Pernambuco, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, além de conquistar uma Libertadores com o Santos, em 2011. E Oscar? Bem, o ex-zagueiro deixou o posto de auxiliar no São Paulo para treinar a Inter de Limeira e o Guarani. Chegou a treinar o Cruzeiro. Nunca ganhou nada. E encerrou a aventura como técnico em 1998.
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Alexandre: sucessor natural de Zetti |
Assim como a surpreendente saída de Oscar e a inesperada efetivação de Muricy como auxiliar-técnico no São Paulo, a segunda parte dessa história também ocorreu em 1992. Na época, o paranaense Rogério Ceni, que havia completado 19 anos em janeiro, morava em um alojamento no estádio do Morumbio e ocupava a posição de 4º goleiro do clube, sem qualquer esperança de, tão cedo, treinar com os profissionais. Zetti era o titular absoluto, com o pernambucano Gilberto como reserva. E o 3º goleiro era a jovem promessa Alexandre, de 20 anos, que muitos diziam ter vaga assegurada no time profissional, já naquela temporada de 1992. Essa certeza veio na Libertadores, a primeira conquistada pelo São Paulo.
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Marilene e a medalha da Libertadores |
No primeiro jogo contra o Nacional do Uruguai, em Montevidéu, pelas oitavas-de-final, Zetti foi expulso no segundo tempo. Alexandre entrou e segurou a apertada vitória por 1 a 0. No Morumbi, na partida de volta, o jovem goleiro foi titular e teve uma elogiada atuação na vitória por 2 a 0, classificando o São Paulo para as quartas-de-final. Depois de levantar o troféu, com Alexandre no banco de reservas, Zetti foi sondado por um clube europeu - e a diretoria sãopaulina estava prestes a fechar o negócio. "O Zetti ia mudar para um time da Alemanha, não me recordo o nome, em 92. Estava tudo certo. O Alexandre seria titular", contou Marilene Escobar, mãe de Alexandre, ao Globo Esporte, em 2012. Aí, o "Imponderável de Almeida" deu as caras outra vez - dessa vez, de forma cruel.
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Rogério Ceni campeão no Japão (1993) |
No dia 18 de julho de 1992, um mês e um dia após conquistar a Libertadores pelo São Paulo, Alexandre, que tinha acabado de ficar noivo e de comprar um carro (sinal de que a a venda de Zetti e ascensão do jovem ao time titular de Telê pode mesmo ter algum fundo de verdade) foi a um churrasco com alguns jogadores do clube na capital paulista. Na volta, sozinho, bateu o veículo em uma mureta na rodovia Castello Branco. E morreu na hora. "Alexandre era muito melhor do que eu. Velocidade incrível de movimentos, excelente chute. Telê Santana adorava! (...) Minha carreira, com certeza, seria completamente diferente caso Alexandre não tivesse partido. Ele era apenas um ano mais velho do que eu. Ocuparia a sua posição por muito tempo. Quem sabe até hoje", reconhece Rogério Ceni, no livro "Maioridade Penal – 18 anos de histórias inéditas da marca da cal".
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Notícia da morte do jovem goleiro: foi socorrido com vida, mas não resistiu aos ferimentos |
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Ceni e Muricy no São Paulo (1996) |
De acordo com a mãe de Alexandre, sua morte trágica fez com que o São Paulo desistisse de vender Zetti. No ano seguinte, Rogério Ceni estreou no time profissional, em uma excursão à Espanha. E garantiu seu posto no banco de reservas nas conquistas da Libertadores e do Mundial de 1993. No ano seguinte, sua trajetória começaria a se confundir com a de Muricy Ramalho. Como auxiliar de Telê, o jovem técnico foi incumbido de comandar o "Expressinho" do Tricolor, um "catado" de reservas e de atletas da base que disputava as competições que o time principal, por conflito de datas, não podia disputar. E foi com Rogério no gol que Muricy ganhou seu primeiro troféu, da Copa Conmebol.
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Rogério Ceni comemora seu 1º gol |
No início de 1996, outra fatalidade: Telê sofreu uma isquemia e se afastou definitivamente do futebol. Mais uma vez, sem esperar, Muricy acabou como técnico, de fato, do São Paulo. Depois de um curto período de volta ao posto de auxiliar, no Brasileirão daquele ano, quando o time foi comandado por Carlos Alberto Parreira, Muricy tornou-se técnico efetivo do São Paulo. E iniciou a temporada de 1997 com Rogério Ceni como titular, após a venda de Zetti. Ali, o técnico tomou uma atitude ousada: como o goleiro era o que mais treinava cobrança de faltas nos treinos, permitiu que ele fosse o cobrador oficial nas partidas. Em 15 de fevereiro de 1997, sob o comando de Muricy, Ceni marcou de falta o primeiro dos 114 gols que marcou até hoje, como maior goleiro-artilheiro do mundo.
Dá a impressão, portanto, que técnico e goleiro estavam fadados a fazer história no São Paulo. Pelo menos pela "forcinha" que o "Imponderável - ou Sobrenatural - de Almeida" deu para que assim fosse, naquele fatídico ano de 1992...