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terça-feira, fevereiro 19, 2013

Petição contra Renan sem cobrar reforma política é perfumaria

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Figura do fim de semana por conta do lançamento de seu novo partido (que, pelo jeito, quer tudo menos ser chamado de partido, coisa suja, eca, nojeira de democracia), Marina Silva teve divulgada (ou forjada, não consegui confirmar) nesta sexta por uma fanpage de apoiadores no Facebook frase sua sobre um tema que encheu a timeline de muita gente nesta e em outras redes sociais. ‎Teria dito a ex-senadora: "Nunca tivemos tanta liberdade, mas nunca nos sentimos tão impotentes para usar esta liberdade para mudar a realidade das coisas. Milhões de assinaturas coletadas contra Renan Calheiros não sensibilizaram o Congresso".

De fato, já são mais de 1,5 milhão de assinaturas on-line na petição. Recebi uma penca de pedidos sobre o tema e, talvez por conta da quantidade razoável de cerveja ingerida durante o Carnaval, atrasei-me em comentar: sou contra. Não porque goste do senador alagoano, homem de direita, ligado a oligarquias e que, como a imensa maioria de seu partido, faz o que for necessário para manter seu status atual dentro de qualquer governo e qualquer conjuntura política e social. Mas pergunto aos autores e a Marina: tirar Renan resolve o que?

O PMDB tem 20 senadores eleitos pelo povo, o que dá um quarto da Câmara Alta. Neste texto, o mestrando em filosofia da USP Antonio David chama o partido de “direita fisiológica”, definição que parece interessante. É direita ao ser conservador, sem interesse nenhum em alterar uma estrutura social que favorece seus membros. E é fisiológico porque não tem uma agenda clara a propor – como tem o PSDB, defensor do liberalismo econômico.

Essa direita fisiológica, no entanto, vai muito além do PMDB. Partidos como PR, PTB e PP se pautam já há um bom tempo pela busca do melhor acordo para manter cargos e acesso ao poder. Se colocarmos o recém-nascido PSD, definido por seu patrono Gilberto Kassab como “nem de direita, nem de esquerda, nem de centro”, em frase que já entrou na antologia política nacional, temos 38 senadores deste segmento sem agenda além da manutenção de um status quo que o mantenha.

Pensemos pois no governo Dilma. Se juntar PT (12), PSB (4), PDT (5, entre eles o adversário de Calheiros na eleição, Pedro Taques) e PCdoB (2), partidos que podemos chamar de esquerda, com óbvia variação de tons e inclinações, temos 23. Pode jogar o representante do Psol, que antes votaria em dez tucanos do que elegeria um petista, e ainda estamos com problemas.

Pegue então o outro lado da moeda: junte PSDB (12) e DEM (4), a aliança que, junto com o não representado PPS, defende com entusiasmo também variável as ideias de Milton Friedman e é bancada pela aliança hoje vigente no país entre capital financeiro e mídia tradicional. A soma dá 16, também longe da maioria necessária para eleger o presidente do Senado. Tal realidade não é tão diferente na Câmara dos Deputados, basta checar.

Então, não tem solução? Tem, mas ela não passa por uma caça às bruxas contra Renan, que sendo tudo que já disse que é, não tem condenação conhecida na Justiça – um ficha-limpa, portanto. A solução passa por uma reforma política que, entre outras medidas, implante financiamento público exclusivo de campanhas (diminuindo a influência do poder econômico), imponha limite de reeleições para cargos do Legislativo (um período longe do poder é fatal para personagens como Renan e muitos outros que vivem do e para o poder), mude ou acabe com as emendas parlamentares (moeda de troca favorita dos fisiológicos com o Executivo), pressione os partidos a aumentarem seus processos de democracia interna. Pode incluir aí novas regras para acabar com o monopólio na comunicação, coisa que, segundo Bob Fernandes, o próprio Calheiros discretamente cochichou aos donos da mídia em artigo publicado na Folha de S. Paulo que não sai de jeito nenhum.

Marina Silva não é ingênua, só finge ser. Seu novo partido traz uma série de ideias bacanas, como aumentar a democracia participativa e direta e o foco na sustentabilidade. Mas trata todas elas com uma superficialidade tremenda, como faz com a eleição do Senado. Exemplo: diz que não vai aceitar doações de “empresas sujas”, mas topa empreiteiras, as principais interessadas em influenciar decisões sobre obras públicas – ou as grandes hidrelétricas são tocadas por cooperativas? E tem entre as articuladoras financeiras do movimento uma herdeira do Itaú, que certamente faz um duro escrutínio sócio-ambiental antes de assinar empréstimos para empresários. A realidade é complicada e discurso fácil não resolve, tem que por a mão na massa.

E aqui vem o grande papel da opinião pública nesse processo (e os sonháticos marineiros poderiam começar por aí a construção de sua “nova política”): a pressão por essas medidas necessariamente terá que vir de fora do Parlamento. Com o poder que detém os fisiológicos – e com o qual tanto progressistas quanto neoliberais aprenderam a lidar em seu período de governo –, nenhuma reforma desse tipo passará sem uma enorme mobilização popular. Em vez de gastar bala combatendo nomes, temos que discutir ideias mais profundas que aperfeiçoem a nossa democracia. Sem isso, essa discussão sobre o Senado não passa de perfumaria.

7 comentários:

Wagner Coelho disse...

Cara, a presença de Renan na presidência do Senado pode até ser legal, mas é imoral. Sob qualquer ponto de vista. Já uma reforma política, um tema complexo em si, depende de uma enorme e difícil caminhada, que jamais terá o seu primeiro passo com personagens iguais a Renan e Henrique Alves. Eu apoio a petição on-line. Abraço e ótimo blog. Ah, no meu blog, eu falo um pouco sobre política também.

Nicolau disse...

Wagner, eu entendo a indignação, tb não tenho nada a favor do Calheiros e dessa galera toda. Mas imagine que um avião caia e o Renan morra amanhã. O Senado será mais digno de confiança? Nossa democracia terá evoluído? Assumiria seu suplente, que nem sei quem é. Seria certamente eleito presidente fatalmente alguém do próprio PMDB, que manteria sua enorme vantagem na Casa e uma influência nas votações. Meu ponto é: a batalha tem que ser para mudar as regras, por mudanças permanentes, não contra nomes.
A petição é um instrumento válido, mas acho que valeria aproveitar a mobilização e cobrar avanços mais concretos. A Reforma Política é ampla, tem razão, mas concentremos em um ou dois itens e bola pra frente.
De todo modo, vale a discussão, sempre, rs! Valeu a visita, vou dar uma olhada no seu blog. Grande abraço!

Unknown disse...

Post e comentário do Nicolau perfeitos e irretocáveis, assino embaixo. O que mais irrita, hoje em dia, é a indignação seletiva. A preocupação com a "ética", a "corrupção" e a "moralidade" sempre tem como alvo uma "bola da vez", dependendo de interesses e propósitos da elite reacionária (e corrupta) e da imprensa que ela sustenta. Demonizam uns, como Renan, e ignoram outros.

Um exemplo: alguém propõe petição contra o presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo, o Barros Munhoz (PSDB), acusado de surrupiar R$ 3,5 milhões por meio de uma empresa fantasma quando era prefeito de Itapira (SP)? Não, ninguém dá a menor pelota pra isso. E em setembro do ano passado o TJ-SP abriu ação penal contra ele.

A mídia não fala nada, ninguém acha errado, não tem petição dos "indignadinhos de internet", nem Marina Silva falando merda, nem coisa nenhuma. É como o Nicolau diz: se morrer o Renan Calheiros, o que acontece? Simples: elegem outro escroque, igual a todos os seus antecessores, ou talvez pior, para assumir o posto. E o que vocês querem fazer sobre isso? Pegar em armas? Então façam, mas nos poupem de petições mi-mi-mi.

Aliás, sobre a tal petição contra o Renan Calheiros, eu cliquei no link só pra ver do que se tratava e caiu num site estadunidense, que foi logo pedindo para eu liberar minhas informações do Facebook. Pra quê, cara pálida? Se eu já estava disposto a não assinar aquela porcaria (mas até considerei a hipótese, pensando que dessa forma deixariam de entulhar o meu email), desisti na hora.

O Renan que se dane. Os "indignadinhos de internet" também.

Reforma política já!

Glauco disse...

Acho que as pessoas têm direito a repelir certas figuras políticas mas, como disse o Nicolau, é algo paliativo. Como a reforma política não tem um apelo midiático forte e muitos nem sequer sabem do que se trata, pregam contra o Renan e nem sabem porque ele chegou lá. Uma equação que envolve a questão da representatividade, da função do Senado, do financiamento de campanha e vários outros itens que precisariam ser debatidos. Focar um pouco nisso seria algo bastante saudável pra quem de fato se importa com a democracia.

Anselmo disse...

o problema é achar uma reforma política orientada a eliminação de renans, sarneys e malufs... achar q voto em lista tira figuras assim é exagerado. e, se eu tivesse uma fórmula pronta pra livrar o mundo de figuras assim tão nobres, juro que contaria pra todo mundo.

aliás,se alguém souber o ComoFaz, a comunidade, na expectativa, agradece.

feitas as reclamações, é curioso ver direita e esquerda dizendo que a rede da marina é mais do mesmo. não deixou nem a esquerda perplexa nem tampouco a direita indignada.

ficou num centro sem graça... mais sem graça q o psd do kassab (que diferentemente da rede sustentabilidade da marina, além de não ser de esquerda nem de direita, nem de centro é).

É um cenário favorável para que o Manguaças seja retomado... Há muito é um projeto de partido que precisa se erguer! QUem sabe se um se escorar no outro na hora de levantar da mesa do bar, cambaleando mesmo, não dê pra fazer essa agremiação alcançar o brilho que o destino lhe reserva? Quem sabe?

Nicolau disse...

Anselmo, acho que medidas como o fim das coligações proporcionais e limite de mandatos para parlamentares dificultariam bem a vida dos partidos e políticos fisiológicos.

Sobre o MAN, borá mobilizar as bases e recolher assinaturas!

Maurício Ayer disse...

Esse “movimento” anti-Renan tem um aspecto muito positivo: constranger o governo por manter alianças com esse tipo de gente. Como Haddad teve que engolir o constrangimento da aliança com o Maluf.

E apesar disso, por razões vastamente documentadas, sigo apoiando o governo federal e muito mais o Haddad.

Pela criação do Manguaças, o partido que só balança à direita pra não cair, e manter o centro quântico.