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segunda-feira, março 31, 2014

'Tudo é possível'

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Veículo da Folha incendiado: acusado de transportar presos políticos
Risível, para não dizer desaforado, o editorial da Folha de S.Paulo no domingo, 30 de março. O embaraço ao fazer um mea culpa nos 50 anos do golpe militar começa logo pelo título: "1964" - apenas o ano do acontecimento, tentando uma "neutralidade" que beira (ou alcança) o tucanismo. Todo esse cuidado, esse pisar nas pontas dos pés, sobre ovos, se reflete ainda mais na linha fina que apresenta o texto (o grifo é nosso): "Aos olhos de hoje, apoiar a ditadura militar foi um erro, mas as opções de então se deram em condições bem mais adversas que as atuais". Ou seja: sim, nós apoiamos os militares; e sim, isso foi ruim; mas, "veja bem, não é o que você está pensando, sejamos razoáveis..."

Depois das necessárias - ainda que tardias - críticas à ditadura, nos quatro primeiros parágrafos, pra tentar "ganhar" a simpatia daqueles que a condenam, a Folha desliza na argumentação (o grifo é nosso): "Parte da esquerda forçou os limites da legalidade na urgência de realizar, no começo dos anos 60, reformas que tinham muito de demagógico". Como assim?!? "Forçou os limites da legalidade"?!? O governo de João Goulart não teve tempo - nem força - para tomar uma medida sequer, legal ou "ilegal", a favor ou contra qualquer coisa. Pelo contrário: assim que Jânio Quadros renunciou, Jango sofreu o primeiro golpe, ao ser obrigado a aceitar um regime temporário de parlamentarismo. Isso sim "forçou os limites da legalidade". Aliás, quando os militares tentaram impedir a posse LEGAL de Jango como presidente, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, conseguiu garanti-la justamente com uma campanha de resistência batizada de "Corrente da Legalidade".

Jornal chama ditadura de 'ditabranda' e gera protesto popular
Mas o editorial da Folha omite tudo isso e prossegue derrapando: "Logo após 1964, quando a ditadura militar se continha em certas balizas, grupos militarizados desencadearam uma luta armada dedicada a instalar, precisamente como eram acusados pelos adversários, uma ditadura comunista no país". Ah, mas que boazinha essa ditadura! Que esforço ela fazia para se conter, coitada! Tanto que, ANTES de qualquer pessoa pegar em armas contra ela, os militares cassaram centenas de políticos democraticamente eleitos, prenderam arbitrariamente milhares de pessoas, institucionalizaram a tortura, proibiram eleições, alçaram a "linha dura" ao poder, censuraram a imprensa, amordaçaram o Congresso e "estupraram" o país ao impor o AI-5. Isso é ser "contida"?

Pois foi justamente por toda essa violência que muitos (ainda que equivocadamente) partiram para a luta armada. Não contente, porém, o editoral emenda cinco parágrafos de exaltação ao "milagre econômico" do início dos anos 1970, como sendo o lado "benéfico" e "justificável" do golpe militar. E aí vem o grand finale, quando o jornal assume o apoio que deu ao regime de exceção - e procura nos convencer de que, na época, foi uma atitude "correta": "Às vezes se cobra, desta Folha, ter apoiado a ditadura durante a primeira metade de sua vigência, tornando-se um dos veículos mais críticos na metade seguinte. Não há dúvida de que, aos olhos de hoje, aquele apoio foi um erro". Somente "aos olhos de hoje"?!?? Vá dizer isso a alguém que foi barbaramente torturado naqueles tempos! E que talvez, como registram várias denúncias, tenha sido transportado para cárceres clandestinos em veículos da própria Folha de S.Paulo. A mesma Folha que já chamou a ditadura de "ditabranda"...

Abril de 1964: Folha defende o 'regime'
É isso, minha gente. O jornal que insuflou o golpe em quase todo o período do curto - mas legítimo - governo João Goulart, e que saudou a tomada de poder pelos militares como a salvação do país, diz agora que "errou", mas termina o editorial em tom de "sermão" contra possíveis detratores. Só que tem um lance curioso: quando pensei em fazer esse post, imaginei os comentários que faria para encerrá-lo. Mas foi aí que eu reparei em outros três textos publicados na mesma página 2 da Folha de domingo (assinados por Eliane Cantanhêde, Henrique Mirelles e Carlos Heitor Cony) e notei que, por uma "coincidência semiótica", os títulos de cada um resumiam - ou comentavam - o descarado editorial: 'Desastres nada naturais', 'O que não foi feito' e 'Tudo é possível'. Impressionante como, sem querer, qualquer um desses títulos poderia nominar o editorial, em vez do anódino "1964". Por isso, me sinto à vontade para terminar o texto com uma definição do Dicionário Informal: "CARA DE PAU: Pessoa descarada, sem vergonha. Atrevido. Sinônimos: atrevido, sem vergonha, safado, mentiroso, descarado, sem escrúpulos, cara lisa". Sem mais. 

quarta-feira, abril 15, 2009

Se a pessoa não quiser se ajudar, que morra!

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Os tucanos são bichos políticos que sempre conseguem me surpreender pelo cinismo, perversidade e estupidez. O projeto de Estado mínimo e de deixar a população ao Deus dará é explícito e registrado até em textos oficiais. Vejamos um trecho da introdução do "Plano Plurianual 2008–2011" (Lei nº 13123), da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo, assinado pelo governador José Serra em 8 de julho de 2008 (o grifo é nosso):

Assistência e Desenvolvimento Social
Integrada às demais políticas públicas de cunho social, a assistência social visa a contribuir para a universalização dos direitos sociais, enfrentando a pobreza extrema e provendo condições mínimas para o atendimento a contingências sociais. O principal objetivo é garantir o acesso a bens e serviços aos cidadãos em situação de vulnerabilidade social e pessoal, procurando ajudar a quem se disponha a ajudar-se.
(págs.3 e 4)

Notem a sutileza: em vez de "O dever do Estado é garantir", eles substituem por "O principal objetivo é garantir" - ou seja, se não atingirmos o objetivo, pelo menos "tentamos" (e foda-se!). Mas o "tirar o corpo fora" fica mais explícito com o complemento hipócrita, dispensável e estúpido da frase. Em primeiro lugar, dizem que o Estado vai procurar "ajudar", em vez de assumir seu dever (é bom frisar isso, sempre). E o pior: só vão "tentar ajudar" quem quiser "se ajudar". Então fica combinado desse jeito, a gente chega para um morador de rua, estendido na calçada, e pergunta: "Você quer se ajudar?". Sem compreender o que passa, o cidadão responde: "Olha, nesse momento, só quero continuar dormindo". E aí o poder estadual fica desimpedido para arrematar: "Ah, é? Então morra! Vai cuidar da sua vida! Até nunca mais!".

A ciência da efi
Esse desapego, ou antes, despriorização dos programas sociais tem a ver com a visão economicista do PSDB. Não é a toa que seus slogans mais insistentes, nas campanhas, são a "gestão" e a "eficiência" (leia-se: contenção de gastos públicos, ou melhor, da verba para serviços prioritários à população). Exagero? Pois eu busquei o termo "eficiência" no texto desse Plano Plurianual e grifei duas dezenas de trechos, alguns na mesma página:

"A eficiência na gestão pública..." (pág.9)
"...eficiência, rapidez e simplicidade." (pág.9)
"...eficiência da gestão administrativa..." (pág.46)
"...eficiência nos processos de compra..." (pág.51)
"...aumentar a eficiência das iniciativas..." (pág.58)
"...para aumentar a eficiência e a efetividade..." (pág.59)
"...a eficiência e a acessibilidade do sistema..." (pág.65)
"...com o máximo da eficiência." (pág.73)
"...eficiência econômica e geração de emprego e renda..." (pág.88)
"...melhor eficiência no aproveitamento da produção..." (pág.98)
"A eficiência na gestão pública..." (pág.104)
"...eficiência no exercício da administração pública." (pág.106)
"...mais eficiência, eficácia e flexibilidade..." (pág.107)
"...características de eficiência, rapidez..." (pág.108)
"...baseada na questão da eficiência..." (pág.108)
"6.6 - Eficiência e eficácia do gasto público" (pág.110)
"...que buscam melhorar a eficiência..." (pág.112)
"...resultou em ganhos de eficiência..." (pág.115)
"...visando aumentar a eficiência e a transparência..." (pág.115)


Bonita peça publicitária, não? "Gerente e eficiente" é o que o Serra quer dizer que é. Mas impagável é o parêntese que enfiaram em uma frase da página 112:

O governo paulista tem investido e criado boas e inovadoras tecnologias de gestão, como o demonstram os bem-sucedidos casos das compras eletrônicas, dos centros de atendimento integrado e dos programas de qualidade. Existem ainda várias ações neste campo para a estruturação de centros de custos mais efetivos, capazes de melhorar a gestão da eficiência (aspecto no qual São Paulo vem tendo bons resultados).

"Eficiência", "gestão", "bons resultados". O melhor do PSDB é que a gente aprende. Aprende quem eles são - e o que querem para nós...