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Outro dia, entre uma cerveja e outra, eu questionava meu pai sobre o ato de dar esmolas ser um bem ou, involuntariamente, um mal. Explico: para mim, quem concede não prioriza a atuação política para fazer com que mais ninguém precise pedir. E, por outro lado, quem recebe pode se acostumar com isso - ou pode se tratar apenas de um espertalhão, que não precisa, mas pede. Reflexivo, meu pai lembrou que pedir sempre é uma coisa muito difícil, um ato desesperado. Por isso, na maioria das vezes, ele atende.
E me contou uma passagem de seus tempos de exército. Nascido em uma vila pequena onde não havia serviço militar, meu pai foi trabalhar em Araraquara (SP), aos 19 anos, crente que havia sido dispensado de forma automática. Mas, um ano depois, um colega o alertou que seu nome estava escrito a giz, em uma lousa, na lista de insubmissos (os que deveriam ter se alistado nos anos anteriores e não o fizeram) lá na Junta Militar daquela cidade. Meu pai foi até o local e constatou que, infelizmente, era verdade.
E pior: não havia mais a possibilidade de fazer o chamado Tiro de Guerra, serviço mais ameno e de meio período mantido nas cidades menores. Ele teria que morar e servir em tempo integral na cavalaria, em Pirassununga (SP), terra da cachaça 51 e de outras marcas populares. Passou um ano e meio lá, período em que disputou o Campeonato Amador do Estado pelo time do exército, como lateral esquerdo, e também a tradicional Corrida de São Silvestre, na capital, na entrada do ano em que se comemorava o quarto centenário da cidade (além de muitas outras aventuras...).
Mas ele conta que, quando era dispensado para passar o final de semana com a família, geralmente não tinha dinheiro para viajar. Por isso, os soldados iam pedindo carona e se aboletando em carros, carroças e caminhões, numa jornada que poderia durar oito horas ou mesmo um dia inteiro, dependendo das oportunidades. Numa dessas, o motorista parou num posto de beira de estrada, para comer, e meu pai foi à caça de algo para o estômago. Havia um rapaz de roupa verde, no balcão, e meu pai, fardado, foi direto ao assunto:
- Companheiro, eu estou com fome, mas não vou te pedir comida. Se você puder me pagar uma pinga, já resolve minha situação.
- Ah, rapaz, deixa disso! Fulano, vê aí uma pinga reforçada pra ele!
O balconista veio com um copão americano quase transbordando e, antes que meu pai pudesse agradecer, o "anjo da guarda" atalhou:
- Eu também fiz o 17° RC (Regimento de Cavalaria) lá em Pirassununga, sei muito bem o que é aquela porcaria. Pode beber tranquilo!
"Abastecido", meu pai conseguiu enganar o estômago e dormir até o destino final. E, até hoje, nunca nega um copo de pinga a quem vier pedir.