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sábado, junho 20, 2009

Mais James Joyce

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Prometo que, daqui pra frente, não encherei mais o saco falando sobre o escritor irlandês James Joyce, como já fiz em outros posts. Acontece que, como não poderia deixar de ser, o homem é onipresente aqui em Dublin. Muitas de suas estorias se desenrolam pela cidade e os personagens citam as ruas e os lugares por onde passam. Por esse motivo, esses locais foram marcados com placas de bronze no chão, como a da foto abaixo, feita em frente ao prédio Ballast House.


Um dos locais mais visitados em Dublin é o parque Saint Stephen's Green, na região central, próximo ao tradicional Trinity College e a famosa Grafton Street. Em Dublineses, Joyce menciona um pub dessa região. Estou lendo uma edição argentina que ganhei de presente e, por isso, a tradução de um trechinho do conto ¨Dois galantes¨ é aproximada:

Quando chegou a esquina da Rutland Square, dobrou a esquerda e se sentiu mais cômodo na obscura e silenciosa rua cujo aspecto sombrio se adaptava a seu estado de ânimo. Por fim se deteve diante da janela de um negócio sobre o qual se viam as palavras Refreshment Bar, escritas em letras brancas. Havia dois cartazes oscilantes por trás do vidro das janelas: Ginger Beer e Ginger Ale.

Pois bem, chega de falar em Joyce, figura que trombei perto da Henry Street (foto abaixo). No próximo post volto a falar só de cerveja. See you!

terça-feira, junho 16, 2009

O dia de Leopold Bloom - ou Nora Barnacle...

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Hoje comemora-se o Bloomsday aqui na Irlanda, em homenagem ao personagem literário Leopold Bloom, de James Joyce. É o único feriado em todo o mundo dedicado a um livro, com exceção da Bíblia. No classico "Ulisses", o escritor irlandes relata 16 horas da vida de Bloom no dia 16 de junho de 1904. A escolha de Joyce nao foi nada prosaica: nessa data, ele fez sexo pela primeira vez com sua futura companheira Nora Barnacle (a direita), uma virgem de 20 anos. Em uma carta escrita mais tarde, ele observou que Nora teve medo de chegar ao final e o masturbou "com os olhos de uma santa". Pode-se, portanto, apelidar esse feriado irlandes de Noraday ou Holyfingersday, algo do gênero...

Pelas ruas de Dublin, podemos ver hoje dezenas de pessoas, do mundo inteiro, vestidas com roupas do início do século passado (à esquerda). Varios eventos ocorrem o dia todo pela cidade, enquanto entusiastas, simpatizantes, turistas, desocupados e bêbados relembram os acontecimentos vividos pelos personagens em 19 ruas da capital irlandesa citadas em "Ulisses". Nao se sabe ao certo a origem desse feriado literário. Alguns apontam 1925, três anos após o lançamento do livro, outros dizem que foi na década de 1940, logo após a morte de James Joyce. Mas a hipótese mais aceita indica que foi em 1954, na data do quinquagésimo aniversário do dia retratado no livro.

Como nao poderia deixar de ser, um livro escrito por um irlandês e ambientado em Dublin não poderia excluir a manguaca. O capitulo 12 narra uma visita ao Barney Kiernan's Pub, célebre no início do século XX (foto abaixo). "- Come around to Barney Kiernan's, says Joe. I want to see the citizen." ("- Vamos até o pub Barney Kierna's, disse Joe. Eu quero ver o cidadão."). Se o bar ainda existisse, na rua Little Britain, e alguém me emprestasse 5 euros, bem que eu arriscava uma Guinness por lá...

domingo, novembro 16, 2008

Letras dobradas – primeira dose

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Uma vez, numa exposição de artes plásticas que incluía um pintor irlandês, falei a um adido cultural britânico (que na época era chefe da minha ex-mulher) que todo filme ou livro de irlandês que eu me lembrava tinha um pub com uma galera enxugando até o talo. Era um comentário despretensioso, sincero, que de repente poderia até ser interpretado como um elogio. Mas ele meio que se ofendeu, e rapidamente levantou a voz em defesa dos vizinhos “os brasileiros também!”. Não avançamos na conversa, pois ficou um clima ruim, resultado mais de incompreensão do que de uma real diferença de opiniões. Além do mais, o cara é escocês e não é nada fraco na mesa de boteco. O que ficou do episódio foi uma pulga atrás da orelha com relação à presença da manguaça na literatura brasileira. Ainda acho que ele exagerou, pois mesmo com tantos escritores que falam de cachaça ou que tratam de bebê-la sem moderação, os brasileiros não superam os Irishmen. Quem se compara a James Joyce, por exemplo? É algo a se pesquisar.

Que autor brasileiro superaria Joyce na manguaça?

Entretanto, para que não me acusem de levantador de lebre barato, uso essa anedota como mote para iniciar aqui uma pesquisa aberta – um work in progress (já que citei Joyce...) – da literatura manguaça universal. Não só brasileiros e irlandeses – a polêmica não vale a pena –, mas em geral. Faço também o convite a quem quiser contribuir com comentários, sugestões, opiniões, preferências etc. etc.

Rabelais, príncipe dos poetas ébrios

Aí, revirando minha memória literária – que infelizmente é curta, talvez pelo álcool –, não me lembro de nenhum escritor que supere Rabelais no quesito manguaça. E não é um cara deprezão, tipo Bukowsky (que, diga-se, nunca me convenceu). Rabelais, um ícone da cultura renascentista, é do tipo sangue-bão, um bom bêbado, companheiro de mesa, imensamente culto e ao mesmo tempo irônico (e autoirônico). Ri o bom e livre riso dos justos beberrões, que curtem a comida farta, motivo de mais beber e mais celebrar.

Aliás, já foi dito que ele e o James Joyce são praticamente da mesma família de escritores... quer dizer, o Joyce é como um Rabelais moderno: o mesmo amor pela cana e pela vida de boteco, o mesmo gosto pelos jogos de palavras (sim, ambos elevaram ao mais alto posto literário a prática do trocadilho-arte) e a mesma capacidade de realizar o que eu considero o ideal do bar: mesclar a dita “alta” com a dita “baixa” cultura, ter total liberdade pra juntar assuntos tão afins quanto os dramas da existência e a qualidade do torresmo.

Basta ler as linhas iniciais do primeiro (publicado em 1534) da série de cinco livros das histórias dos gigantes Gargântua e Pantagruel. O prólogo abre interpelando os leitores: “Bêbados muito ilustres (...) (pois aos senhores, e não a outros, são dedicados meus escritos)”. E aí começa a citar Platão, a passagem do Banquete em que Alcibíades compara Sócrates a uma silene. Silene, na mitologia grega, é um semi-deus, segundo versões seria o preceptor de Dionísio, notoriamente o deus da manguaça. Mas as silenes são também umas caixinhas, como as de um boticário, adornadas por fora com ilustrações representando o semi-deus embriagado, sendo carregado pelos sátiros seus discípulos; dentro são guardadas as mais finas drogas.

Esse seria o Sócrates:

“simples nos modos, rústico nas roupas, pobre em fortunas, infortunado com as mulheres, inepto a todos os ofícios da República; sempre rindo, sempre bebendo (...), sempre se fartando, sempre dissimulando seu divino saber. Mas abrindo essa caixa, se encontraria lá dentro uma celeste e inapreciável droga: entendimento mais que humano, virtude maravilhosa, coragem invencível, sobriedade sem igual, contentamento certo, segurança perfeita, desprezo inacreditável por tudo aquilo por que os humanos tanto velam, correm, trabalham, navegam e batalham”.

É muito sério isso: esse mesmo Sócrates descrito como “sem controvérsia o príncipe dos filósofos” tem dons que eu não encontro outro modo de definir senão como qualidades essenciais da própria canjibrina. O que mais proporciona o “entendimento mais que humano”? Virtude, coragem, segurança? E mais, o “desprezo inacreditável” pela vaidade que move homens em tantas batalhas e tanto trabalho para chegar sabe-se lá onde? Na fundação da filosofia ocidental, um manifesto manguaça.

O nascimento de um bêbado

Só mais uma passagem, o parto de Gargântua:

“Grandgousier, bebendo e rindo com os outros, escutou o grito horrível que seu filho deu ao entrar na luz deste mundo, quando ele urrava pedindo Mé! Mé! Mé! Ao que disse, mas que grande e elástica essa boca. Ouvindo isso, os assistentes disseram que realmente ele devia por isso ter o nome de Gargântua...”

Detalhe, tomo aqui liberdade como tradutor, pois o que recém-nascido Gargântua grita é “A boire! A boire! A boire!”, o que soa como “buá” e quer dizer, literalmente, “’bora beber! ’bora beber! ’bora beber!”.