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quinta-feira, março 19, 2009

Em busca do marafo perdido - Capítulo 6

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MARCÃO PALHARES

Os quatro manguaças combinaram de fazer o esquenta na padaria, antes do jogo decisivo que todos assistiriam na república de um deles. Maria mole, rabo de galo, meia de seda, bombeirinho – cada qual com sua preferência etílica. Já turbinados, passaram no supermercado e compraram seis caixas de cerveja, cerca de 72 latinhas. Talvez fosse o suficiente para os 90 minutos de futebol. Mas levaram um litro de vodka, afinal, uma batida de maracujá com leite condensado nunca é demais. Para comer, amendoim.

No apartamento, ligaram a velha e surrada televisão e tentaram diminuir a interferência na imagem e a chiadeira com um bombril nas antenas. Em vão, mas ninguém se importou. A porta da geladeira só fechava com uma fita adesiva. Latas de cerveja eram consumidas em minutos, a vodka mal deu pro gasto. E ainda encontraram um resto de vinho vagabundo, que não durou dez minutos. Quando o jogo começou, os quatro estavam devidamente manguaçados até a tampa. Ninguém se importava mais com o futebol.

Aos brados, os bêbados aumentavam o tom de voz a cada gole sorvido. Num prédio de três andares, com apartamentos pequenos e acústica potente, uma reunião de pinguços, à noite, era uma temeridade. A vizinhança já ameaçava chamar a polícia quando, para piorar, saiu um gol. Sem se importar ou sequer notar qual time tinha aberto o placar, os quatro explodiram num grito uníssono. Cantaram, pularam, berraram e xingaram – nem eles sabiam o quê ou por quê. Para a síndica, que morava no andar de cima, foi a gota d’água.

- Parem com isso! Desliguem essa televisão! Vão beber no bar!, ordenou, pela janela.

Os quatro manguaças ouviram e, por um instante, fizeram silêncio. Depois, como se tivessem combinado, começaram a cantar:

- Ih, fodeu, Camanducaia aparaceu! Ih, fodeu, Camanducaia apareceu!

A mulher ficou possessa. Não fossem os seus 60 anos, desceria até a república com um pau de macarrão para tirar satisfações.

- Seus bebuns! Isso não vai ficar assim! Vou acionar a imobiliária!

Nisso, um dos quatro manguaças saiu na janela e vociferou, raivoso:

- Pode ir! Mas eu vou chamar meu adevogado! (e frisou a sílaba "de", de advogado)

A mulher bateu a janela, assustada, e os bêbados decidiram que era hora de desligar a televisão e rumar para a sinuca mais próxima. Afinal de contas, não restava nenhuma das 72 latas de cerveja e a vodka e o vinho também tinham ido para o espaço. Na rua, encontraram uma garrafa de plástico vazia que, imediatamente, foi convertida em bola de futebol. Trocaram passes por quadras e quadras, gritando, de forma insana, uma paródia da canção religiosa do Roberto Carlos:

- Jesus Carlos! Jesus Carlos! Jesus Carlos, não estou aqui!

Desembarcaram aos tropeções na sinuca e, depois de algumas partidas, cada um tomou o rumo de sua casa, para desmaiar de bebedeira. No dia seguinte, dois dos manguaças, que trabalhavam juntos, estavam discutindo qualquer besteira quando o telefone tocou. O pingaiada que habitava a fatídica república atendeu. O outro só escutou:

- Alô? Sim, é ele mesmo. Pois não.
- (...)
- O que? A síndica? Mas o que houve?
- (...)
- Advogado? Mas que história é essa de advogado?
- (...)
- Sim, eu recebi uns amigos para assistir futebol. Só isso...
- (...)
- Não, ninguém tava fazendo barulho. Deve ter sido a televisão.
- (...)
- Olha, quem abriu a janela pra gritar primeiro foi ela!
- (...)
- O que? Jesus Cristo? Hã?!? Jesus Carlos??? Mas que diabo é isso?
- (...)
- Ela disse que a gente ia chamar o advogado? E que gritamos Jesus Carlos?
- (...)
- Escuta, meu senhor, não aconteceu nada disso.
- (...)
- Não, não vou pagar nada! Essa mulher é biruta!

O manguaça bateu o telefone, revoltado, e ficou resmungando:

- Ah, o que é isso? Pô! Parece que bebe!

Ainda bêbado, o outro perguntou o que estava acontecendo. Ele tergiversou:

- Nada, nada. Vamos lá na esquina tomar mais uma, que tá na hora!

E saíram abraçados, entoando o côro nonsense:

- Jesus Carlos! Jesus Carlos! Jesus Carlos, não estou aqui!

(Continua quando o autor estiver sóbrio o suficiente para escrever...)

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Em busca do marafo perdido – Capítulo 3

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MARCÃO PALHARES

Eram duas da tarde e eu seguia uma bunda pela avenida principal. A mulher entrou numa casa de artigos para bebês e eu fui atrás, hipnotizado. Um vendedor me perguntou o que eu queria ali e me tirou do transe. Encabulado, comprei um jogo de babadores (algo muito apropriado para o vexame do meu instinto carnal mal reprimido). Peguei o embrulho, dei de presente para um padre que esbarrou em mim na calçada e corri sedento para o bar da esquina. Fazia um calor piauiense e já fui pedindo a primeira gelada. Tomei em quatro goles e puxei outra. Havia um cara de boina xadrez e anel de pedra vermelha, com um violão. E outro, com a camisa do Tuna Luso, tocando pandeiro. Ali por perto, no balcão, uma moça tinha os olhos fixos neles. Não era tão feia quanto parecia. Com o tempo, achei até que foi ficando interessante.

Devidamente encervejado, pedi um rabo de galo para reforçar. Pra comer só tinha ovo cozido, daqueles azuis, boiando num vidro de líquido nefasto. Pensei em pedir algum lanche, mas a visão de uma gaiola de periquitos cheia de excrementos, bem perto da chapa, me fez considerar que a mesma talvez não estivesse muito limpa. Talvez. A moça, que exalava um desodorante deveras enjoativo, dizia ao violeiro que era cantora. Queria dar uma canja. O homem palitou os dentes com a unha comprida do mindinho esquerdo e, entediado, assentiu. Ela escolheu uma música do Julio Iglesias, "Coração enamorado", e soltou o gogó. Deus pai todo poderoso!

Além de desafinada, a moça gaguejava e tinha uns cacoetes estranhos, ora adiantando, ora atrasando a letra. "Não pergunta nem responde/ Simplesmente satisfaz/ Sonhar/ Que existe amor cada vez mais". Uma voz aguda, irritante, perfurante. Mas o manguaça levou a música até o final no violão e, educado, agradeceu a "cantora". Ela até insinuou um "Agora toca aquela...", mas o pandeirista se encarregou de atravessar a inconveniente e apressou a voz num samba do Benito di Paula: "Você/ Ficou sem jeito e encabulada/ Ficou parada sem saber de nada...". Não sei se a moça percebeu a maldade da letra e o corte que levou do Tuna Luso, mas se calou com a sua boca sem feijão.

Eu já estava ali pelo segundo copo de Jurubeba Leão do Norte e me apiedei da criatura. Sentimentalismo de pinguço. Amor, paixão, casamento. Tudo isso passa pela cabeça de uma pessoa que começou o dia seguindo uma bunda e prosseguiu deglutindo nove cervejas, cinco doses de pinga da pior espécie com vermute barato e três jurubebas. "Você vem sempre aqui?", me lembro de ter perguntado. Não sei o que houve. Na cena seguinte, a moça estava no meu colo. Eu apertei sua mão e a marca dos meus dedos ficou impressa. Não entendi. Ela disse algo sobre doença de pele, erisipela, fungos ou coisa parecida. Depois me beijou, com hálito de Tatuzinho e tubaína de uva.

No pequeno apartamento, os colchões eram separados por varais com lençóis. Uma mulher gorda e com touca na cabeça, fumando, fazia miojo numa caçarola. Não tenho certeza, mas acho que me deitei e apaguei. A moça não gostou muito, pois buscou um balde com roupas de molho e atirou sobre mim. Fiquei atônito, no colchão encharcado. Houve bate-boca, a mulher do cigarro ameaçou me jogar o miojo na cara. Assim que tive a oportunidade, abri a porta e saí correndo. A moça do bar veio atrás, pelas escadas, me dando vassouradas. Cheguei à rua e entrei no primeiro táxi que vi, ainda molhado e fedendo sabão em pó vagabundo.

Parei num buteco de periferia e pedi um conhaque. O rádio tocava Julio Iglesias e comecei a divagar. Depois da décima segunda cerveja, me convenci de que tinha conhecido o amor da minha vida. Estava decidido: eu iria procurá-la. Não a moça, mas a mulher da touca, cigarro e miojo. Uma deusa! A vida é assim. Ninguém escapa.

(Continua quando o autor estiver sóbrio o suficiente para escrever...)