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quarta-feira, outubro 02, 2013

Matar índio pode. Pichar monumento, aí já é vandalismo!

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Matéria publicada pela revista "Aventuras na História" em setembro de 2005 (leia clicando aqui) classificou as bandeiras paulistas - grupos que penetraram os sertões brasileiros a partir do século 16 - como "o maior genocídio de nossa história". Segundo Reinaldo José Lopes, autor do texto, essas jornadas eram "feitas por motivos deploráveis, como escravidão e genocídio" e, ao contrário da visão romântica de "heróis" e "desbravadores" que ampliaram as fronteiras nacionais, "os bandeirantes do mundo real, que saíram de São Paulo para varrer o interior do Brasil nos séculos 17 e 18, eram selvagens". Por "selvagens" leia-se: assassinos.

De acordo com a matéria,  no fim do século 16, São Paulo tinha sido esvaziada de “mão-de-obra”e presenciava a consolidação da casta de caçadores de índios. E os métodos desses "fora-da-lei" (pois ultrapassavam os limites do território português definidos pelo Tratado de Tordesilhas e desrespeitavam a proibição de escravizar índios) eram cruéis: "Para evitar fugas, os invasores carregavam grande quantidade de correntes. Quem ousava resistir tinha a aldeia incendiada, mas os jesuítas relatam que velhos, crianças e doentes podiam sofrer destino ainda pior: na viagem de volta, os homens de Raposo Tavares jogavam-nos para os cães, para não atrapalharem a caminhada", diz o texto da revista "Aventuras na História".

"A fama de assassinos dos bandeirantes correu a colônia. E, quando os senhores da região Nordeste, com rebanhos de gado em expansão, entraram em conflito com os índios tapuias, veio a idéia: por que não chamar os colonos de São Paulo para resolver o problema?", relata outro trecho. “Foi nesse momento que os sertanistas tornaram-se ‘paulistas’, termo que não aparece na primeira metade do século 17", diz o historiador John Manuel Monteiro, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Pois bem: essa fama (ou melhor, má fama) inebriou os paulistas pelos séculos seguintes, a ponto de cultuarem com verdadeira obsessão, na cidade de São Paulo, as bandeiras e os bandeirantes mais famosos - ou violentos.

O já citado Raposo Tavares dá nome a uma rodovia, assim como Fernão Dias e Anhanguera (apelido de Bartolomeu Bueno da Silva). "Bandeirantes", aliás, é nome de mais uma rodovia e também de um dos maiores grupos de comunicação do estado. Borba Gato mereceu uma estátua hedionda na região sul da capital paulista, considerada esteticamente um dos maiores monumentos ao mau gosto. Um dos bairros nobres, Pinheiros, tem uma profusão de ruas com nomes de bandeirantes: Simão Álvares, Mateus Grou, Fradique Coutinho, Mourato Coelho e Pedroso de Moraes (sobre este último, descreve a Wikipedia: "conhecido como 'terror dos índios' "). Em plena Avenida Paulista, Anhanguera ganhou uma imponente estátua na porta do Parque Trianon, em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp).

Outro ponto turístico, o Parque do Ibirapuera, tem em suas imediações um gigantesco monumento de pedra intitulado "Monumento às Bandeiras" (que o sarcasmo popular batizou de "Empurra-empurra"). E hoje, 2 de outubro, ele amanheceu com a pichação "BANDEIRANTES ASSASSINOS" - segundo notícia do jornal O Estado de S.Paulo, como protesto à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que muda regras para a demarcação de terras indígenas. Como sempre, o fato foi classificado como "vandalismo". Mas, para muito além disso, a pichação carrega um forte simbolismo - ou "tapa na cara" - para uma cidade que glorifica tantos assassinos. Já passou da hora de rever as homenagens às bandeiras e seus chacais.

Pichação expôs a hipocrisia de homenagear criminosos (Foto: Felipe Rau/Estadão)

segunda-feira, dezembro 07, 2009

Domingo também foi dia de decisão na Copa Indígena de Futebol do Amazonas

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Foto: Divulgação/Seind

E quem disse que o São Paulo não foi campeão no domingo? Ao menos na primeira Copa Indígena de Futebol do Amazonas deu São Paulo de Olivença, que na final disputada neste domingo, 6, ganhou por 1 x 0 do Autazes. O gol marcado pelo atacante Evanir, logo aos 7 min do 1º tempo, no Estádio Vivaldo Lima, o Vivaldão, em Manaus (AM).

Evanir agora é conhecido como o último jogador a marcar gol no estádio Vivaldão, que será demolido para a construção de uma nova arena para a Copa do Mundo de 2014. Apesar da derrota, o goleiro Alberney Mura, do Autazes, foi o menos vazado da competição, em seis partidas disputadas ele sofreu apenas um gol, o da partida final. Já o artilheiro da Copa Indígena de Futebol foi o atacante César Silva, do time Barreirinha, com sete gols. Barrerinha aliás ficou com o terceiro lugar da competição, após golear o Benjamin Constant por 10 a 3.

Eu escrevi 10 a 3.

Os jogadores do São Paulo de Olivença receberam R$ 2 mil de premiação. Os atletas que ficaram com a segunda colocação vão receber R$ 1 mil.


Foto: Divulgação/Seind


A competição
Com direito a flautas para o incentivo ao time e guaraná em pó, ralado durante o próprio jogo, o esporte que também predomina nas aldeias teve sua primeira Copa, disputada de 30 de novembro a 6 de dezembro, simultaneamente à realização do Fórum Amazonas Indígena (Forind).

O torneio contou com a participação de dez seleções, representando 25 povos amazonenses e seguiu quase todas as regras oficiais da Board.

Organizada Secretaria de Estado para os Povos Indígenas (Seind) e a Secretaria de Juventude, Desporto e Lazer (Sejel), de Manaus (AM), a competição contou com partidas com limites de tempo estabelecidos em 30 minutos, cada tempo, com intervalo de dez minutos. A fase final teve 40 minutos para cada tempo e também dez minutos de intervalo. Já os atletas participantes apresentaram, no ato da inscrição, a identidade indígena expedida pela Funai, ou de declaração da organização do município, documentos obrigatórios com foto.

A Copa Indígena serviu também como prévia para os Jogos Indígenas do Amazonas (Jieam), confirmados pela Seind para a segunda quinzena de fevereiro do próximo ano.

Foto: Divulgação/Seind
Musa da Copa
A primeira Copa Indígena de Futebol teve direito até a musa da competição. A votação foi feita pelos próprios indígenas e a vencedora foi a estudante saterê-mawé Suelen Pereira, de 15 anos.

Com o título, a representante do município de Barreirinha recebeu R$ 500 como prêmio. Em segundo lugar ficou a tikuna Maria Mônica Pereira, de Tabatinga, que recebeu R$ 300; e em terceiro, a rainha de São Paulo de Olivença, que levou R$ 200.

Dez candidatas concorreram ao título. As outras sete representam os municípios de Manaus, Iranduba, São Gabriel da Cachoeira, Nhamundá, Autazes, Tabatinga e Borba.

terça-feira, março 17, 2009

Bebida: união e resistência indígenas há 500 anos

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Por sugestão do amigo Alexandre Lahud, estou lendo o clássico "A religião dos Tupinambás", do antropólogo suíço naturalizado estadunidense Alfred Métraux (1902-1963), edição brasileira de 1979. Os Tupinambás, já extintos, representavam o conjunto de populações tribais que se estendiam do Rio de Janeiro ao Maranhão, na faixa litorânea – ou seja, os povos indígenas que travaram os primeiros contatos com os brancos invasores. A obra é um prato cheio (sem alusão à antropofagia, por favor) para quem se interessa pelas nossas origens, costumes e mitologia. E aborda um fator que muito interessa aos que, como nós, almejam uma sociedade onde o consumo de álcool não seja nocivo, mas, sim, um direito primordial à união, celebração e resistência.

Em determinado trecho, o autor se dedica ao costume da cauinagem, ou seja, as festas coletivas à base do cauim, a bebida alcoólica obtida a partir da fermentação da mandioca ou do milho. "Nada ocorria de importância na vida social e religiosa que não fosse seguido de vasto consumo de certa bebida fermentada conhecida pelo nome de cauim", diz Métraux, que apoiou seu trabalho em descrições de visitantes do Brasil nos séculos XVI e XVII, como o português José de Anchieta e os franceses Claude d'Abbeville, Yves d'Evreux, André Thévet e Jean de Léry, entre vários de outros países.

Nos relatos, fica claro que a cauinagem era extremamente importante na medida em que determinava o consumo de bebida alcoólica como agente aglutinador, cultural e de identificação da "pátria" Tupinambá. Os invasores perceberam isso – e trataram de combatê-la. "A exortação da força, da coragem e da guerra está entre os saberes que mais sobressaem nessas práticas. Antes dos rituais antropofágicos e das guerras os índios bebiam e relembravam os atos de bravura, exaltavam a vingança e a luta contra os inimigos", destaca Maria Betânia Barbosa Albuquerque, da Universidade do Estado do Pará (UEPA), no trabalho acadêmico "Mulheres Tupinambá, beberagens e saberes culturais".

"Em função disso (mas não apenas), a prática das beberagens foi fortemente combatida pelos colonizadores católicos, posto que configurava-se como obstáculo ao processo colonizador. Desse modo, extinguir as cauinagens era o meio de viabilizar a catequese e a expansão da cristandade", prossegue o texto (dentro disso, as comparações utilizadas pelo inacreditável Reinaldo Azevedo em um inacreditável artigo sobre o PT na Veja - disponível aqui - ficam extremamente reveladoras sobre quem são e qual é o papel dos explorados e exploradores na sociedade brasileira atual). O que me chamou a atenção foi o fato de que os invasores brancos não proibiram a bebida alcoólica, mas sim a forma, o ritual e a finalidade com a qual os índios a consumiam. Daí, podemos fazer um interessante paralelo com os dias atuais.

Afinal, todos defendemos a bebida como celebração coletiva, ritual de aglutinação, amizade e exaltação de nossos valores, feitos e identidades culturais - o alicerce de integração proposto pelo Manguaça Cidadão. E não como um processo de degradação individual, os casos de alcoolismo crônico e gratuito de nossos tempos (sintoma de uma sociedade egoísta, consumista e segregadora). Quando acabaram com a cauinagem, os brancos exterminaram os índios, sua sociedade e seu mundo imaginário. "As beberagens tinham (...) uma finalidade essencialmente pedagógica, posto que transmitiam a memória coletiva, incutiam valores, perpetuavam a tradição e promoviam a resistência indígena aos ditames da colonização", reforça Maria Betânia Albuquerque, no trabalho acadêmico que citei acima.

Outro fator importante destacado pela pesquisadora é a importância atribuída às mulheres na sociedade Tupinambá, a partir do rito fundamental da cauinagem. Isso porque a matéria-prima do cauim era cozida, mastigada e recozida para a fermentação, para que as enzimas presentes na saliva humana pudessem quebrar o amido em açúcares fermentáveis. E esse trabalho era destinado exclusivamente às mulheres. Mais uma vez, podemos contrapor os valores de comunhão e papéis sociais dos indígenas ao mundo "globalizado" e "aberto" de hoje, pelo caráter extremamente masculino do mercado e da propaganda de bebidas, com a utilização da mulher como mero objeto.

Bom, melhor não escrever um post quilométrico. Quem quiser e conseguir encontrar o livro "A religião dos Tupinambás" (disponível em muitos sebos), certamente vai achar centenas de percepções ainda mais interessantes. Por fim, gostaria de destacar que a Cervejaria Colorado, de Ribeirão Preto (SP), desenvolveu o estilo Cauim (foto ao lado), que leva farinha de mandioca em sua fermentação. Uma digna e louvável homenagem à bebida que nossos ancestrais utilizavam para manter sua sociedade unida, feliz, saudável, consciente de seu valor e resistente. Bons tempos aqueles!

Ps.: Ao abordar o caráter social da bebida alcoólica, sempre é ocasião de recuperar o filósofo espanhol Javier Esteban, que defende o direito de ficar bêbado, e o poema do francês Arthur Rimbaud, que proclama: "Embriaguês sagrada/ Nós te afirmamos método". Clique nos links e confira.