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quarta-feira, outubro 14, 2015

Som na caixa, manguaça! - Volume 88

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É CARA DE PAU
(Ednardo/Brandão)

Ednardo


É cara de pau
E você acha que eu posso fazer
Fazer mais do que eu fiz
Ajudei essa louca a viver
E ela mesma é que diz
Que quer me ver frito
Que quer me ver morto
Estendido no chão
Pus o bagulho de lado, quebrei o estrado
E toquei fogo no colchão

A gente se amarra
Aconselha os pivetes, faz até oração
Porém, chega um dia
Que se toma uma beer
E também se faz a nossa confusão
Ele não tem consciência, quer me ver andar duro
E com toda a decência
Mas em sã consciência
Qualquer malandro manja
Essa falsa inocência

É cara de pau!


(Do LP "Cauim", WEA, 1978)



segunda-feira, março 30, 2009

Degustação do Futepoca: cervejas Colorado

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Na sexta à noite, antecipando a comemoração pela vitória do meu time no dia seguinte (arrogância sãopaulina), fui até o apartamento do compadre Luciano para degustar as cervejas Colorado, produzidas em Ribeirão Preto (SP). Ele comprou um kit com os quatro tipos (foto acima), numa embalagem prática de papelão, e ganhou um copo com a logomarca. O companheiro Nivaldo estava escalado para o rega-fígado, mas, por problemas telefônicos, não compareceu. Daí, fizemos um molho de tomate bem apimentado, com carne e fatias de pão, e demos início aos trabalhos. Abrimos primeiro a Colorado do tipo Cauim, uma Pilsen. Fermentada com farinha de mandioca, tem um acento estranho no sabor. É como cerveja de trigo, mas diferente.

Ela nos pareceu meio aguada, mesmo com os 4,5% de teor alcoólico. No rótulo, eles informam que o nome Cauim vem do Tupi e se refere a "uma antiga bebida fermentada de cereais e mandioca, fabricada pelos índios brasileiros". E acrescentam que "a Cervejaria Colorado realiza diversas ações de cunho social em parceria com o Cineclube Cauim, uma das mais importantes organizações culturais de Ribeirão Preto". Bom, de zero a 10, numa escala sem o menor padrão ou critério, eu daria 6 para a Cauim. Acho que Don Luciano não concederia mais que 4. Na média, 5. Passa.

A próxima que abrimos foi a Demoiselle, cerveja escura. No primeiro gole, Luciano já adiantou que era a campeã, mesmo antes de experimentar as duas restantes. Trata-se de uma Porter, feita com café e maltes importados. "O nome Demoiselle é uma singela homenagem ao grande brasileiro Alberto Santos Dumont, cuja família era proprietária de fazendas de café na região de Ribeirão Preto", explica o rótulo. O aeroplano Demoiselle foi criado por ele em 1907, depois do pioneiro 14 bis. A Colorado desse tipo ganhou a medalha de ouro, na categoria Porter, do prêmio European Beer Star 2008, um dos mais importantes "testes cegos" de jurados cervejeiros do mundo todo.

Esse episódio encerrou a "briga" entre o dono da Cervejaria Colorado, Marcelo Carneiro da Rocha (foto à esquerda), e o mestre cervejeiro Fergal Murrey (abaixo, à direita), da fábrica irlandesa Guinness, que, numa degustação em São Paulo, desqualificou a Demoiselle como sendo apenas "café, gelo e álcool". "Escrevi uma carta pessoal para ele e uma nota de repúdio em todos os blogs que conheço porque achei uma falta de educação do cara e resolvi reagir", reclama o carioca Rocha, conhecido em Ribeirão Preto como "Marcelo da Colorado", em reportagem publicada, providencialmente, por uma revista chamada Revide. "O prêmio acabou encerrando a polêmica", acrescenta ele, adiantando que, ainda em 2009, deverá lançar no mercado uma cerveja de sabor bem forte, com mais de 11% de álcool.

Bom, voltando à degustação, creio que a Demoiselle mereceu da gente uma média 9, sendo 10 do Luciano e 8 de mim. Logo em seguida, porém, provamos a que seria minha favorita: a Indica, mistura de malte, lúpulo e rapadura. Apesar desse último ingrediente, não tem nada de doce, pelo contrário: é amarga, vermelha e com teor alcoólico de 7%. "Nossa receita é baseada numa antiga receita inglesa de cerveja, que nos tempos do Império Britânico era enviada a Índia", diz o rótulo. "Nossa IPA mereceu do maior crítico inglês de bebidas malteadas Sir Michael Jackson (homônimo do cantor) três estrelas no seu Pocket Beer Guide conhecido como o Guia Michelin das cervejas e atualmente recebemos o prêmio de TOP 50 das cervejas nacionais e importadas mais consumidas no Brasil, pela Revista Prazeres da Mesa, edição 56 – Fevereiro 2008", resume. Eu daria nota 9. Com um 7 do Luciano, que não se entusiasmou tanto, teria média 8.

Por último, experimentamos a Appia, que leva mel na receita. Só que o gosto mais acentuado é o de trigo e, para quem aprecia cerveja feita com esse ingrediente, é realmente muito boa. O rótulo diz que "esta cerveja ligeiramente doce e refrescante revela todas suas qualidades quando degustada bem gelada com uma fatia de limão ou laranja presa à borda do copo. Tem teor alcoólico de 5,5%". Com notas iguais, ela fica com 7 pontos. Pelo meu paladar e o do camarada Luciano, as melhores Colorados seriam, portanto, a Demoiselle (nota 9), Indica (8), Appia (7) e Cauim (5). Cabe ressaltar, novamente, que a absoluta falta de medida ou critério, o grau etílico dos "jurados" (acima, à esquerda) e a preferência de cada um dos manguaças que fazem ou leem este blogue permitem resultados bem diferentes em futuras avaliações. De toda forma, a Colorado está de parabéns pela proposta e pelos produtos finais.

terça-feira, março 17, 2009

Bebida: união e resistência indígenas há 500 anos

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Por sugestão do amigo Alexandre Lahud, estou lendo o clássico "A religião dos Tupinambás", do antropólogo suíço naturalizado estadunidense Alfred Métraux (1902-1963), edição brasileira de 1979. Os Tupinambás, já extintos, representavam o conjunto de populações tribais que se estendiam do Rio de Janeiro ao Maranhão, na faixa litorânea – ou seja, os povos indígenas que travaram os primeiros contatos com os brancos invasores. A obra é um prato cheio (sem alusão à antropofagia, por favor) para quem se interessa pelas nossas origens, costumes e mitologia. E aborda um fator que muito interessa aos que, como nós, almejam uma sociedade onde o consumo de álcool não seja nocivo, mas, sim, um direito primordial à união, celebração e resistência.

Em determinado trecho, o autor se dedica ao costume da cauinagem, ou seja, as festas coletivas à base do cauim, a bebida alcoólica obtida a partir da fermentação da mandioca ou do milho. "Nada ocorria de importância na vida social e religiosa que não fosse seguido de vasto consumo de certa bebida fermentada conhecida pelo nome de cauim", diz Métraux, que apoiou seu trabalho em descrições de visitantes do Brasil nos séculos XVI e XVII, como o português José de Anchieta e os franceses Claude d'Abbeville, Yves d'Evreux, André Thévet e Jean de Léry, entre vários de outros países.

Nos relatos, fica claro que a cauinagem era extremamente importante na medida em que determinava o consumo de bebida alcoólica como agente aglutinador, cultural e de identificação da "pátria" Tupinambá. Os invasores perceberam isso – e trataram de combatê-la. "A exortação da força, da coragem e da guerra está entre os saberes que mais sobressaem nessas práticas. Antes dos rituais antropofágicos e das guerras os índios bebiam e relembravam os atos de bravura, exaltavam a vingança e a luta contra os inimigos", destaca Maria Betânia Barbosa Albuquerque, da Universidade do Estado do Pará (UEPA), no trabalho acadêmico "Mulheres Tupinambá, beberagens e saberes culturais".

"Em função disso (mas não apenas), a prática das beberagens foi fortemente combatida pelos colonizadores católicos, posto que configurava-se como obstáculo ao processo colonizador. Desse modo, extinguir as cauinagens era o meio de viabilizar a catequese e a expansão da cristandade", prossegue o texto (dentro disso, as comparações utilizadas pelo inacreditável Reinaldo Azevedo em um inacreditável artigo sobre o PT na Veja - disponível aqui - ficam extremamente reveladoras sobre quem são e qual é o papel dos explorados e exploradores na sociedade brasileira atual). O que me chamou a atenção foi o fato de que os invasores brancos não proibiram a bebida alcoólica, mas sim a forma, o ritual e a finalidade com a qual os índios a consumiam. Daí, podemos fazer um interessante paralelo com os dias atuais.

Afinal, todos defendemos a bebida como celebração coletiva, ritual de aglutinação, amizade e exaltação de nossos valores, feitos e identidades culturais - o alicerce de integração proposto pelo Manguaça Cidadão. E não como um processo de degradação individual, os casos de alcoolismo crônico e gratuito de nossos tempos (sintoma de uma sociedade egoísta, consumista e segregadora). Quando acabaram com a cauinagem, os brancos exterminaram os índios, sua sociedade e seu mundo imaginário. "As beberagens tinham (...) uma finalidade essencialmente pedagógica, posto que transmitiam a memória coletiva, incutiam valores, perpetuavam a tradição e promoviam a resistência indígena aos ditames da colonização", reforça Maria Betânia Albuquerque, no trabalho acadêmico que citei acima.

Outro fator importante destacado pela pesquisadora é a importância atribuída às mulheres na sociedade Tupinambá, a partir do rito fundamental da cauinagem. Isso porque a matéria-prima do cauim era cozida, mastigada e recozida para a fermentação, para que as enzimas presentes na saliva humana pudessem quebrar o amido em açúcares fermentáveis. E esse trabalho era destinado exclusivamente às mulheres. Mais uma vez, podemos contrapor os valores de comunhão e papéis sociais dos indígenas ao mundo "globalizado" e "aberto" de hoje, pelo caráter extremamente masculino do mercado e da propaganda de bebidas, com a utilização da mulher como mero objeto.

Bom, melhor não escrever um post quilométrico. Quem quiser e conseguir encontrar o livro "A religião dos Tupinambás" (disponível em muitos sebos), certamente vai achar centenas de percepções ainda mais interessantes. Por fim, gostaria de destacar que a Cervejaria Colorado, de Ribeirão Preto (SP), desenvolveu o estilo Cauim (foto ao lado), que leva farinha de mandioca em sua fermentação. Uma digna e louvável homenagem à bebida que nossos ancestrais utilizavam para manter sua sociedade unida, feliz, saudável, consciente de seu valor e resistente. Bons tempos aqueles!

Ps.: Ao abordar o caráter social da bebida alcoólica, sempre é ocasião de recuperar o filósofo espanhol Javier Esteban, que defende o direito de ficar bêbado, e o poema do francês Arthur Rimbaud, que proclama: "Embriaguês sagrada/ Nós te afirmamos método". Clique nos links e confira.