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sexta-feira, outubro 03, 2008

Baú de Campanha: as eleições paulistanas de 1988

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As eleições municipais de 1988 em São Paulo são tidas como uma das grandes zebras do período pós-redemocratização. O candidato do então PDS Paulo Maluf liderou durante a maior parte do tempo as pesquisas, enquanto o PMDB, fortalecido pela conquista do governo do estado em 1986, tentava vencer a eleição na capital após a derrota em 1985 . Por fora, estava o PT, que apresentava uma ex-integrante das Ligas Camponesas da Paraíba como candidata à prefeitura.

Luiza Erundina emigrou para a capital paulista em 1971, por conta da repressão ao movimento no campo pela ditadura militar. Tornou-se presidente da Associação Profissional das Assistentes Sociais de São Paulo e foi chamada por Lula, junto com outras lideranças sindicais, para fundar o Partido dos Trabalhadores em 1979. Dentro do partido, começou sua trajetória de conquistas na política. Em 1982, foi eleita vereadora na capital paulista e, quatro anos mais tarde, deputada estadual.

Para ser candidata do PT à prefeitura de São Paulo, Erundina teve que disputar uma prévia onde enfrentou o então deputado federal Plínio de Arruda Sampaio, candidato da corrente Articulação e apoiado pelos caciques do partido, inclusive pelo próprio Lula. Mesmo assim, teve 5.544 votos enquanto Plínio ficou com 3.982 votos. Curioso que, à época, o adversário de Erundina era considerado mais à direita, defendendo inclusive a necessidade de alianças, o que contrariava o curto histórico do partido. Mais tarde, sairia do PT e migraria para o PSol, após ser derrotado no PED de 2006.

A vida de Erundina e de seu partido não era fácil, como se pode notar nesta entrevista ao programa Roda Viva, logo depois de sua candidatura ser oficializada. O jornalista Boris Casoy é dos mais virulentos contra a petista, repetindo uma pergunta que, para ele, é “clássica”, sobre a crença da parlamentar em Deus. Uma de suas dóceis questões é “Deputada, a senhora fala em espaços democráticos e democracia, prevê obediência à lei. A senhora tem apoiado, quando não promovido, invasões de terrenos urbanos em São Paulo ao arrepio da lei. Como a senhora pretende tratar esta questão das invasões, se é que a senhora vai parar de invadir, na prefeitura de São Paulo, se a senhora for eleita?”.

Ao final do programa, telespectadores telefonaram reclamando do tratamento dispensado a Erundina. A mídia, já anti-esquerda por natureza, se deparava com uma candidata mulher e nordestina. A eleição seria complicada...

A campanha

O hoje deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB) participou da empreitada de Erundina. Foi a primeira vez que os comunistas se aliaram ao PT em São Paulo, junto com o PCB. Antes, haviam se coligado com o PMDB (apoiando FHC em 1985). No livro No Olho do Furacão, Rebelo conta como estava o clima da campanha em 14 de setembro. À época, o pleito era disputado em turno único e a votação seria no dia 15 de novembro.

Maluf dispara nas pesquisas e chega perto de 40%, enquanto o índice de Erundina sofre uma pequena queda. Mas é o bastante para que a campanha, ainda em busca de afirmação, entre em zona de turbulência. Argumentamos que o crescimento de Maluf e o nosso ligeiro declínio não têm maior significado. Maluf cresce no vácuo das forças conservadoras que, entre ele, Leiva e a alternativa PSDB, depositam mais confiança no ex-governador de São Paulo.”

O candidato tucano era José Serra e o partido recém-criado utilizava da bandeira da ética para se diferenciar da agremiação-mãe, o PMDB. O jingle serrista trazia versos com trocadilhos feitos com o nome do candidato (Serra, serra, serra essa mamata...) e seu principal adversário era justamente o peemedebista João Leiva. A estratégia era chegar ao segundo lugar nas pesquisas e desbancar o ex-secretário do governador Quércia, canalizando os votos anti-malufistas. Mas, com a ajuda da máquina, Leiva já era o segundo colocado em outubro.

Com um Leiva estagnado e um Serra sem discurso, Erundina começa a subir nas pesquisas. A cinco dias da eleição, ela tem 19% e está empatada com o peemedebista; Maluf tem 28%. Um dia antes, uma tragédia. Trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) que ocupam a empresa são reprimidos pelo exército e pela PM. Em meio ao que se convencionou chamar de massacre, três operários mortos e uma centena de feridos.

A vontade de mudança tomava corpo e Erundina crescia na reta final. Aldo Rebelo conta uma história exemplar do engajamento que vinha naturalmente para a petista às vésperas da eleição. “Alexandrina, Irene e Conceição são pernambucanas, moram no fundão da Zona Leste e ganham a vida fazendo faxina e costurando para famílias de classe média. Ontem, elas receberam uma oferta para ganhar cinco mil cruzados cada uma para fazer boca-de-urna para o candidato do PDS, Paulo Maluf. São quase 15 horas e só agora elas estão tomando a primeira refeição do dia: um sanduíche de queijo que recebem na porta do colégio. Mas estão satisfeitas. Rejeitaram a oferta de cinco mil cruzados e fazem boca-de-urna, de graça, para Luiza Erundina e para o candidato a vereador do PCdoB”.

Sem urna eletrônica, a apuração é lenta. Os primeiros votos a chegar são das regiões mais nobres e centrais. A apuração na periferia começa a dar a vitória para a primeira prefeita de São Paulo, como conta Rebelo. Em Guaianases, ela tem 41% dos primeiros votos apurados, João Leiva fica em segundo com pouco menos de 20%, e Paulo Maluf fica em quarto, depois dos votos em branco.

Erundina vence com 29,84% dos votos, seguida por Maluf que fica com 24,45%. Leiva vem a seguir com 14,17% e o tucano Serra tem 5,59%, quase empatado com o candidato do PL João Mellão, que alcança 5,39%.

6 comentários:

Nicolau disse...

O jingle "João Leiva, mãos a obra! Nós precisamos de você!" é dessa eleição?

Anônimo disse...

Fiz campanha para a Luiza Erundina. Eu estava lá! Testemunha ocular da história.

neide

Anselmo disse...

essa idéia do boris casoy era mto difundida à época no discurso de certas elites (e de sua repercussão). Se dizia mto que a erundina faria algum tipo de reforma urbana tornando cortiços os casarões da cidade, uma coisa mto comum tbem para atacar o candidato Lula em 1989.

E vale lembrar que a Erundina saiu do PT muito tempo antes do Plínio.

Glauco disse...

O "Mãos à obra" acho que é dessa campanha sim. A Erundina saiu do partido antes do Plínio, por motivos - e com discursos - diferentes. E foi justamente a questão do discurso adotado hoje que fiz referência no post.

E não dá pra saber também se Boris Casoy acompanhava uma idéia difundida em meio à elite ou ajudou a difundir a idéia, já que a entrevistou logo depois da homologação da sua candidatura. Acho que a segunda hipótese é mais provável.

Poxa, Neide, você podia escrever um depoimento pra gente a respeito de como foi a campanha. Topa?

Mary W. disse...

obrigada pelo excelente post (e pelo link do roda viva).

Marcão disse...

Na época, eu tinha uma colega de escola que tinha acabado de se mudar de São Paulo para Taquaritinga. O pai dele era malufista fanático. Me lembro de um dia ter ido lá na casa deles e o pai do colega, ainda remoendo a derrota de seu candidato, ficou tirando sarro da Erundina porque ela tinha sobrevoado São Paulo de helicóptero e se espantado com a dimensão da megalópole vista de cima. Naqueles tempos, o malufismo era uma coisa de dar raiva, de tirar do sério. Hoje, é só pra dar risada.