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quarta-feira, abril 29, 2015

Antônio Abujamra (1932-2015), aquele que não se acostumou

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"Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas em redor. E porque não tem vista, a gente logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado, porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado, sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir, no telefone, '- Hoje eu não posso ir'. A sorrir paras as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar e a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro. Para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias de água potável. A gente se acostuma a coisas demais. Pra não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber. Vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.

Se a praia está  contaminada, a gente molha só os pés. E sua no resto do corpo. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo. E ainda fica satisfeito, porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma pra não se ralar na aspereza. Para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos. Para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta. Que se gasta de tanto se acostumar. E se perde de si mesma."

Antônio Abujamra recitando - magistral e perturbadoramente - o texto "Eu sei, mas não devia", de Marina Colasanti, no programa "Provocações", da TV Cultura. Assista: 



Em TEMPO:

Sobre a desvalorização do tempo e da vida: "Trato a depressão como um sintoma social, e o principal fator contemporâneo que produz o aumento da depressão é o aumento da velocidade com que a gente vive nosso tempo. Eu mesma estou aqui contando os minutos (daqui a pouco tenho de atender). É como se a gente tivesse uma urgência temporal que faz com que a vida perca completamente o valor. O tempo da experiência, da reflexão, todo o tempo da chamada vida subjetiva está sendo atropelado pelo tempo do capitalismo. Esse é o primeiro fator da depressão, essa desvalorização do tempo como tempo de vida. Como diz o professor Antonio Candido: 'O capitalismo se considera o senhor do tempo. Essa idéia do ‘tempo é dinheiro’ que rege a nossa vida é uma brutalidade. O tempo é o tecido da nossa vida'. Então, se você negocia a matéria-prima da sua vida, valendo dinheiro, a vida se desvaloriza. Se a vida se desvaloriza, para que viver? A depressão tem um pouco a ver com isso." - Maria Rita Kehl, psicanalista (leia íntegra clicando aqui).



quarta-feira, março 17, 2010

O líquido preto do capitalismo

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Nosso amigo fotógrafo Jesus Carlos, da Imagemlatina, costuma dizer que tem três coisas que se recusa terminantemente a consumir: comida de fast food, novela e Coca-Cola, que ele chama carinhosamente de "líquido preto do capitalismo". Porém, vemos nas fotos deste post que os camaradas cubanos Ernesto "Che" Guevara e Fidel Castro não tinham muita restrição a esse produto estadunidense. Pergunta maldosa: será que refresca greve de fome?

terça-feira, novembro 11, 2008

Governo francês quer clubes como empresas no futebol

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Seria a Lei Zidane? Ou a Lei Platini? Isso é um detalhe secundário e até improvável, mas o fato é que o governo francês apresentou um plano de 163 páginas que para transformar os clubes de futebol profissional em empresas. A legislação está prevista para sair em março de 2009, se tudo correr como pretende Nicolas Sarkozy. A notícia está no Valor Econômico (para assinantes).

No mês passado, Sarkozy anunciou que mandaria parar qualquer partida da seleção francesa em que o hino nacional fosse vaiado – no que foi duramente criticado por Michel Platini.

O cerne do projeto é implantar mecanismos de controle de gestão nos clubes, incentivar a construção de estádios privados e levar os times a funcionar como empresas. Clubes com dívidas serão impedidos de contratar novos jogadores, haverá limite de gastos e teto salarial para atletas contratados futuramente. A preocupação é com o crescimento do ordenado da turma da bola, que dobrou na França e cresceu 250% na Inglaterra.

Na parte de sanções aos clubes, a prática é bem diferentes das adotadas no Brasil, onde a Timemania foi a forma de se permitir arrecadar os recursos para pagar dívidas das agremiações com o INSS.

Tevê-dependência
O futebol francês é um dos que mais depende das cotas de TV na Europa, algo que lembra (com valores completamente diferentes) o que acontece no Brasil – com a diferença que, por aqui, a negociação de jogadores tem peso grande. Por isso, há medidas para melhorar os estádios e atrair mais torcedores. Eles ainda querem briga com a Comissão Européia, ao tentar restringir a cinco o número de estrangeiros de cada lado do campo.


O jornal faz uma comparação entre as receitas dos times da Inglaterra, Alemanha, Espanha, Itália e França. Os mais ricos são os ingleses, mas quatro clubes (Manchester United, Arsenal, Chelsea e Liverpool) detêm um terço dos 3,7 bilhõesde euros em dívidas, montante superior aos 2,3 bi de receita. Os italianos conseguem depender mais da cota da TV do que qualquer outro. Os alemães são os equilibrados que, proporcionalmente, mais faturam de promoção comercial (venda de patrocínio, de camisas e brindes, bem como do nome do estádio etc.). Na Espanha, 11 times caminham para a bancarrota.

Pelo jeito, não são só os brasileiros que sofrem com a crise. Mas que tipo de empresas seriam essas? O Blog do Santinha publicou ontem uma retrospectiva de dez anos da Lei Pelé e as divisões de base. O debate continua aberto.

quarta-feira, junho 25, 2008

Sociedade carente de valores públicos

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Li (com atraso), na edição 24 da Revista do Brasil, a entrevista que o Paulinho Donizetti, com colaboração de Xandra Stefanel, fez com a psicanalista Maria Rita Kehl (foto). Gostei especialmente do trecho em que ela afirma, com todas as letras: "A gente está numa sociedade muito carente de valores públicos, em que pouco se faz em nome do bem comum". Por isso, segundo ela, as pessoas acabam priorizando os valores individuais e de seu núcleo familiar conservador - o que explicaria, por exemplo, a indignação pública no caso da morte da menina Isabella Nardoni - que fere as regras de "bom comportamento paterno". Ao mesmo tempo, o debate coletivo sobre violência e segurança (principalmente com a ótica dos menos favorecidos) não interessa a ninguém.

E, a partir da constatação de que as pessoas assimilam cada vez mais conformadas o consumismo e a máxima capitalista "tempo é dinheiro", é possível relacionar várias "doenças sociais" aparentemente desconexas, como depressão e hipocondria, patrulhamento, morbidez, sensacionalismo, sectarismo, impunidade etc. Para mim, tudo isso influi diretamente na atitude política (ou apolítica) que uma pessoa possa assumir (ou se omitir) em uma coletividade. Abaixo, alguns trechos da entrevista de Maria Rita:

Conservadorismo e preconceito
Ser mãe biológica não é garantia de bons sentimentos, mas colocamos a mãe sempre num altar e usamos a madrasta para representar o lado escuro da mãe, desde os contos de fadas. E tem, ainda, um pouco da idéia de que família boa é aquela que tem o pai e a mãe biológicos e os filhos.

Morbidez e indiferença social
Por que quando há um atropelamento a maioria das pessoas pára para olhar? É porque a morte nos fascina. A morte, a violência fascinam, como todos os temas ligados àquilo que é mais reprimido na gente. Mas não há espaço de destaque para o assassinato de criança negra e pobre.

Impunidade e horror ao enfentamento
Basta ver o modo como terminou a ditadura: terminou, terminou, não se fala mais nisso. Não houve pressão para punir os ditadores. Agora acontecem algumas indenizações, mas não houve julgamento. Todo mundo foi perdoado e nem sequer pediu perdão. Nem se dá nome aos responsáveis. O brasileiro tem horror ao enfrentamento do conflito.

Desvalorização do tempo e da vida
É como se a gente tivesse uma urgência temporal que faz com que a vida perca completamente o valor. O tempo da experiência, da reflexão, todo o tempo da chamada vida subjetiva está sendo atropelado pelo tempo do capitalismo. Esse é o primeiro fator da depressão, essa desvalorização do tempo como tempo de vida. (...) Se você negocia a matéria-prima da sua vida, valendo dinheiro, a vida se desvaloriza. Se a vida se desvaloriza, para que viver?

Hipocondria, intolerância e consumismo
As pessoas começam a tomar antidepressivos porque estão numa sociedade que não tolera a tristeza, o abatimento, ou que você não esteja sempre apto a achar que a vida é maravilhosa. (...) O trabalho é cada vez mais competitivo, quanto mais depressa o cara estiver bombando de novo, melhor. E não tem a ver só com trabalho, mas com os imperativos do consumo. É isso que impede que as pessoas tenham o tempo que precisam para se recuperar das quedas, perdas, crises.

Conformismo e vício televisivo
Essa modulação de ritmo, que permite que você tenha em contraposição ao ritmo acelerado do trabalho um tempo do lazer ou do ócio, vai se perdendo. E o que a gente tem como ócio hoje em dia? Deitar no sofá em frente à TV. As pessoas falam: 'Ali eu me desligo'. Mas uma parte está ligada, senão você não ficaria vendo televisão; ficaria ouvindo música ou em silêncio, pensando. A televisão reproduz essa velocidade.