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sexta-feira, maio 16, 2008

Pais incentivam crianças de até 10 anos a beber

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O ditado "é de pequeno que se torce o pepino" poderia muito bem ter o final mudado para "que se torce o fígado". Uma pesquisa recente sobre consumo de drogas entre adolescentes nas capitais brasileiras confirmou que são os pais que incentivam as crianças a começarem a beber. Em Belém (PA), por exemplo, o estudo ouviu crianças que usavam álcool antes dos 10 anos. O estudo foi elaborado em 2004 pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), com estudantes das redes de ensino pública e privada. Na capital paraense, a amostra foi composta por 1.558 alunos, a maioria com idade entre 13 e 15 anos.

De acordo com o Cebrid, mais da metade dos entrevistados (57,5%) já consumiu álcool pelo menos uma vez na vida. Apesar de ser proibida a venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos, muitas vezes crianças e adolescentes têm acesso a esse tipo de droga dentro da própria casa. Muitos deles vão às festas acompanhados de amigos mais velhos e acabam bebendo. "Os pais bebem na frente dos filhos e ainda mandam os meninos comprarem cerveja. A criança vai crescendo achando que beber é normal", diz Luiz Veiga, coordenador do Centro Nova Vida, entidade filantrópica referência no tratamento de dependentes químicos no Pará.

O psicólogo do Centro Nova Vida, Elton Fonseca, alerta que, na maioria dos casos, quando as famílias decidem procurar ajuda, a dependência dos filhos já está avançada. "Primeiro a família tenta negar que o filho é dependente e que precisa de tratamento. Depois, acha que só a internação resolve. Mas a família tem que ser tratada também, pois precisa saber como lidar com o usuário durante e depois do tratamento", observa Fonseca. Ele reforça que problemas de comunicação, dificuldades financeiras e falta de estrutura familiar são fatores que contribuem para o uso de álcool e outras drogas.

Eu sou um exemplo de consumo de álcool antes dos 10 anos. Meu primeiro porre, de chope, foi aos 6, num churrasco em que os adultos não estavam prestando atenção. Depois, passou a haver incentivo direto: entre os 9 e 11 anos, nos finais de semana, me permitiam beber um copinho de cerveja. Quando fiz 12, consumir bebida alcoólica já era a coisa mais normal do mundo para mim. Aos 14, os porres tornaram-se "profissionais". Mas isso cobrou seu preço: tive problemas com depressão, vontade compulsiva de beber, agressividade e, de uns anos para cá, as ressacas passaram a ser terríveis e não agüento beber dois dias seguidos, nem misturar bebidas. E acho que sou relativamente jovem para ter chegado a esse estágio...

8 comentários:

Maurício Ayer disse...

Marcão, uma ressalva.
O texto passa subrepticiamente do "já ter bebido" para a "dependência". Beber na frente das crianças, qual o problema? E que a criança ache que beber é normal? Afinal, beber é normal.
O buraco é mais embaixo, o que leva alguém a perder-se no vício é uma vida desestruturada em algum nível, ou todos. E os problemas na família, com os filhos, são conseqüência. Ou melhor, a desestruturação da vida se faz justamente de uma má qualidade na relação com as pessoas próximas, com o trabalho etc.
Uma relação aberta com os filhos no que se refere à bebida e às drogas me parece o melhor jeito de manter um uso saudável das tão necessárias drogas (como a manguaça). Um exemplo que me vem à mente é você mesmo: quantas vezes não bebemos na frente da Liz, e ela não me parece uma menina fadada ao vício, ao contrário, é amada e acolhida pelo pai e por seus amigos manguaças.
Eu vejo assim.

Marcão disse...

Não vou discordar 100% de sua opinião, Maurício, mas o "criança achar que beber é normal porque é normal mesmo" e a "relação aberta com os filhos" me parece muito aquele discurso: "pódexá, eu tenho controle total da situação". Meio perigoso isso...

Quero apenas fazer uma observação: bebo na frente da minha filha por falta de opção, se pudesse evitar, evitaria. Nunca levei ela comigo ao bar porque quis, apenas não havia ninguém que ficasse com ela. De toda forma, procuro hoje evitar isso ao máximo, pois ela está numa idade crucial, entre 5 e 6 anos.

Esse é outro ponto: ao contrário do que ocorreu comigo, ficarei totalmente alerta para que ela não experimente bebida nesta idade. E também não servirei, por livre e espontânea vontade, qualquer tipo de bebida a ela. Sou um manguaça assumido, mas totalmente consciente de que se trata de uma droga (ou antes, uma substância potencialmente tóxica ao organismo) e que, quanto mais a pessoa adiar o início no consumo, e quanto mais orientação tiver sobre isso, melhor.

Nunca mandarei minha filha comprar ou pegar uma bebida para mim, por exemplo. E também não deixarei de admitir que o álcool faz mal e que errei muito ao abusar e prejudicar minha saúde, sem contar as inúmeras situações ruins ou constrangedoras vividas nos excessos. Gosto de manguaçar, mas cada coisa em seu lugar.

Thalita disse...

Então... meu primeiro "porre" foi meu avô que me proporcionou. Me entopiu de pão molhado no vinho quando eu tinha uns 8 anos. Passei mal, claro, e nem sabia direito o motivo.
Meu irmão mais velho, juram meus pais, um dia pediu cerveja quando tinha mais ou menos 1 ano de idade. Ele tomou uns golinhos e parou de encher o saco.
Meu irmão mais novo, mesmo com toda a liberdade, nunca bebeu. Hoje tem 19 anos e não bebe.
Em casa, beber sempre foi algo natural. Mas também não era uma coisa que se fazia todo dia. Nem todo final de semana, pra ser justa. Além de tudo isso tinha a padaria, na qual entramos em contato com uma variedade imensa de bebidas baratas.
Ainda assim, não nos tornamos dependentes. Nem tivemos problema algum com o álcool que não fossem uns porres de vez em quando. Eu não sei o que leva uma pessoa ao vício, fisicamente falando. Acredito que algumas pessoas têm predisposição a ficar viciadas. O contexto familiar só aumenta ou diminui o risco. Mas claro que é uma opinião, não algo que eu saiba de verdade como funciona.
Concordo com o Maurício. Beber é normal sim. As crianças têm que saber que o álcool existe e ao que ele se destina. Não pode ser proibido completamente para as crianças, nem incentivado.
Mas algumas vezes as coisas vão sair do controle, isso é inevitável.

Glauco disse...

Fatores sociais como o ambiente da casa podem contribuir para o alcoolismo, mas o componente hereditário existe. Claro que não se deve dar bebidas a crianças, mas beber é algo interessante pro convívio social e as pessoas bebem também porque o gosto é bom. Ou quem curte cerveja de fato toma Nova Schin só pra "ficar doido"? Alguns o fazem, mas aí é o caso de tratamento mesmo...

Anselmo disse...

o texto é interessante porque foge ao padrão do futepoca de fazer troça da manguaça.

Acho isso admirável.

Ao começar a ler, achei que fosse resultado de uma ressaca mais brava. Ou uma sequência de ressacas bravas... Depois comecei a achar que era um recado aos outros autores ou aos leitores... "Será que é pra mim?", pensei. "Melhor mudar de assunto."

O tema realmente tá na pauta. a Folha soltou uma lista da bancada da cerveja, de deputados que tiveram contribuições de fábricas do fermentado de cevada, malte e lúpulo em suas campanhas. Quem encabeça a lista da Folha é o ex-ministro da educação Paulo Renato... tá aqui , para assinantes, a resposta dos deputados.

Uma mobilização tenta garantir a aprovação de um projeto de lei que restrinja mais a publicidade de bebidas...

Não sou a melhor pessoa para avaliar como se deve proceder sobre consumo de bebidas com os filhos. Claro que nenhum gosto ou hábito dos pais passa automaticamente para os filhos – vide brigas para fazer a criançada comer legumes, pra usar a pior comparação que me ocorreu. Mas o alerta do médico é lembrar que as pessoas demoram pra perceber quando o goró se torna um problema. Inclusive ou principalmente pros filhos.

Só tem um problema: não sei o que fazer com esse conjunto de ponderações.

Marcão disse...

Então bebe, que tudo se esclarece.

Maurício Ayer disse...

Opção sempre tem, Marcão, que é não ir ao bar ou não beber. Acho que estou mesmo com a Thalita na argumentação.
É preciso ter cuidado, e falar abertamente de riscos, mas também não negar que a manguaça é um elemento essencial em horas de muita alegria na vida, que é algo que se compartilha com os amigos. Eu acho que beber responsavelmente é a primeira e melhor lição.
De minha experiência pessoal, lembro-me quando, aos 12 anos, meu pai me pegou pra conversar, falando justamente dos manguaças da família e que eu provavelmente tinha o gene do alcoolismo, i.e., a tal propensão hereditária, que ele mesmo, que nunca foi alcoólatra, longe disso, dizia ter também. Então eu deveria tomar cuidado.
E corri muitos riscos por causa da bebida, coisa que eu não recomendo a ninguém, como quando tinha lá meus 19, 20 anos e dirigia completamente bêbado voltando da balada. Mas eu não era o único, alguns amigos com pais ultrarrepressores faziam coisas bem piores.
A questão é não mascarar essas coisas.
Dar de beber aos filhos, mandar comprar, etc., jamais. Mas no momento oportuno, cuja idade não há como pré-definir, meu filho vai ter também a experiência da manguaça, e espero que seja boa, saudável, sem tabus e sem mistificações, para poder compartilhar momentos bons com seus amigos.

Marcão disse...

Na verdade, estamos todos falando a mesma língua, nos seguintes pontos:

1 - Não é legal dar bebidas a crianças, nem mandá-las buscar ou comprar. Na minha infância isso acontecia;

2 - A bebida faz parte do convívio familiar e social, deve-se apenas moderar e conversar amigavelmente com as crianças. Na minha infância ninguém prestava atenção, eu bebia e nunca ninguém veio conversar sobre álcool comigo;

3 - Tornar-se ou não um viciado depende da pessoa e de inúmeros fatores, em maior ou menor grau, como hereditariedade (ou genética), meio, local, oportunidade, personalidade etc. E também precocidade (o que seria salutar ser evitado). No meu caso, tive problemas com bebida por uma mistura de tudo isso.

4 - O assunto é sério e, como disse o Anselmo, é bom deixar a troça de lado de vez em quando. Mas nem tanto ao mar, nem tanto à terra: não é questão de reprimir, proibir ou esconder, isso é hipocrisia. Mas também não deixar ao Deus dará, como considero que aconteceu comigo e com muitos dos adolescentes pesquisados no Pará. Porque o acesso livre e o consumo indiscriminado de álcool é, ainda, um problema muito grave no País, com conseqüências lamentáveis;

5 - Manguaçar é bom e essencial, sim, em momentos de alegria. Porém, apesar de saber que meu pai não tem culpa nenhuma em relação a mim, pois em sua infância crianças beberem eram o status quo no rincão de onde veio, não vou reproduzir a vista grossa (ou mesmo o incentivo) com minhas filhas. É só isso o que quis argumentar.