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sexta-feira, outubro 10, 2008

Marta, politize a eleição!

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Em 1994, durante a campanha presidencial, passava pelo Vale do Anhangabaú quando presenciei um diálogo entre um rapaz que tomava conta de uma barraquinha do PT e um transeunte. O pedestre provocador brincou: "De novo o Lula? Esse não vai ganhar nunca!". O petista respondeu, raivoso: "Claro que não vai. O povo é burro".

Pensei comigo que se os militantes tivessem essa atitude, Lula não venceria nunca mesmo. O tempo passou, o partido e seus adeptos mudaram, assim como a cena política. Mas quando vejo alguns e-mails circulando "culpando" a população por dar a vitória a Kassab no primeiro turno, o fantasma desse petista de 94 volta à minha mente.

Desnecessário dizer que existe uma carga de preconceito muito grande contra Marta Suplicy, por inúmeras razões. Também fica claro que a classe média paulistana, inclusive muitos daqueles que ascenderam à classe C, portam valores segregacionistas e que colaboram para perpetuar a desigualdade que ofende qualquer pessoa com o mínimo de sentimento de justiça social. Mas, para se vencer uma eleição, é preciso trabalhar com esses dados, só lamentar ou xingar não adianta. E não dá para dizer também que todos os eleitores de Kassab são preconceituosos ou elitistas e aí está o "X": saber porque essas pessoas votam nele.

O PT ganhou duas eleições municipais na capital paulista. Ambas graças, em grande medida, ao voto útil anti-malufista que trouxe parte da classe média para junto das candidatas do partido. Com a derrocada do malufismo, o PSDB e agora Kassab ocuparam o posto de opositores ao PT e, pior para Marta, o alcaide não carrega a enorme rejeição que o pepista Maluf sempre trouxe consigo.

Portanto, resta a Marta fazer algo que não foi feito no primeiro turno: tentar desconstruir a administração Kassab. Dizer que ele teve mais dinheiro à disposição na prefeitura é praticamente admitir que ele fez uma boa gestão, uma capitulação antes da hora. É preciso atacar os pontos fracos e que afetam o dia-a-dia da população. Um deles é o trânsito que se encontra nessa situação caótica também por conta dos parcos investimentos feitos no transporte coletivo nos últimos quatro anos. A gestão de Marta tinha um bom plano para a área com a construção de corredores em toda a cidade, que foi praticamente abortado pela atual administração. Por que não discutir isso? Porque aceitar a agenda imposta por Kassab com o lenga-lenga do investimento do metrô, algo que não vai representar melhora a curto ou médio prazo, algo que o paulistano exige ou deveria exigir?

Marta adotou jingles da campanha de Lula, mas poderia adotar também uma atitude que ajudou o petista a superar Alckmin no segundo turno em 2006. Ali, ele politizou o debate quando colocou em pauta a questão da privatização e encurralou o tucano. Por que não fazer o mesmo com Kassab, comparando as prioridades de cada uma das duas administrações – a antiga e a atual - e também cobrando dele posições tomadas como deputado federal e secretário de Celso Pitta? Mesmo que venha a perder, Marta estará dando uma contribuição importante a um processo eleitoral tão pobre em idéias e discussão política de fato.

*****

Em tempo. Assim como Marta foi alvo de ataques homofóbicos na eleição de 2000, agora Kassab também vem sendo vítima do mesmo tipo de expediente. Além de ser algo absolutamente condenável, é um tiro no pé de quem acha que isso hoje em dia ainda funciona.

Publicado originalmente no Blog do Rovai

8 comentários:

Thalita disse...

Eu acho que, pela ausência do Maluf dos velhos tempos na eleição, o debate está sim mais politizado do que nunca. Antes, a discussão era sobre corrupção, rouba maz faz (o que favorecia Maluf, porque fazer ele fazia, mas fazia as coisas erradas para a cidade).

Agora, pelo menos existe um enfrentamento de projetos. Só que aí a Marta está levando desvantagem, porque o Kassab se apropriou de muitas coisas que ela implantou na prefeitura e está levando a melhor.

E está ditando a agenda mesmo, como bem disse o Glauco. Metrô? Fala sério, só tem que falar de metrô pra criticar a atitude de Kassab de dar dinheiro municipal para o metrô sem implantar os corredores de ônibus, que são de sua alçada. Em várias entrevistas que fiz com pessoas da secretaria de transportes na gestão Kassab, não ouvi uma crítica à idéia dos corredores. No máximo algo contra problemas específicos, como falta de pontos de ultrapassagem, algo que pode facilmente ser resolvido. Mas executar que é bom nada. Por que isso?

Pontos fracos o Kassab tem. Resta à campanha, que até agora se mostrou lenta ao acompanhar o ritmo da do Kassab, achar os piores e mandar bala.

Nicolau disse...

Assino embaixo. Falta substância em todas as campanhas, todas as propostas soam parecidas e cosméticas. Combater essa despolitização também papel de um partido e de uma candidatura de esquerda. A administraçaõ Marta foi, na minha opinião, muito boa, com ganhos para toda a população, mas preferencialmente para os mais pobres e moradores da periferia. Mas corredores de ônibus, novos veículos nas linhas e melhor gestão do trânsito na cidade não beneficiam apenas os mais pobres. Esperamos que no segundo turno a campanha consiga mostrar esses ganhos e fazer uma discussão de fato de projeto para a cidade.

Anselmo disse...

Só acho que a gente não pode tirar os méritos da campanha do Kassab por fazer esse movimento.

E tem que criticar a campanha da marta pode deixar ser pautada. Em 2004 quem ditou o ritmo também foi a campanha do Serra. Como disse a brunna outro dia, não é dizendo "te amo são paulo" que ela reverte voto.

Olavo Soares disse...

Texto brilhante, nada a acrescentar.

r_evangelista disse...

muito muito bom

essa depolitização é geral, talvez a campanha seja só um reflexo. tempos difíceis.

Marcão disse...

Mais uma "ata" de conversa em fórum adequado. Perfeito o texto.

Glauco disse...

Na verdade, o post foi feito antes da reunião do fórum.

Fernando Augusto disse...

"Assim como Marta foi alvo de ataques homofóbicos na eleição de 2000, agora Kassab também vem sendo vítima do mesmo tipo de expediente. Além de ser algo absolutamente condenável, é um tiro no pé de quem acha que isso hoje em dia ainda funciona."