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Muitos que avaliam o
cenário eleitoral de São Paulo fazem alusão à polarização
PT-PSDB como praticamente uma “tradição” na cidade, talvez
influenciados por um cenário que se repete nas disputas
presidenciais desde 1994, com os dois partidos ocupando sempre as
duas primeiras posições. No entanto, na capital paulista, isso não
é verdade.
De 1988 a 2000, a
grande polarização paulistana foi entre dois projetos: o do PT e o
de Paulo Maluf; um que representava aspirações populares de
centro-esquerda; outro, com um ideário mais conservador,
já encarnado, de formas distintas, por políticos anteriores como
Jânio Quadros e Adhemar de Barros. Nesse período, o PMBD e o PSDB
ocuparam os governos estaduais mas sequer chegaram ao segundo turno
na capital paulista. Em 1988 (quando ainda não havia dois turnos), o
governador Orestes Quércia, no auge da sua popularidade, não
emplacou João Leiva . Seu sucessor, Fleury, viu seu candidato,
Aloysio Nunes, ficar de fora da disputa final em 1992. Em 1996, mesmo
à frente dos governos federal e estadual, os tucanos e o ex-ministro
José Serra viram da arquibancada Pitta e Erundina concorrerem no
segundo turno. A força de Covas em seu segundo mandato no governo do
estado também não foi suficiente para levar seu pupilo Geraldo
Alckmin à volta final em 2000.
Em 2004, pela primeira
vez, os tucanos foram ao segundo turno, com José Serra. Àquela
altura, o ex-presidenciável era um político com perfil bem distinto
daquele que ficou em quarto lugar na disputa de 1988. Foi o seu
discurso de cunho conservador que roubou os corações partidos dos
eleitores de Paulo Maluf, então um quase cadáver político adiado
que ainda iria para a disputa em 2008, já sem condições de ser um
candidato competitivo. O afilhado de Serra, Gilberto Kassab, venceria
as eleições de 2008, deixando fora do segundo turno o candidato do
PSDB (mas não de Serra), Geraldo Alckmin.
Aí está o xis
que mostra o mapa das duas últimas eleições paulistanas. Foi a
decadência do malufismo que permitiu a ascensão do grupo
representado por Serra/Kassab (PSDB/DEM, depois PSD). A prisão pela
Polícia Federal, a investigação da Interpol e a trágica gestão
de Celso Pitta (não necessariamente nessa ordem de importância)
acabaram com a carreira de Maluf, mas o ideário representado por ele
não pereceu.
Trocaram-se os nomes,
mas a postura, o discurso e as ações permaneceram praticamente as
mesmas. Nesse sentido, poucas coisas são tão reveladoras como uma
entrevista dada pelo então prefeito de São Paulo em 1995, ao Roda
Viva, da TV Cultura.
Na ocasião, Maluf já
era um prefeito bem avaliado e, caso existisse o instituto da
reeleição, talvez fosse agraciado com um novo mandato. Mas boa
parte de sua popularidade estava ancorada em um discurso moral,
daquele que dita comportamentos e, acima de tudo, estabelece condutas
e proibições. Havia obrigado os paulistanos a usar cinto de
segurança, o que não foi uma decisão pacífica, a despeito de ser
apoiada pela maioria da população.
Mas o assunto que
dominou mais de um terço da entrevista, levando-se em conta a
transcrição, foi a proibição do fumo dentro dos restaurantes,
obrigando a que os estabelecimentos usassem “fumódromos”, nos
quais era proibido servir comida. Maluf utiliza praticamente todos os
argumentos que seriam usados por José Serra anos mais tarde, na
ocasião em que radicalizou a restrição ao fumo quando governador,
em
2009, e, ainda, transformá-la em grande
bandeira eleitoral.
E sobre o cigarro, não é
problema do governo federal e nem do governo do estado, é um
problema das prefeituras fazerem suas próprias legislações. Então,
nós achamos que temos que defender primeiro o não
fumante. Segundo pesquisa do seu jornal, do DataFolha (ele
se dirige ao mediador Matinas Suzuki Junior), indica que 75% da
população não deseja que se fume nos restaurantes, e 19% deseja.
Isso quem diz é o seu jornal, o Data Folha. E mais, o seu jornal diz
o seguinte: 67% dos fumantes desejam que não se fume nos
restaurantes, então, não é contra fumante, é
contra o fumo no restaurante.
Maluf, em 1995
----
"O noticiário está meio
enviesado, parece que a gente está querendo diminuir o fumo daqueles
que já fumam. Claro que se o sujeito puder não ficar fumando,
melhor, mas a lei é para proteger aqueles que não fumam
e são mais prejudicados pela fumaça que sai dos cigarros"
---
Ambos também citam cidades do
exterior como exemplo a seguido, entre outros argumentos
coincidentes. Aqui, não é o caso de entrar no mérito de ambas as
leis, se foram (ou são) benéficas ou não, mas sim atentar à forma
semelhante com que ambos a fizeram: sem discussão ou participação,
baseando-se em pesquisas de opinião como verdades incontestes, sem
admitir que pudessem haver soluções intermediárias ou
alternativas. E também é o caso de ressaltar a centralidade que
esse tipo de proibição adquiriu como “realizações” de ambos.
Maluf, no Roda Viva, inclusive
“antecipou” a existência da Lei Seca, necessária, mas não na
sua versão draconiana, como lembra Túlio Vianna
aqui.
Esse trecho da entrevista do Roda Viva, é novamente revelador:
Nirlando Beirão:
Às vezes, eu sinto que o senhor tem o prazer de proibir as coisas,
sabia?
Paulo Salim Maluf:
Por exemplo?
Nirlando Beirão:
Proibir. Ditar normas de comportamento pessoal. Deixa a pessoa fumar.
Paulo Salim Maluf:
Por exemplo, além do negócio de fumar, o que mais que foi proibido?
Nirlando Beirão:
O negócio do cinto de segurança. Eu tenho que andar com aquilo me
amarrando?
Paulo Salim Maluf: Eu
acho que salva a tua vida.
Nirlando Beirão:
Prefeito, mas eu posso decidir sobre isso? Não posso, prefeito?
Paulo Salim Maluf:
Não, eu acho que você não deve decidir sobre isso. Vou dizer
porque: porque se você quiser decidir sobre isso, você está
pregando, não o Estado de
direito, mas o Estado de anarquia. Existe uma estatística na cidade
de São Paulo.
Matinas Suzuki:
[Interrompendo] Prefeito, o álcool faz mal. O senhor vai proibir o
álcool na cidade de São Paulo?
Paulo Salim Maluf:
O álcool, nós não vamos proibir.
Matinas Suzuki: A
motocicleta é perigosa. Motocicleta não anda mais em São Paulo?
Paulo Salim Maluf:
Já se proibiu o álcool. Já se proibiu o álcool nas beiras das
estradas.
Nirlando Beirão:
Os carros matam....
Matinas Suzuki:
[Interrompendo] Como já se proibiu o álcool, várias culturas já
proibiram tabagismo, como café já foi proibido, essas coisas vão e
voltam, prefeito, culturalmente, vão e voltam.
Paulo Salim Maluf:
Matinas, eu estava em uma estrada na França...
Matinas Suzuki:
[Interrompendo] O senhor faz um teste com um carro a trezentos
quilômetros por hora, o senhor vai proibir isso?
[sobreposição de vozes]
Paulo Salim Maluf:
Espera, então, espera um pouquinho aí. Eu fiz... Dá licença.
Matinas Suzuki:
[Interrompendo] o senhor pega o seu carro por prazer, que é a mesma
relação que tem com o cigarro, e a pessoa vai lá e pode fumar.
Então, o senhor deveria proibir também....
Paulo Salim Maluf:
[Interrompendo] Não, senhor, perdão, você está tergiversando.
Vamos falar, em primeiro lugar, sobre o álcool. O senhor me deixa
responder sobre o álcool ou não?
Matinas Suzuki:
Mas claro, pois não.
Paulo Salim Maluf:
Muito bem, eu estava numa estrada na França à noite, tinha um
comando, o comando me parou e eu tirei os documentos e ele me disse:
"não", e me deu um bafômetro. Os documentos não
interessavam a ele, ele queria saber se eu tinha bebido e se estava
guiando na estrada. De maneira que eu acho, se as autoridades
brasileiras fossem, quem sabe, um pouco mais severas para fiscalizar
os motoristas nas estradas para saber se bebem ou não, provavelmente
alguns acidentes não teriam acontecido. Ninguém sabe se esse
acidente de ontem no Rio de Janeiro que matou quinze pessoas, se o
motorista não tinha bebido antes. Inclusive, há um decreto aqui no
estado de São Paulo que proíbe os bares à beira de estradas de
vender álcool, e eu acho que está perfeito.
É interessante observar que os
entrevistadores pressionam Maluf no que diz respeito a seu ímpeto
proibicionista, algo presente em todo programa.
No entanto, tratamento similar não
foi dispensado a José Serra anos mais tarde pela imprensa em geral.
É claro que a simpatia dos grandes veículos pelo tucano entra na
conta, mas será que, culturalmente, muita coisa não mudou também,
principalmente em São Paulo? Passamos a aceitar todo tipo de
proibicionismo, alguns até com sentido, outros desprovidos de
qualquer senso de justiça ou respeito como a
rampa anti-mendigo, sem questionar? Em suma, a maioria ou muitos de nós pensa hoje como Maluf pensava em 1995 em relação ao proibicionismo?
O grande feito de Gilberto Kassab na
capital paulista foi a Lei Cidade Limpa, uma série de restrições à
publicidade de rua, atingindo também praticamente todos os
estabelecimentos comerciais em São Paulo. Também empreendeu sua
sanha de proibições contra camelôs, artistas de rua, venda de
cachorros quentes, distribuição de sopão, bares (esta ele deve a
José Serra, que aumentou a repressão aos botecos), incluindo uma
tal
Lei
Seca na Virada Cultural etc etc etc. Seguiu a linha do seu antecessor, representando também o antigo Jânio e, sobretudo, Maluf, que redescobriu o poder eleitoral do ato de "cercar" os cidadãos e impor. Está tudo lá, na entrevista do Roda
Viva (vale
ler)
de 1995.
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Foi Maluf que fez? |
Paulo Maluf encarnou o espírito conservador que repousa em parte da sociedade de São Paulo. Bebeu da fonte de Jânio, o reinventou, e foi
vanguardista nas ações proibicionistas que conquistariam as mentes de Serra e
Kassab. Hoje, dado como morto politicamente, vê um
pupilo seu, Celso Russomanno, fazer
uma campanha de cunho semelhante às suas, vertendo reacionarismo,
liderando as pesquisas. Vê Serra desfilar obras (que o tucano
começou, que pegou no meio, que concluiu, que são de Alckmin, de
Kassab, mas que, na propaganda são suas, todas...) e vestir o manto
antipetista e conservador com todo gosto, como o próprio Maluf
fazia nos seus melhores momentos. Ainda tripudiou do petismo, seu
inimigo de sempre na cidade, ao exigir a foto mais polêmica da
política dos últimos tempos. Não concorre a cargo nenhum, mas seu ideário está mais presente do que nunca.
Alguém tem dúvida de que Maluf é
um vencedor?