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sexta-feira, outubro 10, 2008

Coronel Ustra é responsabilizado por tortura

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A Justiça de São Paulo tomou ontem uma decisão que não parecia ser factível. Apontou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra como responsável por atos de tortura praticados contra César Augusto Teles, Maria Amélia de Almeida Teles e Criméia Alice Schmidt de Almeida. Eles foram presos em 1972 e torturados nos porões da ditadura.

Como a Lei da Anistia está aí, toda pimpona, para impedir que os responsáveis pela tortura no período da ditadura militar sejam punidos (há controvérsias aqui e aqui), a ação é meramente declaratória. Serve para que ele seja formalmente apontado como responsável pelas torturas que aconteceram sue seu comando.

Não é nada, não é nada, é coisa pra caramba num lugar em que muita gente, quando ouve falar em punição para torturadores, já manda um "mas tem que punir os torturadores de esquerda", como se a luta armada contra o regime tivesse torturado alguém.

Cabe recurso à decisão. Esperemos que todas as decisões sejam como esta e que possamos discutir um tema tão importante como adultos. Está na hora de perceber que sem punição, a tortura praticada pelo Estado continua, como vemos nas ações policiais por aí.

segunda-feira, setembro 08, 2008

Ditadura enquadrava filhos de pais alcoólatras

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O camarada Jesus Carlos, do blogue Fotografia, Cachaça & Política, me alertou para um texto publicado pelo portal Terra na quinta-feira, dia 4, sobre a perseguição dos militares brasileiros aos filhos de pais alcoólatras, nos tempos da ditadura. A matéria conta que, durante pesquisas em arquivos da Universidade Federal da Bahia (Ufba), o antropólogo e professor Roberto Albergaria encontrou um documento "confidencial" elaborado em 20 de dezembro de 1974 pela 2ª Seção (setor de inteligência) da 6ª Região Militar. Na época, o informe datilografado, com carimbos do Exército, foi destinado ao reitor da Ufba e da AESI (Assessoria Especial de Segurança e Informação), braço do SNI (Serviço Nacional de Informações) na universidade. Entre outros absurdos, o documento dizia:

Para preservar as Universidades, as Escolas de Estudos Superiores e de Pós-Graduação do iminente perigo do terrorismo marxista e impedir que esses Centros Culturais continuem sendo refúgios e permanente instrumento de delinquentes políticos e focos de propagação de ideologias deletéricas e escusas, recomendamos as normas seguintes:

1°) - Investigar os antecedentes pessoais e familiares dos alunos, notadamente no que concerne a registros penais, políticos e psiquiátricos em membros de seus ascendentes e afim;

2°) - investigar sobre alunos provenientes de lares desfeitos ou de pais alcoólatras, contraventores, desidiosos ou de classe social muito baixa;


E por aí vai. O autor do texto do Terra, Claudio Leal, traduz o surreal informe de maneira sarcástica: "Leitura ao rés-do-chão: o militante político era levado à luta armada pela desagregação familiar, as sagatibas do pai e a pindaíba". O que nos leva a imaginar que, naqueles tempos nefastos, até nos butecos tinha agente infiltrado para observar casos "suspeitos"...

sexta-feira, agosto 29, 2008

Raul Seixas enfiou o AI-5 na Jovem Guarda

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Outro dia eu tava assistindo o programa "Letras brasileiras", comandado pelos músicos Roberto Menescal e Oswaldo Montenegro no Canal Brasil, e o tema era Jovem Guarda. Convidaram o Jerry Adriani (foto à direita) e, ao som de três violões, relembraram sucessos do iê-iê-iê brasileiro dos anos 1960. Lá pelas tantas, o papo entre eles enveredou pela mítica alienação das letras da Jovem Guarda, que nada falavam de política. Foi aí que Adriani contou um causo fantástico envolvendo ele e o Raul Seixas. Mas vamos começar do começo: na metade daquela década, a polêmica cantora Nara Leão, que já havia desagradado o pessoal da Bossa Nova ao abraçar o samba de morro, resolveu chatear mais ainda ao engatar um namoro com o galã suburbano Jerry Adriani.

Para completar a salada, ela fez uma viagem à Bahia e descobriu a anônima Maria Bethânia (e não hesitou em indicá-la como sua substituta no show "Opinião", dando o pontapé inicial na carreira da menina). Mas, ainda em Salvador, outro desconhecido interessante chamou a atenção de Nara: Raul Santos Seixas, 20 anos. Na volta ao Rio, ela falou tão bem do rapaz para o namorado Jerry que este, numa excursão à Bahia, contratou Raulzito e sua banda Os Panteras (foto acima) para ser seu conjunto de palco. Mais tarde, Raul começou a compor e oferecer músicas para Jerry, como "Tarde demais" e "Tudo que é bom dura pouco". Mas o grande sucesso dos dois seria "Doce, doce amor", parceria de Raul Seixas com Mauro Motta. É uma das musiquinhas melosas mais emblemáticas da Jovem Guarda, com o refrão "Doce, doce amor/ Onde tens andado?/ Diga, por favor/ Doce, doce amor".

Seria um exemplo perfeito do nível de alienação do iê-iê-iê do qual Menescal e Montenegro falavam, mas Adriani decidiu contestar. Segundo ele, Raul, já interessado em política, ficou prostrado com o AI-5 (Ato Instititucional nº 5), decretado em 13 de dezembro de 1968 (à direita), que extinguiu garantias dos brasileiros. Naquela semana, ele estava tentando botar letra numa melodia que havia feito - e que viria a ser "Doce, doce amor". E, sem entender muito bem o pretexto que os militares haviam usado para endurecer o jogo político, Raul lamentou a perda da nossa liberdade logo nos primeiros versos da canção: "Está fazendo uma semana/ Que sem mais nem menos eu perdi você/ Mas não sei determinar ao certo/ Qual foi a razão, meu bem vem me dizer". Pois é, o "doce amor" perdido era, na verdade, a democracia.

Ps.: O livro "Eu não sou cachorro, não", de Paulo César Araújo, fala exatamente dos protestos políticos escondidos nas músicas "bregas" da década de 1970 - supostamente, para os críticos, o nicho principal do som alienado (e alienante) nacional. Um exemplo é a canção "O divórcio", de Luiz Ayrão, lançada em 1977: "Treze anos eu te aturo e não agüento mais / Não há Cristo que suporte e eu não suporto mais". Não por acaso, naquele ano o golpe militar de 1964 completava exatamente treze anos...

domingo, agosto 24, 2008

Sangue falso não pode OU resquícios da ditadura

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Na tarde deste domingo fui à delegacia do bairro Paraíso, em São Paulo, onde ocorreu um ato (foto) em memória das vítimas do extinto Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), órgão de repressão e violência da ditadura militar brasileira (1964-1985). Uma das sedes do serviço funcionou no prédio da delegacia, na Rua Tutóia nº 1.000, e foi o local de suplício e morte de centenas de pessoas. A manifestação (foto) também aproveitou para reforçar o pedido de punição para os torturadores e mandantes, debate que repercute no país.

"A punição é fundamental, faz parte dos novos passos para a retomada da democracia no Brasil, que ainda não é completa", observou o jornalista e escritor Alípio Freire (à esquerda), um dos torturados pela ditadura que compareceu à manifestação. "A Lei de Anistia, de 1979, diz que não haverá punição para os crimes políticos e conexos, ou seja, que tenham conexão com eles, cometidos nos tempos da ditadura tanto pelos militares quanto pelas suas vítimas. Só que tortura e assassinato não são crimes políticos e nem conexos. São crimes de lesa-humanidade, imprescritíveis", acrescenta Freire, que foi preso em agosto de 1969 e torturado na Oban (Operação Bandeirante) e no Dops (Departamento de Ordem Política e Social) até dezembro daquele ano, ficando preso, depois, até outubro de 1974.

E ele tem razão ao dizer que a retomada da democracia ainda não se consolidou. Quando a manifestação pacífica em frente à delegacia já ia terminando, uma lata de tinta vermelha foi despejada no local (à direita) para marcar as violências e os assassinatos praticados ali. Ato contínuo, um policial (delegado ou investigador, não ficou claro) saiu aos berros da delegacia e mandou que limpassem o chão. Vaiado, o homem voltou para o prédio, mas ameaçava gritando que alguém ficaria detido pelo derramamento da tinta. Depois, saiu com uma máquina digital e fez fotos dos manifestantes, que se dirigiram para um espaço a um quarteirão dali. Mas, óbvio, não deu nem cinco minutos e baixou polícia no local.

Por sorte, todos conseguiram ir embora bem rápido, sem confusões. Mas a truculência serviu para deixar claro que o comportamento da polícia brasileira é mais uma herança maldita daqueles anos de chumbo.

quarta-feira, agosto 20, 2008

Tortura: 'Um crime previsto pelo direito internacional nunca prescreve', diz Cavallo

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Nosso colaborador Chico Silva fez uma didática entrevista com o ex-juiz argentino Gabriel Cavallo (foto) sobre a punição contra crimes de tortura para a edição da revista Carta Capital que circula com data de hoje. O texto, que tem início na página 12, integra a matéria de capa "Tortura, tema proibido?", que retoma o debate sobre a interpretação da Lei da Anistia e a pressão dos militares sobre o governo brasileiro. O tema repercute desde o mês passado na imprensa e também aqui no Futepoca.

Em 2001, Cavallo tornou inconstitucionais as leis Obediência Devida e Ponto Final na Argentina (semelhantes à nossa Lei da Anistia) e também os indultos concedidos pelo ex-presidente Carlos Menem. Em 2005, a Corte Suprema ratificou sua decisão. A partir de então centenas de criminosos tiveram de responder por crimes contra a humanidade, como assassinatos em massa, tortura e seqüestros ocorridos durante os sete anos de ditadura militar no país vizinho, entre 1976 e 1983. Muitos usam o argumento de que aqueles governos precisavam agir assim, pois as guerrilhas de cada país também usavam métodos violentos. Ou seja: se os crimes dos guerrilheiros foram perdoados, os dos militares também deveriam ser. Confira o que o ex-juiz Cavallos falou sobre essa lógica torta ao Chico Silva:

Um crime cometido por uma organização terrorista ou de esquerda não pode ser tratado da mesma forma que um delito cometido por um Estado. Um crime contra a humanidade é regido por três preceitos. Ele tem de ser autorizado por posições oficiais de poder, ser praticado e motivado por questões políticas, religiosas ou raciais e, por último, tem de ser sistemático contra uma determinada parte da população civil. Quando o Estado toma a decisão de atacar um grupo da população com o objetivo de exterminá-lo, aí temos um crime contra a humanidade. Foi o que aconteceu na Argentina e no Brasil. No caso contrário isso não se configura.

Difícil ou fácil? No mais, ainda sobre o tema tortura, segue abaixo um convite, enviado pelo Jesus Carlos, do blogue parceiro Fotografia, Cachaça & Política, para os que estarão na cidade de São Paulo no próximo domingo:

terça-feira, junho 03, 2008

O último canto do "maldito"

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Hoje faz uma semana que perdemos Austregésilo Carrano Bueno (foto), ativista da luta antimanicomial que inspirou o filme "Bicho de sete cabeças", de Laís Bodansky. Morreu no Hospital das Clínicas, em São Paulo (perto da minha casa, sem que eu soubesse), aos 51 anos, vítima de câncer no fígado. Fiquei mal com a história, pois conheci Carrano em 2001, no lançamento do filme em Fortaleza (CE). Na época, eu fazia assessoria de imprensa voluntária para a luta antimanicomial. Ficamos amigos, por assim dizer. Sempre nos encontrávamos para beber e conversar quando ele ia ao Ceará, trocávamos emails. Ele me contou o quanto os hospícios foram financiados pela ditadura militar, como alternativas de prisões políticas, e me presenteou com o livro "Canto dos malditos", base da versão cinematográfica. Só que o texto de Carrano, autobiográfico, é uma porrada no estômago, faz o filme parecer um conto de fadas.

Internado aos 17 anos pelo pai, que foi aconselhado por um amigo policial a agir assim depois de descobrir cigarros de maconha na jaqueta do filho, Carrano viveu quase uma década sedado, sofria agressões e sessões sádicas de eletrochoque - práticas comuns nos hospícios. Uma vez ele pediu para eu apalpar a base de seu crânio, perto da nuca, onde havia um desnível provocado pelas pancadas que dava com a cabeça quando era eletrocutado. Também mordeu e engoliu parte da língua numa dessas sessões de horrores. Na época que ele me deu o livro, a obra estava proibida por pedido judicial da família do proprietário do hospital espírita onde foi internado nos anos 1970. Carrano chegou a ser ameaçado de prisão e de pagar R$ 60 mil de multa pelo o que havia escrito e publicado. Seus emails falavam dessa briga.

Depois de ler "Canto dos malditos" fiquei tão atordoado que "transpirei" uns versos angustiados. Pensei em mostrar para o Carrano, mas não deu tempo. Transcrevo meu escrito abaixo, portanto, como homenagem póstuma a esse grande cidadão, que chegou a ser homenageado em vida, em 28 de maio de 2003, pelo Ministério da Saúde e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva por sua luta e empenho na construção da rede nacional de trabalhos substitutivos aos hospitais psiquiátricos no Brasil. Valeu, Carrano!

PELOS CANTOS

sinto solto o sangue
sento, santo
sufocando o canto
dos malditos

sangro sem saber
e ouço sempre
gritos, prantos
mal contidos
pretos, brancos
mal vestidos
sujos
cegos, surdos
praguejando mudos
contemplando o muro
sem saída

sigo só e sonolento
tento ser, nessa cabeça
alguém
mas não sou

sopro a sede
a boca seca pede
e não impede a morte
sério, sangro e morro
sem sucesso
sem socorro
ressuscito
sofro
santo, morto
assim
maldito até o fim

segunda-feira, janeiro 14, 2008

Cachaceiro tem saudade da prisão

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Publico aqui uma contribuição do Mouzar Benedito. Além de acompanhar de perto a guerrilha urbana durante a ditadura (não há um líder de grupo de esquerda em atividade nos anos 60 e 70 que não tenha se sentado ao lado dele num boteco), Mouzar visitou dezenas de presos políticos nos anos 70, fazendo reportagens sobre as prisões. E, manguaça experimentado que é, já foi jurado em concursos de cachaça.

A crônica que apresento a seguir fará parte de um livro de memórias burlescas da ditadura militar a ser publicado em breve pela editora Publisher Brasil.


Pinga de abacaxi

Por Mouzar Benedito



É tradicional entre todos os tipos de preso a tentativa de fazer uma bebida alcoólica qualquer, já que é proibida a entrada de álcool nos presídios. E para quem está preso, ah... que saudade!

Nos presídios “comuns”, é muito conhecida uma bebida chamada “maria louca”, feita de casca de laranja, e restos de muitos alimentos. Quem já tomou diz que é péssima. Só mesmo preso para beber isso.

Os presos políticos pesquisaram bastante sobre a possibilidade de fazer cachaça na cadeia, principalmente a matéria-prima. Foram experimentando que frutas davam boas cachaças. Macetavam as frutas, punham para fermentar em baldes escondidos nas celas e, quando a fermentação atingia o ponto certo, destilavam de madrugada, quando os carcereiros não apareciam por ali, usando uma panela de pressão. Ligavam uma serpentina (feita por eles mesmos, às vezes uma mangueirinha) à válvula da panela de pressão e faziam a serpentina passar por um balde de água fria, para condensar o vapor que passava pela serpentina.

Fubá, milho e muitas frutas foram experimentadas, mas o que deu mais certo foi o abacaxi. Meu amigo e conterrâneo José Roberto Rezende [Mouzar é de Nova Rezende, Minas Gerais], que fez essas experiências nos presídios por que passou, tornou-se o melhor alambiqueiro da cadeia, no Rio de Janeiro.

Muitas visitas levavam abacaxi para os presos, e imagino que os carcereiros deviam imaginar: “Como esses presos gostam de abacaxi!”.

Eu mesmo entrava no presídio da rua Frei Caneca, no Rio, para visitar os presos, e às vezes saía de lá meio de fogo. Gostava da pinga feita pelo Zé Roberto e pelo Mané Henrique, o segundo melhor alambiqueiro.

O Zé Roberto tinha sido condenado a duas prisões perpétuas e mais 69 anos de cadeia. Brincávamos muito, dizendo que ele teria que morrer duas vezes e ressuscitar para cumprir a pena. Depois da Lei da Anistia e da revisão das condenações, sua pena ficou reduzida a quinze anos, e ele cumpriu oito anos e sete meses de cana. Quando saiu, ficou morando no Rio, onde só existiam cachaças muito ruins, na época, e um dia perguntei – de propósito – se ele não tinha saudade de alguma coisa da cadeia. Ele sapecou:

Olha, saudade, nenhuma. Tem uma coisa que pode parecer cinismo, mas a pinga que a gente fazia lá é melhor do que essas que vendem nos botecos do Rio.

Concordei.