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quarta-feira, julho 22, 2015

É o que tem pra hoje

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Notícias "alvissareiras" do São Paulo Futebol Clube:





Como diria o camarada De Faria...



quarta-feira, outubro 29, 2014

Bebês mimados

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Mainardi: injustificável e inaceitável
No rescaldo das eleições presidenciais, continuamos presenciando o fluxo e refluxo de ódio, racismo, preconceito, agressões gratuitas e comportamentos injustificáveis e inaceitáveis. Leio hoje sobre as (abomináveis) declarações do (abominável) comentarista da Globonews, Diogo Mainardi:

"O Nordeste sempre foi retrógrado, sempre foi governista, sempre foi bovino (...). É uma região atrasada, pouco educada, pouco construída, que tem uma grande dificuldade para se modernizar na linguagem. A imprensa livre só existe da metade do Brasil para baixo. Tudo que representa a modernidade tá do outro lado."

Hulk defende sua região de origem
O ponto positivo dessa estultice foi que, comprovando que "um filho teu não foge à luta", o nordestino Givanildo Vieira de Sousa, jogador de futebol apelidado de Hulk, titular da seleção brasileira na última Copa e que atua no Zenit, da Rússia, respondeu à altura tal desaforo:

"Infelizmente o Mainard [sic] demostra ignorância e arrogância quando crítica o Nordeste. Nossa população tem dificuldades e luta com humildade para melhorar sua condição de vida. As maiores dificuldades foram impostas pelos diversos Governos ao longo dos anos. Mainard, respeite o Nordeste!"

Eu detalharia: ignorância que motiva Mainardi a espumar de raiva contra uma região que não foi a responsável pelo resultado das eleições (veja quadro abaixo) e exemplo de uma arrogância sem limites que está sendo demonstrada por brasileiros de Norte a Sul, verdadeiros "bebês mimados".


Minas e Rio derrotaram Aécio, mas o paulistano Mainardi vocifera contra o Nordeste

A atitude e a postura de Mainardi disseminam o mesmo ódio de seu "mentor intelectual", (o mais abominável ainda) Paulo Francis. Ídolo-mor de gente como Arnaldo Jabor, Augusto Nunes e Reinaldo Azevedo, que, assim como Mainardi, colaboram para disseminar o ódio, o preconceito e a agressividade mimada. O tão superestimado e festejado "intelectual" Paulo Francis escrevia coisas como essas:

"É pouco provável que um filho do Nordeste, região mais pobre do país, vergonha nacional, saiba alguma coisa, pois vive no século XVI."

Em junho de 1994, Francis descreveu o senador pernambucano Ronaldo Aragão como:

"Um ...mulato, feijão mulatinho... que parece descender do macaco certo (isto é, não de Lula)."


Paulo Francis criou escola na 'grande' imprensa 'carente de qualquer referencial ético'

Tais frases são destacadas em texto do jornalista Bernardo Kucinski que observa precisamente:

"Esses exemplos, em sua maioria já da década de 90, revelam não apenas um Paulo Francis doentio, mas um país doentio e uma grande imprensa carente de qualquer referencial ético. Os insultos de Paulo Francis eram passíveis de processos na Justiça, inclusive pela implacável lei Afonso Arinos. O fato de que poucas vezes tenha sido processado denota a descrença do brasileiro na Justiça, em especial quando se trata de crimes de imprensa, injúria, calúnia e difamação."

Kucinski vê descrença na Justiça
Exatamente. O que presenciamos hoje, boquiabertos, não só na imprensa mas nas manifestações grosseiras, aviltantes e nauseantes de todos os que gritam contra o resultado democrático das eleições, é justamente o reflexo de "um país doentio e uma grande imprensa carente de qualquer referencial ético", e "se trata de crimes de imprensa, injúria, calúnia e difamação". Mas, para além disso (ou melhor, antes de tudo isso), é resultado do comportamento de "bebês" que foram mimados excessivamente pelos pais, como bem resume o cientista social Antônio Ozaí da Silva:

"Vejo crianças e jovens aborrecentes mimados, arrogantes e autoritários. Pais endividados e perdulários tudo fazem para atender os desejos dos pequenos reizinhos e princesinhas despóticos. Sentem-se culpados se não conseguem saciá-los. Acostumam os filhos a um padrão de consumo muitas vezes acima das possibilidades. Não conseguem voltar atrás, cortar gastos e os pequenos prazeres."

Antônio Ozaí: 'reizinhos despóticos'
O texto de Ozaí, intitulado "Meninos e Meninas Mimados", ajuda a entender por que pessoas como Mainardi se acham no direito de ficar "bravinhos" com uma adversidade (a derrota de seu candidato/grupo político nas eleições) e preferem jogar a culpa nos outros em vez de fazer a autocrítica da situação (no caso, reconhecer que o tal candidato/grupo político perdeu em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, na região Sudeste, e não no odiado Nordeste). São os pais que os "amestram" assim:

"Quando os filhos mimados não correspondem ao esperado, por exemplo, quando o desempenho escolar, apesar de tudo, não vai bem, eles têm dificuldades em superar a situação pelos próprios meios. Creditam a culpa à escola, aos professores."

Neste ponto fica nítido que a característica de comportamento tem origem social. Pobres não podem fugir de ser responsabilizados por tudo (até pelo o que não são responsáveis, como os nordestinos nessa querela eleitoral), enquanto os mais favorecidos socialmente sempre jogam a culpa nos outros. Antônio Ozaí da Silva chega ao cerne dessa questão em seu artigo (os grifos são meus):

"Os filhos tornam-se apêndices dos seus desejos e frustrações. Mas sob o preço de mantê-los sob tutela e gerar adultos sem condições emocionais para enfrentar as adversidades da vida. Filhos que se acostumam a tudo possuir sem ter noção sobre o valor exato das coisas, e me refiro não apenas ao valor monetário, tendem a ver a vida como uma coleção de bens adquiridos sem grandes esforços. São fortes candidatos a pequenos ditadores que vêem os demais como objetos a serem manipulados."

É o que estamos vendo, repito, nas manifestações infantis e grotescas, em todo o país, e notadamente nas redes sociais, sobre a eleição presidencial e o preconceito contra o Nordeste. Ódio de classe. Voltemos ao Diogo Mainardi: filho do (bem sucedido) publicitário Enio Mainardi, estudou na Inglaterra e viveu na Itália, para onde retornou (leia aqui). Agora comparem com Givanildo Sousa, o jogador Hulk, que rebateu Mainardi: dificuldades o levaram a trabalhar na infância, em Campina Grande (PB), ajudando os pais a venderem pedaços de carne. "Como eu chegava cedo à feira, por volta de quatro, cinco horas da manhã, aproveitava para ajudar as pessoas das outras bancas. No fim do dia isso me rendia uns 15 reais. Eu dava tudo para a minha mãe", diz o atleta (leia aqui).

Postagem anônima em rede social demonstra como 'bebês mimados' lidam com adversidades


Ou seja, a história de vida do menino Givanildo, e da maioria dos nordestinos, é uma realidade que Mainardi (e quem mais vomita besteiras nesse pós-eleição) nem sequer imagina que exista. Nem sem importa. Uma responsabilidade que Mainardi nunca teve. Uma dificuldade que jamais o ameaçou. Por isso ele e muitos se sentem no direito de odiar tanto quem odeiam. Por isso ele e muitos se acham na razão e na superioridade de dizerem o que dizem. Mas acabam ouvindo o que não querem.

Por isso mesmo, a vitória de Dilma Rousseff representa, mais do que tudo, a vitória contra os arrogantes, os prepotentes. Os bebês mimados. E também a vitória daqueles que mais precisam do governo federal e do amparo público - e que, não por acaso, são o objeto de um dos maiores despejos de ódio no Brasil. Ódio de classe.


segunda-feira, abril 07, 2014

O caso Adelir tem a ver com todos nós

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Em uma decisão aparentemente inédita no Brasil, a Justiça obrigou uma grávida, Adelir Góes, a realizar uma cesariana contra sua vontade. O pedido foi realizado por duas médicas obstetras do Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, no município de Torres (RS) e acatado pela juíza Liliane Mog da Silva. Adelir aceitou ser conduzida à cirurgia depois de ouvir que seu marido seria preso caso ela resistisse.


1 – Contexto – sistema obstétrico brasileiro, uma jabuticaba podre

Para entender de fato o que aconteceu, é preciso conhecer os meandros do sistema obstétrico brasileiro, líder mundial em número de cesarianas. Não é uma narrativa fácil pois envolve uma multiplicidade de atores, cada um com seus motivos e, principalmente, suas contradições. O que apresento agora é um resumo esquemático, usando o caso Adelir como guia, sem pretensão de esgotar o assunto.
Adelir, 29 anos, já havia passado por outras três gestações. Uma terminou em um aborto espontâneo e as outras duas em cirurgias cesarianas. Dada a fragilidade de Adelir no momento, as circunstâncias desses partos ainda não são conhecidas do grande público. Depois da segunda cesariana, ela ouviu do médico que uma terceira cirurgia seria muito arriscada. Engravidou novamente por um erro no uso da pílula.

O relato usual de mulheres que fizeram cesarianas mesmo querendo parto normal, no entanto, costuma ser bastante semelhante. O meu, inclusive. Ainda que não haja complicações aparentes, os obstetras começam a afirmar, normalmente a partir de 30 semanas de gestação, que um parto normal está saindo de cena, por motivos mil. Alguns dos mais comuns são cordão umbilical enrolado no pescoço (falso), cabeça muito grande do bebê, mais precisamente desproporção cefalo-pélvica (existente, porém diagnosticada apenas em pleno trabalho de parto), pouco líquido amniótico (pode vir a ser um problema, mas na maior parte dos casos o problema é resolvido com a ingestão de muito líquido, não com uma cirurgia), mais de 40 semanas de gestação (falso), idade materna avançada, a partir de 35 anos (falso), gestação de gêmeos (falso) e muitos outros, listados aqui.

No meu caso, a obstetra tentou jogar a ficha da desproporção cefalo-pélvica. Fiz cara de paisagem. Na minha cabeça, ficar em casa esperando o trabalho de parto evoluir resolveria minha situação. Com 38 semanas, a bomba: a ultrassonografia havia mostrado que minha placenta estava “envelhecida”, ou seja, passando poucos nutrientes para o bebê. Essa motivação para a cesariana eu não conhecia. Numa cidade nova, sem ter para quem pedir indicações de obstetras confiáveis (eu ainda confiava na minha) para uma segunda opinião, simplesmente chorei e aceitei. Depois descobri que esse motivo para a cirurgia é bastante duvidoso. Mas só depois. Há casos muitíssimo piores de coação para uma cesariana. Essa página do Facebook lista histórias de mulheres que passaram por isso.

As razões para essa situação são múltiplas e provavelmente não todas conhecidas. Entre elas estão a falha da formação de médicos, que não encaram, ainda na faculdade, o parto como um evento fisiológico, mas como um processo médico, sempre (foco no sempre) passível de intervenções. Outro problema é a forma como o pré-natal é feito, especialmente no sistema de saúde privado. A grávida escolhe um médico para acompanhá-la durante a gravidez e é esse médico que, via de regra, fará o seu parto. O problema desse esquema é a dificuldade de conciliação da agenda de consultório com trabalhos de parto longos. Desde o início das contrações, a mulher pode passar dias até entrar em franco trabalho de parto. Mesmo que o médico mobilize-se apenas quando as contrações passam a ser ritmadas e em intervalos curtos, o tempo até o parto propriamente dito não raro chega às 24 horas. Isso traz um problema quase insolúvel para o médico. Não falo aqui nem de ganância (existente, fato), mas de respeito com as outras pacientes. Se a cada parto o médico for obrigado a desmarcar toda a agenda, o sistema não anda.

Claro que a solução encontrada aqui no Brasil é a pior de todas: agendamento rotineiro de cesarianas fora do trabalho de parto, um desastre de proporções gigantescas. O que deveria acontecer era, em gestações saudáveis – a ampla maioria – um parto assistido por obstetrizes (profissional com ensino superior em Obstetrícia), enfermeiras especializadas ou mesmo obstetras de plantão. O obstetra do pré-natal apareceria apenas em partos de risco. Faltam também, nos hospitais, locais onde a mulher possa esperar a evolução do trabalho de parto. O que acontece hoje é que existe a hotelaria e o centro cirúrgico, mais nada. Alguns hospitais têm salas de parto humanizado, mas mesmo esses apresentam altos índices de cesarianas, mostrando que essa ideia ainda não foi absorvida pelo sistema obstétrico.

Um exemplo divertido de como o parto normal é encarado fora do Brasil é a representação dos nascimentos dos trigêmeos de Phoebe e da filha de Rachel, no seriado Friends. Ambas têm seus filhos de parto normal em situações que, no Brasil, seriam indicação inapelável para cesarianas: gestação múltipla, demora na evolução do trabalho de parto e bebê pélvico, ou seja, com as nádegas, e não a cabeça, para baixo. O episódio não deixa claro quantas horas Rachel espera pelo nascimento de Emma, mas aparentemente são mais de 24 horas. Apenas no momento do parto, a parteira/obstetriz descobre que o bebê está na posição errada e tudo o que diz é "você terá que fazer mais força". E tudo isso sem os gritos tão comuns nas representações de trabalho de parto na teledramaturgia brasileira. Infelizmente não encontrei a cena de Phoebe em trabalho de parto.

É bom lembrar que é apenas o início do trabalho de parto que indica que aquele bebê está pronto de verdade para nascer. Mesmo com 40 semanas de gestação é possível que os pulmões do feto não estejam amadurecidos. Pode não parecer, mas a natureza tem seus mecanismos. Se não há trabalho de parto ainda, algum motivo existe. Não consegui achar os dados epidemiológicos do país para mostrar aqui, mas esses dois estudos, um realizado em Cascavel (PR) e outro em Pelotas (RS) mostram que a prematuridade é o principal motivo de morte em bebês. E qual o motivo para o aumento da prematuridade? As cesarianas eletivas sem indicação médica. De acordo com o Ministério da Saúde, a chance de internação de crianças nascidas em parto vaginal é de 3%, enquanto as nascidas em cesarianas são internadas em 12% das vezes.

Eu poderia falar parágrafos sobre ética médica, problemas nos planos de saúde, falhas do SUS, representação social do parto normal, arrogância médica e outros fatores que influenciam o alto número de cesarianas no Brasil, mas acredito que meu ponto principal já esteja colocado. Vamos adiante.

2 – Disputas entre as visões da medicina

Como qualquer campo do saber, a medicina e a obstetrícia especificamente são palco de disputas. Seja dentro da academia, seja na prática dos hospitais, seja nos grupos de grávidas e mães, cada um quer usar os melhores argumentos a seu favor, aqueles que reforcem suas teses. Não há ingenuidade aqui. É evidente que os obstetras brasileiros são bastante competentes naquilo que se propõem a fazer. Eu não duvidaria que o Brasil seja o lugar que forma os melhores fazedores de cesarianas, afinal é praticamente só o que a maior parte deles sabe fazer.

Entretanto, a minha experiência e estudo (leio sobre o assunto há 3 anos sem parar) é que, enquanto os médicos ditos cesaristas e/ou intervencionistas costumam afirmar que tomam suas decisões baseadas na prática pessoal, os profissionais que atuam no movimento de humanização do parto apresentam o maior número de estudos científicos possíveis para mostrar que alguns procedimentos são equivocados. Isso é um pouco óbvio, já que quem domina o sistema não tem motivos para se importar em justificar seus atos. Quem busca o seu espaço acaba trabalhando em dobro para rebater ideias incrustadas no inconsciente coletivo.

A maior expoente dessa prática de rebater práticas tradicionais nos nosso partos é a obstetra Melania Amorim, que mantém o blog Estuda, Melania, Estuda!. Ela cita tantos estudos que dá pra se perder por lá. Recomendo para todos que queiram aprofundar-se no assunto.

Citar estudos sem fim garante que sua visão sobre o parto esteja “correta”, seja lá o que isso signifique? Não, mas eleva a discussão para outro nível. Passa-se do argumento de autoridade para uma discussão com base em fatos.


3 – O movimento nacional pela humanização do parto

Frente ao cenário calamitoso de cesarianas no Brasil, era de se esperar que houvesse um movimento de contraposição. O que começou com grupos desconexos de mulheres reclamando de suas cesarianas desnecessárias virou um movimento nacional articulado que vem conseguindo avanços importantes. A luta dessas mulheres é para que todas as gestantes recebam informação de qualidade durante o pré-natal (durante a vida na verdade) para que possa escolher a forma de parir que mais lhe aprouver. E também para que o sistema obstétrico esteja preparado para receber essa gestante em sua escolha, qualquer que seja ela. Sim, é verdade. Apesar de ser óbvio que as integrantes desse movimento rechacem a ideia de cesarianas marcadas com antecedência sem motivo médico, não passa pela cabeça de ninguém propor que essas cirurgias sejam proibidas (ok, deve passar pela cabeça de alguém, mas não é uma reivindicação do movimento).

Lutam, também, pelo fim da violência obstétrica, que atinge uma em cada quatro parturientes no país. A violência obstétrica vai desde agressões verbais (coisas do tipo: “para de gritar, na hora de fazer não gritou”), passa por o uso de procedimentos sem explicação ou mesmo com um pedido ativo para que não sejam realizados (episiotomia, o corte no períneo, é um caso clássico) e chega a procedimentos realizados de maneira violenta (há casos em que a episiotomia chegou até a coxa da paciente. Empurrar a barriga da gestante para "acelerar" o parto também é muito comum).

O assunto sempre foi debatido no SUS. As casas de parto públicas, 14 no total, existem desde 1999 e usam um modelo semelhante ao de países como Holanda, Japão e Nova Zelândia. Os partos são acompanhados por obstetrizes ou enfermeiras obstétricas e só há remoção para um hospital se houver alguma complicação. A pequena quantidade de casas de parto, no entanto, mostram que as intenções estão lá, mas na prática poucas mulheres têm acesso a elas.

Mas iniciativas isoladas estão se avolumando e tentando melhorar a vida das gestantes no país. Belo Horizonte conta com uma equipe de parto domiciliar – outra opção de baixo risco para gravidez sem intercorrências – bancada pelo SUS. Em São Paulo, virou lei que todas as parturientes devem dispor da possibilidade de receber anestesia durante o parto (essa vai pra quem acha que esse movimento prega apenas o parto natural, sem qualquer intervenção). Há outros avanços.

4 – O caso Adelir

Na minha opinião, discutir os meandros do caso Adelir é um desrespeito com a própria. Sua vida e suas escolhas tornaram-se públicos e pessoas que desconhecem qualquer fato sobre o sistema obstétrico brasileiro não se furtam a julgá-la e condená-la como a louca do parto normal, irresponsável, leviana e até assassina. É por conta desse julgamento feroz que escrevo sobre sua gravidez e suas decisões aqui.

Adelir estava com 40 ou 41 semanas de gravidez. Essa informação é imprecisa por natureza, já que não há método infalível para determinar o dia da fecundação. Em média, a gestação humana dura 40 semanas, mas na verdade esse período varia entre 38 e 42 semanas. Isso significa que Adelir estava dentro do tempo esperado para a duração da gravidez. Isso é confirmado pelo exame realizado no hospital Nossa Senhora dos Navegantes. No laudo lê-se que o desenvolvimento do feto era compatível com 40 semanas de gravidez. Mais uma vez afirmo que esse dado, em um exame realizado em gravidez avançada, é questionável, já que os fetos desenvolvem-se de maneira diferente uns dos outros. Mas era essa a informação disponível para a obstetra que a examinou, Joana de Araújo. Além de estar dentro do período normal de gestação, os exames de Adelir mostraram mãe e bebê em perfeito estado.

A ecografia teria mostrado o bebê em posição pélvica. O parto normal nessas condições apresenta um nível de risco mais elevado para o bebê do que se ele tivesse em posição cefálica. Por isso, a equipe médica deve explicar a situação à paciente, pesar riscos e benefícios de cada opção de parto e deixá-la decidir.

O complicador nesse quesito é o fato de que Adelir e sua doula, Stephany Hendz, acharam estranho o fato de o bebê estar em posição pélvica, uma vez que essa informação ainda não teria aparecido no pré-natal. É bastante raro que o feto faça esse movimento com a gravidez tão avançada. Por isso, tinham a intenção de fazer o exame em outro local. Pediram, inclusive, uma guia com o pedido médico para apresentar em uma clínica particular.

Outra alegação para a indicação de cesariana  foi a de que ela já havia realizado duas cirurgias antes e seu útero poderia romper. É, poderia. Em um parto sem cesariana esse risco também existe. Com duas cesáreas, o risco, que já é baixo, aumenta cerca de 1%. Já o risco de uma terceira cesárea não foram explicados a ela.

Mesmo com mãe e bebê bem, Joana quis internar Adelir para a realização de uma cesariana. Adelir recusou. Para poder sair do hospital, foi obrigada a assinar um termo de responsabilidade, dizendo entender os riscos que sofria. Isso aconteceu na madrugada do dia 1° de abril.

Adelir e Stephany não conseguiram realizar um novo exame. Poucas horas depois, o trabalho de parto começou. Adelir passou o dia em casa, esperando as contrações ficarem ritmadas para ir ao hospital – não aquele que queria obrigá-la a fazer uma cesariana, mas outro, que tinha uma equipe humanizada. Quando ela já estava com contrações de cinco em cinco minutos, ou seja, perto do momento em que iria para o hospital, um oficial de justiça, acompanhado por policiais armados, apareceu com uma ambulância e um mandado judicial em mãos, obrigando Adelir a ser removida para o hospital. Adelir e o marido, junto com a doula, embarcaram na ambulância pedindo para serem levados para o hospital escolhido para o parto. Não foram atendidos. Ao chegar no hospital Nossa Senhora dos Navegantes, Adelir aceitou passar pela cirurgia, para evitar que seu marido fosse preso.

Adelir relatou os acontecimentos em um vídeo. Afirmou categoricamente que jamais teve em mente parir a qualquer custo, apenas gostaria que a cesariana fosse sua última opção. Ela estava ciente do que se passava com ela e com sua filha. Havia se informado. Mas nenhum representante o poder médico acreditou nela. Uma mulher humilde, que vive em uma casa na zona rural de Torres, ainda em construção pelo marido, não foi ouvida porque, falando daquele jeito, só poderia estar sendo enganada. Não sabia, coitada, dos riscos que corria. Quem diz isso não sou eu, mas o diretor do hospital, em entrevista ao Jornal Zero Hora. Ele afirma com todas as letras: “Sentimos que a mãe não tinha compreendido os riscos que estava correndo e fomos procurar apoio”. Foco no verbo utilizado. Sentimos. Tivemos um feeling. Olhamos para a paciente e vimos uma mulher que não poderia fazer escolhas informadas.

Alguns pontos importantes:
  • há relatos de pais que foram enganados em relação à posição de seus filhos nas últimas semanas de gravidez para que aceitassem realizar cesarianas. Se Adelir não acreditou no exame que mostrou sua filha em posição pélvica, a responsabilidade é dos médicos sem ética que chegam ao ponto de mentir para seus pacientes. Adelir sabia, e saber foi seu pecado.
  • é fato que o parto pélvico apresenta riscos maiores do que o cefálico, mas ele é uma opção viável. Cesarianas também têm riscos, como já mencionei acima. Cada mulher escolhe o risco que deseja correr. Partos ainda serão eventos de risco. Não há lugar no mundo em que a mortalidade materna seja 0. Parir é sempre um perigo. Como viver.
  • a única conduta certa do hospital Nossa Senhora dos Navegantes foi assumir que não tem pessoal capacitado para realizar um parto pélvico. Esse tipo de parto deve ser realizado por uma equipe experiente, que já tenha feito o acompanhamento desse tipo de nascimento antes. Também por isso Adelir não queria voltar àquele hospital.
  • a obstetra que queria internar Adelir imediatamente é totalmente responsável por esse caso, mas é também vítima. Ela não aprendeu a fazer outra coisa, nem na faculdade nem na prática diária. Não acredito que ela tivesse em mente qualquer coisa diferente que o bem estar de mãe e bebê. Mas ela errou.

5- Seu corpo, suas regras, desde que estejam de acordo com as minhas

É essa a postura médica de uma maneira geral. Eu entendo, de verdade, que médicos acabem por sentir um desejo de decidir por seus pacientes, uma vez que carregariam o conhecimento técnico que leigos não possuem. Não sei se, caso eu fosse médica, eu teria um sentimento diferente.

Mas médicos são regidos por um código de ética. Nele está escrito 

É vedado ao médico:

Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.

Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.

Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.

Um médico não pode obrigar um paciente terminal a receber um tratamento para prolongar a vida. Não pode intervir em uma greve de fome, mesmo que haja risco iminente de morte. A decisão é sempre do paciente.

Não é assim que o sistema obstétrico brasileiro vem funcionando. O que é o convencimento, a coação e agora o mandado judicial para obrigar uma mulher a fazer uma cirurgia indesejada? É o uso de seu poder para decidir pelo paciente. Os mecanismos desse convencimento são cruéis. Qualquer um com um mínimo de empatia sabe que não há mãe que, ao ouvir palavras como “sofrimento fetal agudo”, não aceite qualquer intervenção sugerida. Apesar de isso também acontecer em outras especialidades, é na obstetrícia que isso fica claro, especialmente pela questão do tempo. Mesmo um paciente com câncer terminal tem tempo para pedir uma segunda opinião. Mulheres em trabalho de parto não têm esse tempo. Nem podem se locomover com facilidade. Não há escape que não seja um volume imenso de informações absorvidas antes do parto.

O que é grave é que essa desconfiança em relação ao médico ainda vai fazer vítimas. É óbvio que casos de cesarianas absolutamente necessárias continuarão a acontecer – de acordo com a Organização Mundial de Saúde, até 15% dos partos podem requerer cirurgia. E é inevitável que, no meio dessas mulheres que se rebelam contra o senso comum, algumas terão que passar por cesarianas. Só que, ao duvidar do médico, elas podem acabar decidindo não se submeter à cirurgia. E morrer. É urgente mudar essa forma de agir dos médicos no país. A confiança precisa reger a relação médico-paciente, mas não é isso que acontece.

6 – Direito do bebê

Juridicamente não existe a figura do feto como detentor de direitos, apesar da tentativa de aprovação de um Estatuto do Nascituro no ano passado. Dito assim, na lata, parece uma crueldade. E em alguns momentos vai ser. Mas qualquer lei pode ser cruel quando há situações limite. Não descarto a possibilidade de discutir eventuais alternativas para uma situação em que o bebê estivesse realmente em risco (nesse caso não estava). Só que não vejo saída que não respeitar a decisão da mulher, que é o sujeito que já existe afinal. Mas também entendo que haja sentimentos de preocupação com o bebê. Claro que há. Da minha parte também.

Pior, diferente da maior parte das mulheres que já escreveram textos defendendo Adelir, consigo imaginar casos em que a mãe agiria contra os interesses do ainda não nascido filho. Gravidez não desejada em situações limite ou depressão, por exemplo, poderiam fazer que a mãe, ainda que inconscientemente, desejasse perder o bebê, ainda que causando risco a si própria. Seria esse um caso de intervenção? Como identificar uma situação dessas? Como trazer para uma regra geral a suposição de que a mãe queira um mal a seu próprio filho, quando virtualmente todas as mulheres só querem a saúde e o bem estar de seus rebentos? É só tentar responder essas questões que a inviabilidade de decisões desse tipo fica aparente. É preciso assumir que a intenção da mulher é sempre que todos saiam vivos. Supor o contrário é insano.

Além disso, o saber médico tradicional erra. Assim como erra o saber antigo, é evidente. Qualquer base “técnica” para uma decisão desse tipo no campo da medicina é falha, pois não há saber técnico absoluto. No campo da disputa teórica já mencionada, há espaço para argumentos para parto normal e para cesariana. Para colocação ou não de ocitocina na veia para acelerar o parto. Para a realização ou não da episiotomia. Para a raspagem ou não dos pelos pubianos (é sério). Privilegiar um deles não é papel para a Justiça.


7 – Sujeito x sujeitado

As laudas usadas para explicar o contexto obstétrico brasileiro e o caso Adelir em detalhes estão aqui porque o debate foi quase que totalmente centrado neles. As críticas foram a eles. Mas me recuso aceitar que a questão pare por aqui. A discussão central é a possibilidade de intervenção no corpo do outro. Essa discussão é de todos nós.

O corpo é nosso santuário. Nunca entendi tão bem o sentido dessa frase quanto com esse caso. O corpo deveria ser indevassável. Nesse caso não foi.

E agora? Abre-se o precedente? Vamos impedir as cesarianas com 38 semanas com mandado judicial também? Ou forçar uma parturiente a aceitar, ou não se submeter, qualquer procedimento que queiram ou não queiram usar? Para parir em paz mulheres terão que mentir sobre seu endereço? É esse o assunto que deve ser discutido.
Mulheres e homens deveriam ser sujeitos de suas próprias vidas. As opções existentes a cada tempo, em cada realidade, deveriam estar disponíveis para todos, para que possam escolher que caminhos trilhar. O que acontece na realidade é que todos os grupos minoritários (em relação à representação social) têm menos opções do que aqueles reconhecidos como majoritários. No Brasil, negros têm menos opções de estudo, trabalho, lazer. Caminhos, enfim. O mesmo acontece com mulheres, indígenas, gays, transexuais. Só que ser sujeito, ser autônomo, é condição fundamental para a realização pessoal.

Não é diferente com o movimento pela humanização do parto. Com um agravante: o grupo majoritário (homens) não tem a menor ideia do que seja gestar, parir e nutrir uma criança. Não sabe porque não pode saber, biologicamente falando. Para que um homem entenda do que isso se trata, o único caminho é o da empatia.

Isso significa que não há, aqui, pedido de equiparação. Não se pode pedir um parto igual ao dos homens, assim como se exige salários iguais. Então o parto que as mulheres querem é decidido por elas mesmas. Não há um padrão de comparação. Isso deveria ser uma vantagem. Os termos são nossos. Só que não são. O saber médico moderno – notadamente masculino – apropriou-se do parto. Isso poderia ser uma ótima notícia. Juntos, tradição e medicina poderiam terminar por derrubar ao mínimo as taxas de morte de mães e bebês no parto. O que aconteceu, no entanto, foi que no século XX as mulheres deixaram de conduzir o parto e perderam saberes ancestrais. Em alguns lugares mais do que em outros e no Brasil mais do que em qualquer outro lugar. O movimento de humanização, presente em todo o mundo, conseguiu resgatar o protagonismo da mulher em muitos países. São dignos de nota o Reino Unido, a Holanda, a Nova Zelândia, entre outros. Não por acaso as mortes de bebês e mães nesses países são baixíssimas. Lá, o corpo feminino faz seu trabalho em paz. Nos casos que resultariam em complicações ou morte, e apenas nesses, a medicina intervém e salva vidas.

É para isso que se luta aqui no Brasil. Mas a resistência à mudança é tão forte que parece que a proposta é voltar a parir sem atenção médica. Essas mulheres, que só querem ter o poder de decidir sobre seus corpos, nas melhores condições possíveis, são atacadas como se fossem alienadas. São chamadas de xiitas, talibãs, loucas. Querem ser sujeitos, mas quem as controla prefere que continuem sendo sujeitadas. Mulher sem informação dá menos trabalho, afinal. Como provou Adelir.

quarta-feira, fevereiro 26, 2014

Não discuta com os bêbados!

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'ABSENTEM LAEDIT CUM EBRIO QUI LITIGAT'
('Insulta um ausente quem discute com um bêbado')

Dicionário Jurídico de Bolso - Expressões Latinas, pág. 21
Autor: Douglas Dias Ferreira (Editora Quartier Latin, 2006)

terça-feira, dezembro 17, 2013

E no Santo Tribunal Jesuíta de Descobrimentos (STJD)...

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quinta-feira, agosto 01, 2013

Tudo é desculpa pra beber...

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A Suprema Corte da Itália confirmou sentença de quatro anos de prisão para o ex-primeiro-ministro e atual senador Silvio Berlusconi (que também atende por ex-sogro do Alexandre Pato), condenado por fraude fiscal no caso Midiaset. É a primeira vez que Berlusconi é condenado de forma definitiva - mas não deve cumprir pena em cadeia, por conta de sua idade, 76 anos. Mesmo assim, a italianada aproveitou a sentença pra entortar o caneco. na foto abaixo, da AFP, um manguaça romano bebe champanhe em frente ao Palácio da Justiça, para celebrar a condenação. Ou celebrar seja lá o que for! Ma che!


'Vada a bordo, cazzo!' OU 'Não quero nem saber se dá cadeia, eu quero é grappa!'

terça-feira, maio 07, 2013

Torcedor do Galo move ação contra arbitragem

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Simon: apito amigo botafoguense
Coisa inédita: um torcedor do Atlético-MG reclamando de arbitragem! Mas a causa é justa: depois de o árbitro Carlos Eugênio Simon ter admitido que errou ao não marcar um pênalti escandaloso sofrido pelo Galo em 2007, em partida contra o Botafogo-RJ que selou a desclassificação do clube mineiro da Copa do Brasil, um atleticano resolveu pedir na Justiça indenização por danos morais. De acordo com o site Terra, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai analisar hoje o processo.

O autor da ação - que é advogado - afirma que o caso deve ser tratado sob as cláusulas que protegem o direito do consumidor e que a CBF deve responder pelos atos de seus prepostos, já que fornece o "produto", ou seja, o jogo de futebol - se analisarmos a qualidade do "produto" nas últimas temporadas, pode configurar até fornecimento de droga.... Porém, o torcedor perdeu a ação em primeira e segunda instâncias: o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerou que o erro não gera para o torcedor-consumidor qualquer direito de cunho moral ou muito menos material e que a CBF, ao organizar as partidas, não se compromete a conseguir resultados favoráveis a qualquer dos times.

Insistente, o torcedor entrou então com um recurso especial dirigido ao STJ. O ministro Luis Felipe Salomão determinou a subida do recurso ao STJ para um melhor exame, já que há "peculiaridades" no processo. Acho que por "peculiaridade" podemos entender descaramento, pois não há a menor dúvida de que o pênalti não marcado aconteceu. No lance, dentro da área do Botafogo, o jogador Alex derruba sem dó o meio-campista Tchô, do Atlético-MG. Vale a pena ver de novo (no vídeo abaixo, a partir de 02:03):


quinta-feira, outubro 25, 2012

Uma síntese da situação dos Guarani-Kaiowá, por @CarlosLatuff

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Original aqui.

quinta-feira, outubro 04, 2012

Maringoni, sobre o julgamento do Mensalão

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Do jornalista e candidato a vereador pelo PSOL em São Paulo, Gilberto Maringoni, em seu Twitter:


sexta-feira, dezembro 16, 2011

Cigarro e cerveja em baixa na semana

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Dois hábitos (ou vícios, conforme a fonte) em baixa hoje em dia tiveram uma semana ruim no Brasil. Cigarro e bebidas alcoólicas sentiram o peso da mobilização antitabagista e contra as drogas agir e obter resultados. Aos fatos.

Cigarro

O cigarro está proibido de ser aceso em ambientes fechados no Brasil. A alteração na Lei 9.294, de 1996, foi promovida por um "contrabando" inserido na Medida Provisória (MP) 540, aprovada pelo Congresso Nacional em novembro. O jargão de parlamentares aplica-se a alterações na legislação que guardam nenhuma relação com o tema original da MP – no caso, aplicação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em obras da Copa de 2014 e outras medidas associadas – aliás, a forma como o Congresso quis que a grana do trabalhador fosse usada foi vetada pela presidente Dilma Rousseff.

A decisão sancionada por Dilma nacionaliza o que foi previsto em lei por Rondônia e por mais seis estados, incluindo São Paulo. Adeus aos fumódromos — mas também aos cabelos com cheiro de fumaça na balada, responderão os partidários da medida. Como a lei nem sempre é aplicada, já não haveria certeza de que o previsto no texto seria assegurado na prática. São Paulo que o diga. Tem site e tudo, mas não garante tanto rigor.

Neste caso, há um agravante. O Executivo ainda precisa regulamentar a medida. Isso quer dizer que é preciso emitir resolução dizendo quais são as consequências de se aspirar e expirar fumaça de derivados do tabaco em lugar fechado. Multa? Prisão? Chibatadas? A quem? Ao fumante ou ao estabelecimento? E se for em condomínio fechado, todos pagam pela chaminé do 302 que resolveu acender agora (sem nem apertar) em pleno salão de festas? Perguntas que serão respondidas quando o Ministério da Saúde se decidir.

A alteração da lei ainda aumenta os alertas sobre efeitos provocados pelo cigarro nas propagandas, ainda permitidas em pontos de venda, e nos maços. Outro dia, aliás, vi isqueiros com caveiras (parecidos com o "Isqueiro Zippo Biohazard Skull Caveira Radioativa Rock Moto" da foto) sendo vendidos ao lado de pacotes de cigarro com mensagens esteticamente parecidas (foto). Aos cidadãos identificados com a causa emo, fica o alerta.

Outra recomendação é ao atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Seus antecessores cometeram um gesto – nobre, à ocasião, diga-se – que atualmente seria uma ilegalidade. Na festa Kuarup, promovida pelo povo indígena Kamayurá, do Xingu (em Mato Grosso) celebram-se os mortos a 18 de agosto. Em 2004, Márcio Thomas Bastos deu um tapa no cigarro do Pajé. Três anos depois, Tarso Genro, atual governador gaúcho, puxou o fuminho. O tabaco é parte da cultura e de rituais de cura – a lei não esclarece se pode haver fiscalização em lugares fechados de construções dos nativos. O tabaco queimado simboliza a morte e a ressureição.

Marcello Casal Jr/ABr







Bebida

O revés etílico é bem mais restrito. O relator da Lei Geral da Copa, deputado Vicente Cândido (PT-SP), voltou atrás. Depois de dizer que a bebida no estádio é tratada com hipocrisia, faltaram bases para sustentar os argumentos. A pressão já fez o parlamentar abrir mão da mudança do Estatuto do Torcedor para liberar a venda de cerveja e correlatos nos estádios durante campeonatos nacionais e regionais.

Para o Mundial de 2014, a autorização a bares e restaurantes no interior das arenas comercializarem líquidos embriagantes permanece. Não se sabe até quando. Como dois terços dos 3 milhões de ingressos serão vendidos a estrangeiros – do milhão restante, 300 mil vão para indígenas e atendidos pelo Bolsa Família e programas similares – os beneficiados (ou prejudicados, a depender do ponto de vista) serão majoritariamente cidadãos não brasileiros. Pode ser um motivo a menos para dar tanta bola ao tema.

A notícia realmente boa é que os idosos tiveram assegurado o direito à meia entrada nacional, em função do Estatuto do  Idoso. Não por acaso os estudantes protestaram pela aprovação do equivalente para Juventude. No alvo deles está garantir o direito-carteirinha em todo país.

domingo, maio 15, 2011

Cinco anos dos Crimes de Maio: 'obra' de Alckmin

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Há exatos cinco anos, uma série de ataques atribuídos a uma facção criminosa denominada Primeiro Comando da Capital (PCC) assolou o Estado de São Paulo, escancarando, para o Brasil e o mundo, a suprema incompetência, descontrole e omissão do governo do Estado mais rico da federação com a segurança pública. Pior do que isso: para responder aos ataques e tentar acalmar a população apavorada, o poder público paulista mandou sua Polícia Militar às regiões periféricas e mais pobres da capital para assassinar no mínimo 493 pessoas, A ESMO, sendo a imensa maioria delas, mais de 400 jovens, executados sumariamente - segundo o Movimento Mães de Maio (na foto, uma de suas inúmeras manifestações, com fotos dos mortos, sempre ignoradas pelo governo estadual).

Esse impressionante contingente de quatro centenas de pessoas pobres, negras e indefesas não tinha sequer passagens pela polícia, nem qualquer indício de envolvimento com crimes ou práticas ilegais. Morreram justamente porque eram pretos e pobres, assim como os 111 presos mortos pela mesma Polícia Militar paulista no vergonhoso massacre do presídio Carandiru, em 2 de outubro de 1992. Vale a pena reler a matéria que a Revista Fórum publicou sobre os Crimes de Maio de 2006 (a íntegra aqui).

Naquele início de 2006, até pouco antes dos ataques, o governador - e verdadeiro responsável pelo descaso com a segurança pública, o crescimento das organizações criminosas e o assassinato de quase 500 pessoas pelo poder público - era Geraldo Alckmin (PSDB), que deixou o cargo para disputar as eleições presidenciais - por isso, seu vice, Cláudio Lembo, era o governador especificamente no mês dos ataques (mas é óbvio que a situação ficou caótica sob o governo do titular da pasta, não do vice).

Alckmin é esse mesmo que passou a ocupar novamente, a partir de janeiro deste ano, o posto de governador. Exatamente por isso, cinco anos após a tragédia, o governo estadual tucano não mexe uma palha para investigar os crimes que praticou. Sempre que é abordado sobre os Crimes de Maio de 2006, Alckmin se acovarda e foge, como mostra esse vídeo aqui:



Nota-se que a coragem de questioná-lo partiu de uma equipe estrangeira, pois a chamada "grande imprensa" paulista e brasileira (que, de grande, só tem o poder econômico) continua dócil e inofensiva ao PSDB. Ninguém citou Alckmin nas matérias sobre os cinco anos dos ataques e dos assassinatos. Ninguém deu - e nem dará - nome aos bois, ou melhor, ao boi.

"Somos centenas de mães, familiares e amigos que tivemos nossos entes queridos assassinados covardemente e até hoje seguimos sem qualquer satisfação por parte do estado: os casos permanecem arquivados sem investigação correta para busca da verdade dos fatos, sem Julgamentos dos verdadeiros culpados (os agentes do estado) sem qualquer proteção, indenização ou reparação. Um estado que ainda insiste em nos sequestrar também o sentimento de justiça", dizia texto divulgado pelo Movimento Mães de Maio em 2009.

Neste mês, um relatório apontou como causas principais dos ataques de maio de 2006 a corrupção policial contra membros do PCC, a falta de integração dos aparatos repressivos do estado e a transferência que uniu 765 chefes da facção criminosa, às vésperas do Dia das Mães de 2006, numa prisão de Presidente Venceslau (SP). Corrupção, falta de controle e decisões equivocadas. Esse deveria ser o verdadeiro slogan do PSDB paulista, em vez de "gestão, planejamento e eficiência", como gostam de alardear.

Federalização do caso
O estudo de quase 250 páginas foi produzido pela ONG de defesa de direitos humanos Justiça Global e pela Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard, dos Estados Unidos. Ao esmiuçar os 493 homicídios ocorridos no Estado de 12 a 20 de maio de 2006, o estudo viu "indícios da participação de policiais em 122 execuções", além de discrepância na elucidação desses casos em relação aos que vitimaram 43 agentes públicos. Por conta disso, propõe a federalização da investigação. Assim, talvez haja alguma esperança de Justiça para as mães e parentes das vítimas da Polícia Militar paulista.

Porém, o que mais preocupa é que a inoperância do governo estadual tucano continua. Em cinco anos, NADA mudou na caótica segurança público do estado, e todos sabem, veladamente, que quem comanda os presídios paulistas é o PCC. "Passados cinco anos, nossa pesquisa indica que não foram construídos mecanismos eficazes, consistentes de superação e de enfrentamento para essa situação", afirma Sandra Carvalho, diretora da Justiça Global. É preciso insistir neste assunto. Sempre.

segunda-feira, maio 17, 2010

No Paraná, padre bêbado dirige de cueca e propõe dinheiro e sexo oral para os guardas

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Mais uma de padre manguaça, só que desta vez aqui em terras tupiniquins. Na madrugada de domingo, em Ibiporã (PR), o padre Silvio Andrei Rodrigues dirigia um Fiat Idea alugado, apenas de camisa e cueca, com uma garrafa de cachaça no colo. A batina estava no banco traseiro. Abordado por dois policiais militares, Rodrigues ofereceu R$ 490 que tinha na carteira para não ser preso. Depois disso, teria proposto sexo oral a um dos guardas. O advogado do bebum, José Adalberto Cunha, alegou que o padre só tirou a batina porque "passou mal e vomitou". Segundo Cunha, depois de celebrar o casamento, Rodrigues teve um surto e se perdeu quando se dirigia para a casa de familiares. "Ele toma antidepressivos e bebeu vinho no casamento, perdeu a memória, passou mal e vomitou, por isso tirou a batina" (essa desculpinha é velha, né, Vanucci? Né, Lúcia Hippolito?). A "justificativa" surtiu efeito e levou o juiz Sérgio Aziz Neme a acatar o pedido de liberdade provisória ao padre, que é acusado de ato obsceno, corrupção ativa e embriaguez ao volante. Porém, o delegado chefe de Ibiporã, Marcos Belinati, garantiu que não foram encontrados "indícios de vômito" na batina apreendida.

sábado, março 13, 2010

O debate das cotas raciais no STF

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O Supremo Tribunal Federal vive dias agitados – e dessa vez com notícias positivas. Para começar, manteve o (ex?) governador do Distrito Federal José Roberto Arruda na prisão, para espanto meu e de outros colegas deste fórum que esperavam uma rápida passagem do cara dos panetones pelo cárcere.

Além disso, o STF elegeu, no último dia 10, o ministro César Peluso para a presidência da Casa – Carlos Ayres Britto foi escolhido para vice. Peluso toma posse no dia 23 de abril, em substituição a Gilmar Dantas -  quer dizer, Mendes -, cuja atuação à frente da Suprema Corte foi marcada por opiniões emitidas antes de pareceres e julgamentos de processos, além da prestreza com que sempre atendeu pedidos de soltura de certos banqueiros. Daniel Dantas, aliás, recebeu outra má notícia da Justiça essa semana, com a decisão do Superior Tribunal de Justiça de negar o pedido de afastamento do juiz Fausto De Sanctis do processo que envolve o banqueiro.

Mas o que mais me agradou foi uma atitude do ministro Ricardo Lewandowski, encarregado de julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186, movida pelo partido Democratas contra a reserva de cotas raciais em universidades. O ministro decidiu convocar uma audiência pública para debater o assunto, permitindo às partes interessadas expressarem seus pontos de vista. Foram recebidos 252 requerimentos de inscrição, segundo o site do STF, mas o ministro selecionou 38 representantes para diminuir o tempo da coisa.

As audiências aconteceram entre os dias 3 e 5 de março e certamente ajudaram a explicitar posições e dar clareza aos argumentos de todos os lados, produzindo algumas pérolas. Se a ação movida pelo DEM não servir para mais nada – como de fato acho que não serve: ou é derrotada e irrelevante ou vitoriosa e danosa para o país –, vale por ter jogado o tema de forma tão pesada na discussão pública.

Uma das citadas preciosidades certamente foi o depoimento do senador Demóstenes Torres (DEM-GO, na foto ao lado), relatado em reportagem de Laura Capriglione e Lucas Ferraz, da Folha de S. Paulo. O excelentíssimo parlamentar soltou duas frases que já rodaram bastante, mas valem a lembrança (extraídas da matéria da Folha):

Disse Demóstenes sobre o tráfico negreiro: “Todos nós sabemos que a África subsaariana forneceu escravos para o mundo antigo, para o mundo islâmico, para a Europa e para a América. Lamentavelmente. Não deveriam ter chegado aqui na condição de escravos. Mas chegaram. (…) Até o princípio do século 20, o escravo era o principal item de exportação da pauta econômica africana.”
Sobre a miscigenação: “Nós temos uma história tão bonita de miscigenação… [Fala-se que] as negras foram estupradas no Brasil. [Fala-se que] a miscigenação deu-se no Brasil pelo estupro. [Fala-se que] foi algo forçado. Gilberto Freyre, que é hoje renegado, mostra que isso se deu de forma muito mais consensual.”


Ou seja, se os negros foram escravizados, a culpa é deles. Bravo! A reportagem nos deu ainda o prazer de ver um duplo absurdo no mesmo jornal: o sociólogo, ex-comunista, conviva do Instituto Milenium e recente especialista em relações raciais (sic) Demétrio Magnoli publicou na página 3 do jornal dos Frias artigo defendendo o nobre senador e atacando os repórteres, por ele chamados de “delinquentes”. Ou seja, além de defender o indefensável, o artigo aparentemente terceirizou da Folha a função de passar um pito nos repórteres "abusados" e no editor que deixou passar o texto, como avalia o Leandro Fortes.

A fala dos dois é oportuna para deixar claras as posições. Nada contra quem não gosta das cotas. O problema é quando o argumento vai na linha do Ali Kamel, manda-chuva da Globo, que diz, resumidamente, que não existe racismo no Brasil. Que somos todos iguais e que os que advogam políticas afirmativas querem “implantar” a discriminação. Ora, isso não é argumento, é negar a realidade.

Mas o que eu realmente queria destacar é a fala do historiador Luiz Felipe de Alencastro, professor da Sorbonne e autor do livro O Trato dos Viventes, obra de referências sobre a escravidão. O parecer de Alencastro traz pontos importantes dessa história para sublinhar um ponto central: a escravidão e a violência contra o negro não vitimaram apenas os negros, mas toda a sociedade brasileira, que se acostumou a um tratamento de chibata contra os desfavorecidos, distorcendo o nosso conceito de democracia. Disse ele:

(...) os ensinamentos do passado ajudam a situar o atual julgamento sobre cotas universitárias na perspectiva da construção da nação e do sistema político de nosso país. Nascidas no século XIX, a partir da impunidade garantida aos proprietários de indivíduos ilegalmente escravizados, da violência e das torturas infligidas aos escravos e da infracidadania reservada ao libertos, as arbitrariedades engendradas pelo escravismo submergiram o país inteiro. Por isso, agindo em sentido inverso, a redução das discriminações que ainda pesam sobre os afrobrasileiros -, hoje majoritários no seio da população -, consolidará nossa democracia.

A argumentação completa é excelente e leva a questão para um outro patamar. Vale muito a leitura completa.

Outro sucedâneo da discussão é muito mais surpreendente em sua origem. A economista Miriam Leitão, crítica contumaz do governo Lula e da esquerda em geral, escreveu um belo artigo em defesa das cotas. Disse ela:

A temporada da coleção de argumentos velhos que reaparecem para evitar que o Brasil faça o que sugeriu Joaquim Nabuco, morto há 100 anos, em frase memorável: “Não basta acabar com a escravidão. É preciso destruir sua obra. Diante de qualquer proposta para reduzir as desigualdades raciais, principal obra da escravidão, aparece alguém para declamar: “Todos são iguais perante a lei.” E são. Mas o tratamento diferenciado aos discriminados existe exatamente para igualar oportunidades e garantir o princípio constitucional.

Logo após, porrada no Demóstenes. Roubo de Miriam o encerramento do texto, que traduz algumas de minhas preocupações nesse debate. Bora pensar nisso:

“O que me incomoda é a incapacidade reiterada que vejo em tantos brasileiros de se dar conta do crime hediondo, do genocídio que foi a escravidão brasileira. Não creio que as ações afirmativas sejam o acerto com esse passado. Não há acerto possível com um passado tão abjeto e repulsivo, mas feliz é a Nação que reconhece a marca dos erros em sua história e trabalha para construir um futuro novo”.

quinta-feira, novembro 26, 2009

Esqueletos no armário

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O Ministério Público Federal ofereceu hoje denúncia contra o deputado federal Paulo Maluf, do PP (abaixo), e o senador Romeu Tuma, do PTB (ao lado), por ocultação de cadáveres durante a ditadura militar. Além dos dois, foram denunciados o ex-prefeito de São Paulo Miguel Colasuonno, o médico legista e ex-chefe do necrotério do Instituto Médico Legal (IML) local Harry Shibata, e o ex-diretor do Serviço Funerário Municipal Fábio Pereira Bueno. O MPF afirma que desaparecidos políticos foram sepultados nos cemitérios de Perus e Vila Formosa, na capital, de forma "ilegal" e "clandestina", com a participação do IML e da Prefeitura. Segundo a procuradora Eugênia Fávero, Maluf e Tuma contribuíram para que as ossadas permanecessem sem identificação em valas comuns e atestaram falsos motivos de morte a vítimas de tortura. O MPF requer perda de funções públicas e do direito à aposentadoria, além de reparar danos morais coletivos, com indenização de, no mínimo, 10% do patrimônio pessoal de cada um. Por se tratar de ações civis públicas, a iniciativa não ameaça os mandatos dos dois parlamentares, protegidos pela Constituição. A procuradora propôs, então, que as indenizações sejam revertidas em medidas que preservem a memória das vítimas da ditadura (de que forma, não ficou claro). O que acham? Mais um caso pra acabar em pizza?

terça-feira, dezembro 16, 2008

Juiz do caso Richarlyson é "punido"

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O juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho, autor da risível justificativa de arquivamento da queixa-crime de Richarlyson contra o diretor administrativo do Palmeiras, José Cyrillo Jr., foi "punido".

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que os termos da sentença foram impróprios (um trecho, para relembrar: se for homossexual, "melhor seria que abandonasse os gramados") e, por isso, o juiz não poderá ser promovido por merecimento pelo prazo de um ano a partir da punição, que começou a valer no último dia 10.

Eu já critiquei decisões jurídicas aqui no blog e ganhei umas aulas sobre direito. Mas ainda assim vou me arriscar de novo: isso lá é punição para um juiz que usa a homofobia como justificativa para o arquivamento de uma queixa? Afinal ele continua no tribunal, julgando com os mesmos argumentos. Com a palavra os entendidos em Direito.

quinta-feira, novembro 27, 2008

Do PT seria caixa dois; do DEM, "doações ocultas"

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Tá lá na Agência Estado: o prefeito reeleito de São Paulo, queridinho da mídia Gilberto Kassab (foto), do ex-PFL (DEM), que arrecadou R$ 29,8 milhões na campanha deste ano, "justificou" simplesmente 95% (reforço: noventa e cinco por cento) do dinheiro como oriundos de "doações ocultas", segundo prestação de contas à Justiça Eleitoral. Gente, isso não é sério. É muito sério, pô! No total, R$ 28,5 milhões entraram na conta da campanha via partido político ou comitê partidário, operação que até é permitida pela legislação, mas dificulta a crucial identificação de quem financiou o candidato. E a mídia, pra variar, trata o assunto com total discrição.

Entenderam o golpe? Quando empresas e pessoas físicas fazem doações diretas aos candidatos, sua identidade é revelada na prestação de contas. Mas, quando a doação vai para o caixa do partido, é impossível saber quem a recebe efetivamente, pois o dinheiro pode ser repassado para mais de um candidato. E, enquanto as prestações de contas das campanhas são feitas até 30 dias após as eleições, os partidos só divulgam a lista de seus doadores no meio de 2009. Lembrete: Kassab teve a campanha mais cara entre os concorrentes e quase atingiu o teto previsto antes do início das eleições, de R$ 30 milhões. Repito o meu jargão: ah, se fosse o PT...

quarta-feira, novembro 26, 2008

Maradona protagoniza nova forma de censura na internet

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A notícia vem circulando há alguns dias, mas só vi hoje no The First Post.

Martin Leguizamon Peña, advogado do atual técnico da seleção argentina de futebol, o ex-10 Diego Armando Maradona, conseguiu na Justiça argentina uma liminar que restringe resultados de busca com o nome de seu cliente. A estratégia tem um dado "inovador", que é exigir filtros também na busca em vez de apenas atacar pontualmente seus resultados. Assim, ao buscar qualquer combinação de palavras que inclua "Maradona" no Yahoo! argentino, lê-se:

Con motivo de una orden judicial solicitada por partes privadas, nos hemos visto obligados a suprimir temporalmente todos o algunos de los resultados relacionados con ésta búsqueda.
Até dia 10 de novembro, consta que nem o aviso era exibido, era nenhum resultado e pronto.

Foto: AFA

Busca na internet? Com meu nome, não.

Mecanismo
A causa do atleta é apenas a mais recente das obtidas em diferentes cortes do país que impõem filtros a buscas. Celebridades e magistrados já haviam recorrido a expedientes semelhantes com o mesmo advogado. Nos outros casos, segundo a organização Open Initiative, a restrição é a conteúdos pornográficos ou difamatórios. As buscas envolvendo as atrizes Susana Giménez, Paola Krum e Isabel Macedo, modelos Nicole Neumann, Sofía Zámolo e Julieta Prandi, e a juíza María Servini de Cubría – acusada de corrupção – estão entre as que têm restrição nas páginas ".ar".

Peña, o mais temido pelo Google e pelo Yahoo, garante 80% de sucesso nos processos contra essas empresas. Ele começou a obter sentenças do tipo em 2006, mas elas dispararam em maio deste ano.

A estratégia consiste em amontoar muitas ações com pedidos variados. Umas demandam a retirada de páginas específicas da lista de resultados. Outras exigem o bloqueio total. Uma terceira linha quer ver um filtro do buscador funcionando, para determinar o que for difamatório. A justificativa oficial é impedir que o nome da celebridade seja usado indevidamente por gente que tenta chamar atenção prometendo mostrar artistas e jogadores em um desempenho, digamos, de foro íntimo, seja pornográfico, seja em combinações de termos como "sexshop".

A sentença de Maradona saiu em setembro, exigindo bloqueio a páginas com teor pornográfico envolvendo seu nome e o de 33 membros da família. Em vez de analisar um por um os resultados, o Yahoo! preferiu bloquear tudo. A Google promete ser mais combativa e levar a questão à corte suprema se for o caso, baseada em princípios de "mera transmissão" e "inexistência de obrigação geral de supervisão" por parte de motores de pesquisa, e na liberdade de expressão.

Iniciativa global
Acatar medida judicial sem fazer alarde não é contra a lei, mas fere os princípios da Global Network Initiative. O código de conduta formulado por portais de internet, incluindo Google, Yahoo! e outros, foi lançado no dia 28 de outubro para proteger a liberdade de expressão e a privacidade. As questões foram colocadas depois que de chover críticas pesadas às empresas (especialmente o Yahoo) por colaborarem com o governo chinês.

A principal medida de controle consiste em submeter as empresas a auditorias independentes para saber se elas avisaram adequadamente os usuários a respeito de qualquer restrição e as leis em que foram enquadradas.

Na prática
Então não se pode mais querer saber, por exemplo, sobre a mão de Deus ou sobre a admiração do cidadão por Fidel e Che em terras de Cristina Kirchner?

Mais ou menos. Tudo bem para "Diego Armando", também para a página espanhola do portal de busca. Ah, pode ainda diegoarmando ou maradone.

Quem quiser saber sobre as posições do técnico argentino, terão que se esforçar. Ainda bem que o Maradona não apóia o Futepoca.

P.S.: Enquanto isso, no MPF...

sexta-feira, outubro 24, 2008

Justiça eleitoral: pesos e medidas

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Nas eleições de 2004, em Mauá, minha cidade natal e domicílio eleitoral, o candidato petista Márcio Chaves teve sua candidatura cassada pela justiça eleitoral. O processo começou com uma representação apresentada pelo vereador Manoel Lopes, então no PFL, que viria a se tornar DEM, por uso da máquina administrativa municipal para fazer campanha. O crime foi a exposição Túnel do Tempo, criada pela gestão de Oswaldo Dias (PT, então em seu segundo mandato) para comemorar os 50 anos de emancipação da cidade, comemorados naquele ano.

Marcio venceu o primeiro turno, com 91.910 votos (45%) contra 79.584 votos (39%) do segundo colocado Leonel Damo, do PV. O candidato verde é um tipo de Paulo Maluf mauaense. Foi prefeito na cidade duas vezes, fez um monte de obras do tipo asfalto, prédios públicos, essas coisas de empreiteiras, ganhou uma penca de dinheiro. Tem esquemas com os principais empresários, como o famigerado Baltazar, proprietário das empresas de ônibus. É dono de uma casa que é uma espécie de sítio num bairro central da cidade, ocupando uns dois ou três quarteirões murados. Hoje, como em 2004, é visto como ultrapassado e corrupto e enfrenta uma rejeição enorme. Enfim, o petista tinha boas chances de vencer a disputa no segundo turno.

Mas a juíza eleitoral Ida Inês Del Cid aceitou o pedido e cassou Marcio. Não satisfeita, poucos dias depois da primeira decisão, proclamou Damo eleito. A decisão da juíza mostrar-se-ia acertada, mas um pouco apressada: recursos petistas ao TRE e TSE prolongaram a indefinição sobre as eleições por mais ou menos um ano, até que Damo fosse oficialmente empossado (nesse período, o então presidente da Câmara, Diniz Lopes – irmão mais novo do Manoel que fez a representação – governou a cidade interinamente, aumentou os salários dos servidores e formou uma base de eleitores que lhe rendeu 17% dos votos em 2008, quando se candidatou a prefeito).

Eu me lembro de passar pela malfadada exposição Túnel do Tempo. Era uma espécie de tenda em forma de, bem, túnel, com imagens históricas, alguns textos, coisa e tal, colocada no centro da cidade. Não vi nada demais e estranhei quando veio a notícia da cassação com base naquilo. Depois me explicaram que fazia parte da exposição um vídeo que tinha menções positivas a Marcio Chaves, que era secretário de Saúde na administração Dias. Segundo matéria que resgatei do Terra: “De acordo com a decisão, a exposição foi realizada fora do prazo legal de três meses que antecedem as eleições. Pires teria infringido o Artigo 73 da Lei Eleitoral, que caracteriza o ato de propaganda institucional proibida.”

Pois bem. A justiça eleitoral considerou justa a cassação da candidatura de Marcio Chaves por conta de um vídeo em uma exposição realizada por alguns dias no centro da cidade, o que provavelmente deve estar certo. Mas cabem algumas ponderações. Mauá não é São Paulo, mas é uma cidade grande, com mais de 200 mil eleitores. O tal vídeo poderia ter algum efeito, mas não creio que fosse determinante. Tanto que os jornais da região deram (me lembro bem) a foto de Damo sendo prematuramente empossado pela juíza, mas não fiquei sabendo de nenhuma repercussão ao tal do vídeo antes da decisão da justiça.

Agora, a mesma justiça aprecia o pedido de cassação da candidatura Kassab. Todo mundo no estado de São Paulo sabe qual foi o fato que levou ao pedido, o tal do checão. E todo mundo sabe porque a foto do ato apareceu na capa dos dois maiores jornais do estado e do país. E Kassab não é secretário municipal, é o próprio prefeito. E apareceu do lado do governador do estado, seu principal apoiador e padrinho político (atual, antes ele teve outros).

E a decisão (tanãm!) é uma multa de R$ 5.320,50. A diferença de pesos e medidas sempre me impressiona.

PS: Para quem tiver paciência, veja aqui um vídeo que demonstra o alto nível da argumentação contra os petistas na cidade.

quinta-feira, outubro 23, 2008

MP dá parecer favorável à cassação da candidatura de Kassab pelo cheque dado ao metrô

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É claro que vão fazer de tudo pra não dar em nada, mas não custa registrar: o promotor eleitoral Eduardo Rheingantz apresentou parecer favorável à ação em que Marta Suplicy (PT) pede a impugnação da candidatura de Gilberto Kassab (DEM), com quem disputa a Prefeitura de São Paulo. Em solenidade na quarta-feira passada, dia 15, o atual prefeito repassou R$ 198 milhões ao governo do Estado para investimentos em obras do metrô. No ato, em que recebeu uma réplica de um cheque de 1 metro e meio das mãos de Kassab, o governador José Serra (PSDB) exaltou a parceria com o prefeito. O parecer do procurador é levado em conta pelo juiz eleitoral no momento de proferir a decisão final no processo. A representação ainda será julgada no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) da capital paulista e Kassab só tem a candidatura cassada caso a decisão seja confirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Pergunta que não quer calar: por que, em vez de dar dinheiro ao metrô, a Prefeitura de São Paulo não faz o dever de casa e resolve os problemas do trânsito que são de sua própria alçada?

O TRE deve julgar o pedido nos próximos dias. O TSE anunciou que vai acelerar o julgamento dos recursos de impugnação de candidaturas para que não haja atraso até a posse dos eleitos. A representação foi protocolada no último dia 17 por Marta, que acusa - corretamente - Kassab de utilizar a máquina na campanha à reeleição. A foto com Serra e o cheque foi veiculada no site do candidato. "Com efeito, os representados - especialmente o presidente do Metrô e o candidato Kassab, que são agentes públicos - usaram bens públicos móveis e imóveis para fins eleitorais", diz o procurador, no parecer. "De fato, fosse uma mera cerimônia administrativa de repasse de recursos, -como sustentam os representados -não precisava ser um espetáculo, que contou inclusive com artifícios visuais", completou o procurador, que defende que a representação deve ser julgada procedente.

Cinicamente, a assessoria do candidato do DEM alega que a cerimônia foi realizada respeitando-se a legislação eleitoral. A mídia finge que acredita e todo mundo fica feliz. Ah, se fosse a Marta a fazer um negócio desses...

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Atualização:
Só multa: "Justiça" eleitoral premia crimes
Kassab e Marta vão recorrer de decisão sobre "checão do metrô"