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quarta-feira, dezembro 30, 2015

Anarquia, oi, oi!

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Passando pela Praça do Patriarca, em São Paulo, que homenageia José Bonifácio de Andrada e Silva (aquele que pregava que "a embriaguez é o vício geral, porque combate a tristeza e dá energia, quebra as cadeias de opinião e faz esquecer os desprazeres da vida; mas como ela dura pouco, é preciso continuá-la"), notei que a estátua do manguaça histórico, patrono de nossa independência, agora exibe o símbolo de outro credo político:


Por isso, fecho o ano - e minhas postagens - com Garotos Podres (abaixo). Hasta la vista.



ANARQUIA OI!

Um dia você vai descobrir
Que todos te odeiam e te querem morto
Pois você representa perigo ao poder!!!
Anarquia oi, oi! Anarquia oi, oi! Anarquia oi, oi!
Eles não querem que você viva
Destrua o sistema - antes que ele o destrua
Não acredite em falsos líderes
Pois todos eles vão te trair!!!
Anarquia oi, oi! Anarquia oi, oi! Anarquia oi, oi!
A-NAR-QUI-A! A-NAR-QUI-A!
Anarquia oi, oi! Anarquia oi, oi! Anarquia oi, oi!
 OI !


terça-feira, março 17, 2015

Socialismo e anarquismo - para crianças

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Chiados e riscos nostálgicos na estante da sala
Ao embutir uma estante na parede da sala, e instalar, nela, um aparelho de som com toca-discos, passei uma noite inteira deleitando os ouvidos com velhos LPs, observando as artes das capas gastas pelo tempo e curtindo até os nostálgicos chiados e riscos que os CDs eliminaram. Discos bem antigos da Simone, Toquinho & Vinicius, Roberto Ribeiro, Clara Nunes, Milton Nascimento, trilhas de novelas e de filmes, duplas caipiras, música brega, rockinho brasileiro dos anos 80, coletâneas de tangos e de canções italianas, música andina, blues, jazz, guarânias, mela-cueca, enfim, uma miscelânea anárquica e heterogênea que catei aqui e acolá nos últimos 20 anos. Tem até um LP do (falecido) ator Cláudio Cavalcanti, de 1971, em que ele declama poemas e canta várias canções, como "Let it Be", dos Beatles (!). A última parada foram os discos infantis, para que minha filha Liz, de 12 anos, se familiarizasse - e se divertisse (muito!) - com o manuseio dos anacrônicos vinis e do toca-discos. E conhecesse, por tabela, o som que as crianças consumiam em tempos idos: Patotinhas, Arca de Noé, Pirlimpimpim, Balão Mágico etc etc.

Capa do vinil lançado no Brasil há 38 anos
Foi aí que encontramos o LP "Os Saltimbancos", de 1977, versão brasileira do musical inspirado no conto "Os Músicos de Bremen", dos Irmãos Grimm, com letras do italiano Sergio Bardotti e músicas do argentino Luis Enríquez Bacalov. Aqui, as letras em português foram feitas por Chico Buarque, e interpretadas, no LP, por Miúcha, Nara Leão, Magro e Ruy (ambos do MPB4). Liz já tinha ouvido essas músicas, mas sem prestar muita atenção. Daí eu expliquei o caráter político do musical, com o personagem Jumento representando a classe trabalhadora, a Gata os artistas e libertários, o Barão a elite conservadora, e daí por diante. A tese central, no enredo que conta a união de quatro animais contra o jugo de seus donos, é marxista: "Todos juntos somos fortes/ Somos flecha e somos arco/ Todos nós no mesmo barco/ Não há nada pra temer" (da música "Todos juntos", sintetizando o que o velho Karl quis dizer com "Trabalhadores do mundo, uni-vos"). Mas eu mesmo nunca tinha atentado para a ousadia do Chico Buarque. Como é que isso passou pela censura da época?

Chico e sua filha Silvia, em 1977: ousadia
Na letra de "Um dia de cão", que apresenta o personagem Cachorro, a provocação aos militares é escancarada: "Lealdade eterna-na/ Não fazer baderna-na/ Entrar na caserna-na/ O rabo entre as pernas-nas". E mais: "Fidelidade à minha farda/ Sempre na guarda do seu portão/ Fidelidade à minha fome/ Sempre mordomo/ E cada vez mais cão". A zombaria (pesada) à obediência canina e nunca questionada dos militares é arrematada com a frase "Sempre estou às ordens, sim, senhor!". Por algo muito semelhante - os versos "Há soldados armados, amados ou não/ Quase todos perdidos de armas na mão/ Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição/ De morrer pela pátria e viver sem razão", de "Pra não dizer que não falei das flores (Caminhando e cantando)" - o Geraldo Vandré tornou-se o inimigo musical nº 1 dos militares e sofreu forte perseguição. Mas as sutilezas de "Os Saltimbancos" não param por aí. Na música que apresenta a personagem Galinha, Chico Buarque ironiza (os grifos são meus): "Pois um bico a mais/ Só faz mais feliz/ A grande gaiola/ Do meu país". Hoje isso pode parecer uma bobagem sem importância, mas, naqueles tempos bicudos, isso era uma provocação pra lá de temerária. Só que, de alguma forma, passou pela censura.

Raul: anarquia para crianças (na Globo!)
Outro LP revisitado, dessa vez muito menos político, foi o "Plunct, plact, zum", trilha sonora de um especial infantil exibido pela TV Globo em 1983. Tinha no elenco os humoristas José Vasconcelos e Jô Soares, as cantoras Fafá de Belém e Maria Bethânia e os cantores/compositores Eduardo Dusek e Raul Seixas. E foi este último que, pra variar, "carimbou" ali, naquela inocente atração global para crianças, um componente político inusitado. Encarnando o "Carimbador Maluco", Raul compôs uma canção homônima que fez enorme sucesso (tirando-o de um ostracismo de três anos sem gravar) e que botou na boca das crianças - e do povo - os versos iniciais "Tem que ser selado, registrado, carimbado/ Avaliado, rotulado/  Se quiser voar!". Pois isso foi tirado simplesmente de um texto anarquista, "Ser governado", de Pierre-Joseph Proudhon, publicado em 1851 no livro "Idée générale de la révolution au XIX e siècle" ("Ideia geral de revolução no século XIX"). Diz o filósofo e político francês: "Ser governado é ser, a cada operação, a cada transação, a cada movimento, notado, registrado, recenseado, tarifado, selado, medido, cotado, avaliado, patenteado, licenceado, autorizado, rotulado, admoestado, impedido, reformado, reenviado, corrigido". Isso mesmo: anarquia para crianças! E na Rede Globo! Grande Raul. A Liz adorou tudo isso.


quinta-feira, abril 09, 2009

A fronteira invisível no coração dos homens

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Revisando a tese de doutorado de meu amigo Max Gutiez, aprendi que na semana passada, dia 1º de abril, completaram-se 70 anos do fim da Guerra Civil Espanhola. É um dos conflitos mais emblemáticos daqueles anos entre as duas Grandes Guerras. Opunham-se republicanos, em grande parte anarquistas, e falangistas, fascistas, liderados por Francisco Franco. Gente de todo o mundo vai à Espanha lutar contra o avanço fascista e sonhar com um mundo socialista, inspirados na vitoriosa Revolução Russa – em 1934, quando começa a guerra, ela ainda não havia sido traída por Stálin e seus burocratas. Do outro lado, a Alemanha nazista aproveita para testar seus armamentos sobre o povo espanhol, antes de levar a ferro o seu expansionismo.

A guerra se inicia com um dos episódios mais brutais de que ouvi falar. Em Gijón, na região de Astúrias, um importante porto de exportação do minério espanhol, sindicalistas anarquistas organizados se levantam contra a opressão e por melhores condições de vida e trabalho. Tem início a revolução. Avançam e ganham forças. O general Franco é então designado para negociar com os revoltosos. Vai a Astúrias, se reúne com cada líder e cada grupo revolucionário, diligente e amistosamente anota-lhes o nome e o endereço. Na semana seguinte, o Exército espanhol passa em arrastão pela cidade matando um por um todos os líderes, dentro de suas casas e com suas famílias. Foram centenas de mortos em um dia. O telegrama que Franco envia a Madrid diz: "resolvido o problema asturiano". Tamanha atrocidade e infâmia não poderia ser suportada pelo aguerrido povo espanhol, que se levanta, e a guerra se deflagra.

Mais que o heroísmo e sua complementaridade de horror, a guerra civil instaura o pânico e uma total desrazão. Morre-se mais por fuzilamentos do que em confrontos com os inimigos. Uma denúncia era o suficiente para que alguém fosse morto, muitas vezes por companheiros do próprio lado que defendia. E, se hoje parece fácil olhar retrospectivamente e assumir o lado dos republicanos, para quem vivia ali era quase impossível ter clareza do que de fato significava ser anarquista ou fascista, sobretudo o cidadão comum, sem formação política.

Ninguém descreveu esse estado de coisas tão bem quanto Antoine de Saint-Exupéry (foto à esquerda) – ele mesmo, o autor do Pequeno Príncipe, era também piloto e repórter de guerra. O Max o cita em sua tese (ainda inacabada), dizendo que a Espanha é neste momento um lugar onde as “mães (...) não sabem, quando dão à luz, que imagem da verdade irá inflamar, mais tarde, os seus filhos, nem quais os partisans que os irão fuzilar, segundo sua justiça, quando eles tiverem vinte anos”.

Um dos parágrafos mais fortes é este, com citações de Saint-Exupéry:

“O que o espanta é saber que a aparência de uma cidade como as outras mascara um drama que ‘para descobrir (...) será necessário procurá-lo’. ‘Porque’, diz Saint-Exupéry, ‘na maioria das vezes ele se apresenta não no mundo visível, mas na consciência dos homens’. Essa visão aérea da Espanha (é o piloto adentrando o país pela região da Catalunha) mostra aquilo que depois será constatado em terra. Ao entrar em Barcelona, formula a pergunta inevitável: ‘Mas onde está o terror em Barcelona? Além de uns vinte prédios queimados, onde está a cidade em cinzas? À parte algumas centenas de mortos (...) onde estão essas hecatombes?... Onde, essa fronteira sangrenta por sobre a qual se dispara?’. A resposta nos dá o próprio autor: ‘Não encontrei facilmente essa fronteira. É que nas guerras civis ela é invisível e passa por dentro do coração do homem’.”

Às vezes penso que hoje o que vivemos é algo próximo à guerra civil. Não é, como pode parecer, uma alusão ao Capitão Nascimento: a guerra dele tem front e interesses claros. Penso em nossa vida comum, nas cidades, na vida que ainda se pretende política, porque pública. Se mata e se morre sem saber muito bem por quê, se assume causas e se condena por questões circunstanciais – ou por questões de fundo que se perdem em meio à espessa cortina de fumaça das falsas notícias e opiniões infundadas. Qualquer semelhança com o nosso futebol não é coincidência. Mas nem só de futebol se vive, e se mata, no nosso mundinho.

Como outras guerras, a moral da história dessa Guerra Civil, que termina com a vitória fascista, em 1939, às vésperas da invasão nazi da Polônia, talvez seja que, haja o que houver, é a democracia radical – que imprescinde do conflito aberto, do reconhecimento da diferença e sua verbalização clara e respeitosa – que permite a existência de algo que se possa chamar de civilidade. Alguns de nós estamos aprendendo, mas não falta quem fuzile os que se levantam pelo direito de dar voz ao outro e polemizar com ele.