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terça-feira, março 31, 2009

Mentira na data e no nome - DITADURA foi mortal

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Na data de hoje, 31 de março, muitos militares, conservadores e simpatizantes vão comemorar os 45 anos da chamada "Revolução de 1964". Mentira - e mentira dupla. O golpe (sim, senhores, esse é o nome verdadeiro!) ocorreu em 1º de abril daquele ano, com tanques na rua, contra a população civil desarmada (foto à direita). Foi no "dia da mentira", algo cruelmente sintomático. Mas, para evitar chacotas "subversivas", a data "festiva" dos milicos acabou sendo substituída pelo dia anterior. Mas a mentira mais deslavada, no caso, foi o carimbo "revolução" que a mais sangrenta, cruel e duradoura quartelada de nosso país recebeu da "história oficial". Ou aliás, quartelada não: DITADURA, com todas as letras - e maiúsculas. Que usurpou o poder, extinguiu direitos, perseguiu, cassou, prendeu, exilou, agrediu, torturou, matou, ocultou cadáveres e aterrorizou a nação por mais de duas décadas. E ainda temos que suportar a "ditabranda" da asquerosa Folha de S.Paulo. Porém, nessa data infeliz, gostaria de reproduzir abaixo, como desabafo, um texto que, apesar de longo para um post, é muito válido nessa ocasião especial:

45 ANOS DO GOLPE DE ABRIL

Caio N. de Toledo*

Há 45 anos – no dia em que o imaginário popular consagra como o “dia da mentira” – era rompida a legalidade democrática vigente no país desde a derrubada da ditadura do Estado Novo (1937-1945). Hoje, no Brasil, poucos serão aqueles que cometerão o despropósito de propor algum tipo de comemoração pública desta infausta data. Felizmente, nestes dias, em instituições acadêmicas e entidades culturais e políticas, em sindicatos de trabalhadores, em alguns jornais e revistas da grande imprensa e em blogs de jornalistas independentes deverão ocorrer debates que examinarão criticamente os significados e os efeitos do movimento de abril de 1964 na história política e cultural recente do país.

Certamente, nenhum veículo da grande mídia nacional ousará afirmar que o pós-1964 no Brasil – comparativamente às ditaduras militares sul-americanas (“mais cruéis”, “mais sanguinárias” etc) – teria sido uma autêntica “ditabranda”. Quem fez isso recentemente, se deu muito mal... Golpe ou revolução? Àqueles que ainda insistem em denominar este movimento com a noção de “Revolução”, deveríamos lembrar as palavras de um eminente protagonista daquele movimento. Em 1981, em celebrado depoimento, Ernesto Geisel declarou: “o que houve em 1964 não foi uma revolução. As revoluções se fazem por uma idéia, em favor de uma doutrina”.

Para o vitorioso de 1964, o movimento se fez “contra Goulart”, “contra a corrupção”, “contra a baderna e a anarquia que destruíam o país”. Estritamente falando, o ex-ditador reconheceu que o movimento liderado pelas Forças Armadas não era a favor da construção de algo novo no país; era, sim, um movimento contra um estado generalizado de coisas que “infelicitavam o povo e a nação brasileira”...Pertinentes, pois rejeitam a noção de Revolução para caracterizar o 1º. de abril de 1964, as formulações do militar golpista, no entanto, podem ser objeto de uma outra leitura.

Assim, é possível – a partir de uma outra perspectiva teórica – ressignificar todos os “contras” presentes no depoimento do militar. Mais apropriado seria então afirmar que 1964 representou: (a) um golpe contra a incipiente democracia política brasileira; (b) um movimento contra as reformas sociais e políticas e (c) uma ação repressiva contra a politização das organizações dos trabalhadores e o extenso e rico debate de idéias que se desenrolava de norte a sul do país.

Em síntese, no pré-1964, as classes dominantes e seus aparelhos ideológicos e repressivos – diante das iniciativas e reivindicações dos trabalhadores no campo e na cidade e de setores das camadas médias – apenas vislumbravam “crise de autoridade”, “subversão da lei e da ordem”, “quebra da disciplina e hierarquia” dentro das Forças Armadas e a “comunização” do país que, no limite, implicariam a “dissolução da família” e o “fim propriedade privada”. Embora, por vezes, expressas numa linguagem “radical” – na “lei ou na marra”, “morte aos gorilas” etc. –, as demandas por reformas sociais e políticas pretendiam, fundamentalmente, o alargamento da democracia política e a realização de mudanças no capitalismo brasileiro.

Não se pode, contudo, deixar de reconhecer que, em toda a história republicana brasileira, o golpe contra as frágeis instituições políticas se constituiu em permanente ameaça. O fantasma do golpe rondou, em especial, os governos democráticos no pós-1946 e, com maior intensidade, a partir dos anos 1960. Pode ser dito que o governo Goulart nasceu, conviveu e morreu sob o espectro do golpe de Estado. Em abril de 1964, o golpe – permanentemente reivindicado por setores privilegiados da sociedade civil – foi, então, definitivamente vitorioso.

O golpe paralisou um rico e amplo debate político, ideológico e cultural que ocorria em órgãos governamentais, partidos políticos, associações e sindicatos de classe, entidades culturais, meios editoriais e de comunicação etc. Nos anos 1960, conservadores, liberais, nacionalistas, socialistas e comunistas formulavam publicamente suas propostas e se mobilizavam politicamente para defender seus projetos sociais e econômicos.

Se o governo Goulart e os setores progressistas tiveram alguma parcela de responsabilidade pelo agravamento da crise política no pré-1964, deve-se, contudo, enfatizar que quem planejou e desencadeou o golpe contra a democracia política foram as classes dominantes – apoiadas por setores médios e incentivadas por órgãos governamentais norte-americanos (Embaixada dos EUA, Departamento de Estado, Pentágono e outras agências de segurança) – e pela alta hierarquia das Forças Armadas brasileiras.

Destruindo as organizações políticas e reprimindo os movimentos sociais de esquerda e progressistas, o golpe foi saudado pelo conjunto do empresariado (industrial, rural, financeiro e investidores estrangeiros), pela alta cúpula da Igreja católica, pela grande imprensa etc. como uma autêntica “Revolução” – com a virtude maior de ter sido ela um movimento “pacífico” e “redentor”. Aliviadas por não terem de se envolver militarmente no país, as autoridades norte-americanas congratularam-se com os militares e civis brasileiros pela “solução” que encontraram na superação da “crise política” enfrentada pelo país. A administração Lyndon Johnson (1963-1969) não pode senão festejar pois uma nova (e grandiosa) Cuba teria sido evitada ao sul do Equador...

Embora tivesse simpática acolhida nos meios populares e sindicais, o governo Goulart ruiu como um castelo de areia. Dois de seus principais pilares de apoio – como apregoavam os setores nacionalistas – mostraram ser autênticas peças de ficção. De um lado, o propalado “dispositivo militar”, comandado pelos chamados “generais do povo”; de outro, o chamado 4º. poder que seria representado pelo Comando Geral dos Trabalhadores. Ambos assistiram – sem qualquer reação significativa – a queda inglória de um governo a quem juravam fidelidade e o compromisso de defender, destemidamente, até com o sacrifício da vida...

Ao contrário do que afirmaram os “vencedores”, as classes populares e trabalhadoras estiveram ausentes das chamadas “marchas em defesa da família e da propriedade” – promovidas por associações de mulheres católicas da alta burguesia e de setores médios – que, em algumas capitais do país, pediam ostensivamente a destituição de João Goulart. No entanto, as classes populares e os trabalhadores nada fizeram para evitar a derrubada de um governo que, a partir de fins de 1963, passou a defender de forma mais estridente as bandeiras do nacionalismo e das reformas sociais.

Por sua vez, as entidades políticas e os movimentos sociais – no campo e na cidade – que afirmavam representar os trabalhadores e os setores populares nenhuma gesto tiveram para se opor ou impedir o golpe que há muito tempo se anunciava no horizonte – nas conversas dos políticos, nas páginas dos jornais e revistas e nas passeatas de ruas. Desarmadas, desorganizadas e fragmentadas, as entidades progressistas e de esquerda – muitas delas caudatárias do governo Goulart – nenhuma resistência ofereceram à ação dos militares. Poucas semanas antes de abril, algumas lideranças de esquerda afirmavam que os golpistas – caso atrevessem quebrar a ordem constitucional – teriam as “cabeças cortadas”. Tratava-se, pois, de uma rompante metáfora... Com a ação dos “vitoriosos de abril”, esta expressão, no entanto, se tornou uma dura e cruel realidade para muitos homens e mulheres durante os longos 20 anos de ditadura militar.

45 anos depois, nada há, pois, a comemorar. Aos setores democráticos e progressistas ainda cabem inadiáveis tarefas na luta pela ampliação e fortalecimento da democracia política no país; passados 45 anos, impõe que se faça justiça às vítimas da ditadura militar e que a verdade sobre os fatos ocorridos no período de 1964 a 1985 seja plenamente conhecida por todo o povo brasileiro.

*Caio N. de Toledo é professor colaborador do IFCH, Unicamp, autor de "O governo Goulart e o golpe de 1964", Editora Brasiliense, e "1964: visões críticas do golpe (org.)", Editora Unicamp.

8 comentários:

Nicolau disse...

Lembrança necessária, Marcão, sobre tristes tempos de nossa história. E pensar que tem mesmo quem ainda hoje defenda a obra da elite e do exército brasileiros...

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Acho interessante e pertinente analisar três argumentos comuns dos milicos e da direita reacionária sobre o porque da "ditabranda", "Revolução" e baboseiras afins...

1. Poucas mortes:

Primeiro argumento que é horripilante. A DITADURA teria matado pouco em comparação com as demais ditaduras da AL.

Cá entre nós, a Ditadura poderia ter matado menos que o Maníaco do Parque, não importa. MATOU e TORTUROU. Foram 300 ou 300 mil, não interessa. Quantas famílias não choraram e ainda choram seus parentes e amigos mortos? E os torturados? Não morreram mas ainda estão aí, alguns com sequelas - como Vandré - outros sãos mas ainda assim marcados, de uma maneira ou outra, por um episódio terrível da história, uma ditadura.

2. Perigo do Comunismo:

Razão dada pelos milicos para se justificar. Sem comentários, é simplesmente boçal acreditar nisso antes e hoje - aliás, Olavinho de Carvalho ainda acha que os Comunas vão tomar o país e que Lula deve ser o novo Stálin! - e como "motivo histórico" é mais uma piada e um demérito no histórico de nossas forças armadas que já tem na bagagem o golpe que deu origem à República e o genocídio no Paraguai.

3. Guerrilha

Usar a revolta armada como desculpa para torturar é clássico. A Espanha faz isso ainda hoje, torturando Bascos em nome da luta contra o Terrorismo, personificado pela ETA.

Vale sempre lembrar que as torturas já existiam, os "desaparecimentos" já existiam antes da Guerrilha se ativar. Esta foi uma REAÇÃO.

Não cabe aqui defender ou criticar, não é o ponto e sim mostrar que a Guerrilha foi uma reação a um regime de exceção e assassino.

Ademais, alguns ainda poderiam dizer "ok, era uma guerra, matar e torturar guerrilheiros poderia até ser justificado."

Já ouvi coisas do tipo.

Discordo mas, digamos que o argumento seja válido (não é, vale apenas pela discussão), mesmo assim podemos encontrar milhares de casos de torturas e dezenas de mortos - quiçá centenas - dentre pessoas que NUNCA foram guerrilheiros, que NUNCA pegaram numa arma ou que JAMAIS se levantaram contra o regime com mais que palavras e escritos.

O injustificável permanece, contra todo e qualquer argumento.

A Ditadura é DURA, não é branda. Matou, torturou e envergonhou o país. Manchou nossa história com sangue e até hoje se recusa a reconehcer e, pior, glorifica assassinos e torturadores.

O Brasil só começará a caminhar como um país decente quando puser detrás das grades seus criminosos mais notórios, a começar pelos militares que cometeram crimes contra a humanidade.

tsavkko.blogspot.com

Anselmo disse...

eu até concordo que os argumentos mais absurdos podem valer pela discussão. Mas é complicado pelo efeito que a retórica da "ditabranda" provoca no fígado. Um argumento é muito ofensivo e furado é mesmo um desafio para o lado democrático de qualquer um. Aliás, que democracia não é o forte dos golpistas.

Glauco disse...

Importante a observação de que o golpe foi efetivado no dia 1º de abril, por mais que os milicos não gostem. O que acho impressionante mesmo é que em outros países militares chegaram a se desculpar publicamente pelos atos cometidos pela corporação. Aqui, muito smilitares fazem comemorações grotescas e insistem nas mesmas mentiras, o que atinge a moral da corporação diante da sociedade de forma quase irrmediável.

Nicolau disse...

O que o Glauco disse é fato: ninguém que tenha apreço pela democracia confia nas Forças Armadas. E isso é triste, pelo papel importante que essa instituição tem a desempenhar.

Marcão disse...

As Forças Armadas causam descrédito, entre outras coisas, porque não abandonaram seus métodos brutais:

"Em maio de 2001, o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e o Centro de Justiça Global entregaram ao Comitê Contra a Tortura da ONU documento onde eram assinalados 11 casos de torturas e violações acontecidos, em especial no estado do Rio de Janeiro, a partir de 1990".

Original em:

http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/dh/br/jglobal/redesocial/redesocial_2001/capi_tortura.htm


Mais relatos:

http://www.radiobras.gov.br/abrn/brasilagora/materia.phtml?materia=247349

http://www.socialismo.org.br/portal/seguranca-pessoal-e-direitos-humanos/176-documento/439-tortura-morte-e-corrupcao-atuacao-das-forcas-armadas

Nicolau disse...

Se considerarmos os métodos da PM, a coisa fica ainda mais feia...

Sartorato disse...

A PM era, inicialmente, uma polícia que só prendia criminoso político, não era? Só depois que foi rachar com a polícia civil a função prender qualquer um. É farinha do mesmo saco.