Destaques

Mostrando postagens com marcador banco central. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador banco central. Mostrar todas as postagens

terça-feira, março 16, 2010

20 anos do plano que calou os eleitores de Collor

Compartilhe no Twitter
Compartilhe no Facebook

Aquela foi a festa de aniversário de criança mais desanimada que já presenciei. Eu estava vestido todo de preto, mas com sorriso de orelha a orelha. No dia 16 de março de 1990, a equipe econômica do presidente Fernando Collor de Mello, empossado no dia anterior, anunciava um plano econômico que congelava depósitos do overnight, das contas correntes e das cadernetas de poupança que excedessem a 50 mil cruzados novos, o equivalente, na época, a 1.300 dólares (quase 2.300 reais na cotação atual). Dezenas de milhares de pessoas ficaram sem qualquer dinheiro ou fonte de renda, perderam o que tinham, adoeceram ou simplesmente se mataram. Até a Veja assustou (foto). Ainda hoje não fizeram um levantamento documental mais detalhado da extensão daquele desastre chamado Plano Collor.

Mas basta dizer que, no segundo semestre de 1990, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro desabaria para -7,8% e, nos dois anos seguintes, a economia perderia 2 milhões de empregos. Muito por causa disso os 35 milhões de eleitores que levaram Collor ao poder não fariam a mínima questão, em 1992, de sair às ruas para defendê-lo quando a sequência da escândalos o levou à renúncia. Uma imagem célebre do engodo que todos os eleitores do Collor se tocaram ter caído foi a inacreditável entrevista da ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, e do presidente do Banco Central, Ibrahim Eris, aos jornalistas Joelmir Betting e Lilian Witte Fibe. Ali ficou nítido que a equipe econômica do governo não fazia a menor ideia do que se tratava o plano que haviam acabado de impor ao país. Desesperador.

Pois então, foi naquele clima de estupefação geral da nação que eu fui com meus pais a uma festinha de criança na Associação do Banco do Brasil (AABB), na cidade onde nasci, em Taquaritinga (SP). Com 16 anos recém completos, eu havia acabado de tirar o título de eleitor e me preparava para votar em Plínio de Arruda Sampaio para governador. Nas eleições de 1989, Collor havia conquistado quase a totalidade de votos locais. Houve só uma passeata, dos colloridos, com metade da cidade. Eu e um amigo subimos no muro da minha casa para agitar uma bandeira do PT e levamos uns cascudos. Meu pai, que tinha um adesivo do Collor no carro, me deu uma sonora bronca. E todo mundo tirou sarro da gente quando o alagoano derrotou Lula.

Mas aí veio aquele 16 de março fatídico. Na festinha, só as crianças brincavam e eu sorria, degustando cerveja. Os convidados, em sua maioria médicos, conservadores e eleitores do Collor, nada falavam. Os semblantes eram de velório. Meu pai não perdeu nada, pois não tinha dinheiro guardado. Mas travou seu discurso político conservador por mais de dez anos. E eu, alertado previamente para não tocar no assunto, só podia sorrir. Mas sorri bastante.

Ps.: Quem também deve ter sorrido naquele dia foi o aniversariante José Dirceu, integrante da coordenação da campanha de Lula em 1989.

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Dinheiro na mão (do manguaça) é vendaval

Compartilhe no Twitter
Compartilhe no Facebook

O Banco Central divulgou hoje as novas cédulas de real (à esquerda) que devem entrar em circulação, gradualmente, até 2012. Elas tem certa semelhança com as cédulas de euro, que me habituei a manipular na fase irlandesa, em 2009. Mas escrevo porque a notícia dos novos reais me trouxe uma sensação nostálgica de outras cédulas, outras situações de vida. Ou melhor: de outros bares.

Porque, por exemplo, quando me recordo da nota de 1 cruzeiro da minha infância (à direita), lembro do Bar do Anésio, onde eu ia procurar meu pai - a mando de minha mãe. Cercado por violões, boêmios, tigelas de tira-gosto e garrafas, ele nunca tinha pressa de voltar para casa. Por isso, me dava uma meia-dúzia dessas cédulas para eu me esbaldar com salgados e refrigerantes, enquanto ele terminava os trabalhos do fórum adequado. Foi o Bar do Anésio, uma casa simples de telhas antigas, sem forro, que me tornou um "butequeiro". Aquele bando de gente falando alto, rindo, cantando e manguaçando era (e é) um programa muito melhor do que ficar em casa assistindo TV.

Mas eu só teria permissão para iniciar minha própria boemia bem mais tarde, aos 12 ou 13 anos, quando o dinheiro nacional já era o cruzado. Lembro bem da nota de mil com o Machado de Assis (à esquerda), a quota que minha mãe separava para eu passar o final de semana. Eu ainda bebia com muita moderação e o dinheiro me permitia manguaçar nas noites de sexta e sábado, nos bailes do clube local, sem passar vontade. Me parece que na época cerveja custava mais barato e, na falta dela, sempre tinha uma dose de menta azulada que completava o tanque e fornecia a necessária cara-de-pau para tirar as meninas pra dançar - e salvar a auto-estima quando ouvia um "não".

Pouco depois, o Fernando Collor assumiu a presidência da República e retornou nossa moeda para cruzeiro. Foi uma época em que eu já conseguia defender uns pixulés fazendo pequenos serviços e me aventurava em expedições etílicas e "mulherísticas" por outras cidades. Nesse período de transição as cédulas de cruzado continuavam circulando, com carimbos mostrando o novo valor em cruzeiros (acima). Me recordo que o dinheiro estava tão desvalorizado que ninguém usava moedas pra nada. No bar, o valor do goró mudava a todo momento. Foi aí que desenvolvi o hábito (conservado até hoje) de converter o valor de qualquer coisa em cerveja, para avaliar se é barato ou caro. Se a coisa ou serviço custa o equivalente a até meia-dúzia de cervejas, não é tão extorsivo. Mais que isso é roubo!

Outra cédula estranha que me lembro de ter manuseado foi a de cruzeiro real (à esquerda). Sim, meus jovens, antes do real tivemos essa moeda híbrida que durou bem pouco, acho que só o primeiro ano do governo Itamar Franco. Eu estava na faculdade e trabalhava vendendo (ou tentando vender) títulos de sócio do (talvez nunca concluído) clube de campo Águas de Atibaia. Meu bar preferido era o 1 + 1, que tinha pagode ao vivo - não sou fã, mas esses recintos costumam atrair a mulherada. Foi nesse buteco mítico que eu fiquei devendo 182 cervejas no mês e tive que rifar um contrabaixo para pagar parte da pendura. Sorte minha que o bar faliu e não paguei o resto.

Bom, aí veio o real, com o congelamento de salários por dez anos e o aumento gradual mas recorrente do preço da bebida - o que não nos impediu de seguir militando pela nobre causa. Em bares de Fortaleza, Sobral, Santo André, São Paulo e mundo afora. Às vezes com um trocado melhor no bolso, às vezes desempregado, às vezes marcando na conta (obrigado, saudoso Vavá!), às vezes dependendo dos camaradas. Mas sempre molhando a palavra. E, a partir de agora, com essas novas cédulas - que um dia, espero, também puxarão outras memórias, de outros bares e bebedeiras. Saúde! E paga uma!

terça-feira, janeiro 20, 2009

Reunião do Copom dessa quarta pode ser a última de Henrique Meirelles

Compartilhe no Twitter
Compartilhe no Facebook

A revista Carta Capital desta semana traz em sua capa uma boa notícia para quem acredita na possibilidade de outros rumos para a economia brasileira, especificamente na política monetária: o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, já comunicou ao presidente Lula que se desligará do cargo em breve. A notícia ainda tem que se confirmar, mas a revista não costuma ser leviana com informações.

Nessa quarta-feira, temos nova reunião do Comitê de Política Monetária do BC, que definirá o patamar da taxa Selic para os próximos 45 dias. Na última reunião, ocorrida no início de dezembro, apesar de vários sinais da economia apontarem para a necessidade de redução dos juros (inclusive com desaceleração da inflação, obsessão de Meirelles e cia.) e em meio à já declarada crise do sistema financeiro internacional, o comitê decidiu manter a taxa em 13,75%.

Já naquele momento, vozes econômicas menos ligadas ao sistema financeiro já avisavam que o grande vilão deixava de ser a inflação, mas o risco cada vez maior de uma recessão. Se isso já era verdade há quase dois meses, hoje está mais cristalino do que nunca. Após a decisão do BC de dezembro, seus congêneres de outros países realizaram agressivos cortes nas taxas de juros. Um artigo da revista The Economist informa que o Banco da Inglaterra cortou 1% em dezembro, seguindo um corte de 1,5% no mês anterior. O Banco Central da Suécia cortou sua taxa de 3,75% para 2%. Mas o foco do artigo foi a redução realizada pelo Banco Central Europeu, responsável pela estabilidade do Euro, que fez o maior corte em sua taxa de juros desde sua criação, há dez anos: 0,75%. Apesar disso, a revista, uma das mais influentes publicações do mundo, considerou o corte tímido para enfrentar as circunstâncias decorrentes da crise de crédito internacional para a economia européia.

Pois é exatamente esse valor tímido que o “Mercado”, essa entidade que nos governa a todos, amém, aponta como expectativa para o corte da Selic: 0,75%. Como o BC de Meirelles (e Lula, pois manter o cara no cargo é dar aval para suas decisões, convém lembrar) em geral não gosta de desapontar seus amiguinhos da banca, é daí para baixo. Será que não caberia um pouco mais de ousadia nem durante a maior crise na economia mundial dos últimos 80 anos?

É verdade que a crise não atingiu o Brasil de forma tão grave ainda. Enquanto a maior parte do mundo avalia qual será o tamanho da recessão em 2009 (ou seja, o quanto o PIB vai encolher), as previsões para o Brasil falam no máximo em uma redução do ritmo de crescimento, que ficaria entre 2% e 4%. Ou pelo menos esse era o quadro que se via há até pouco tempo. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgados hoje pelo Ministério do Trabalho mostram o fechamento de 654,9 mil vagas formais em dezembro do ano passado no país, quase o dobro da média para o mês (em 2007, as demissões líquidas foram de 319,4 mil no mesmo mês, e em 2006, de 317,49 mil). É caso de luz amarela e medidas consistentes para estimular a economia.

O cenário ainda não parece crítico e o governo tomou diversas medidas para diminuir os impactos da crise. Basicamente, a receita é facilitar o crédito e aumentar investimentos para combater o desemprego e a queda do nível de renda dos trabalhadores. Assim, as pessoas teriam mais dinheiro para gastar, impulsionando a economia como um todo e combatendo o estrangulamento da economia.

As medidas podem funcionar, mas é preciso que o Banco Central, essa entidade autônoma, que parece pertencer ao governo só no papel – diga-se aqui que o PT e Lula, que quando na oposição ajudaram a barrar a discussão sobre a autonomia do Banco Central, deram ao órgão um grau de independência maior até que o dado por FHC... - faça sua parte: derrube os juros.

A queda dos juros não é a panacéia para todos os problemas, mas faz parte dos mecanismos que a sociedade tem para enfrentar uma crise como essa. Uma das conseqüências seria a diminuição dos gastos do governo com a dívida pública (boa parte da dívida é atrelada à Selic), o que deixaria mais recursos para serem aplicados diretamente na economia via PAC e outros programas, gerando empregos.

Além disso, a Selic tem influência nos juros praticados por todos os outros agentes (bancos, financeiras). No entanto, nessa frente outra batalha precisa ser travada. A maior parte dos juros praticados hoje pelos bancos não vem da Selic, mas sim do chamado spread bancário – a diferença entre o custo que o banco tem para captar dinheiro (a remuneração de uma aplicação, por exemplo) e o quanto ele cobra para repassar esse dinheiro para a sociedade (a taxa de juros de um empréstimo ou financiamento.

Os bancos brasileiros não estavam expostos na jogatina do mercado financeiro estadunidense e foram pouco prejudicados pela crise. Apenas os bancos pequenos e médios estavam em posição mais frágil, mas por conta do aumento mundial dos custos de captação de dinheiro. Os grande bancos podem agüentar mais esse tipo de situação.

O governo modificou algumas regras – principalmente, diminuiu os depósitos compulsórios que todo banco é obrigado a recolher para o BC – para garantir que os bancos aumentassem sua disposição em oferecer crédito para a sociedade, o que ativa a economia. No entanto, os grandes bancos se sentaram em cima do dinheiro liberado, esperando a quebradeira dos bancos menores para comprá-los. O tal spread continua nas alturas, tornando os empréstimos cada vez mais caros.

O fato é que o governo precisa enquadrar os bancos de alguma forma para que eles cumpram seu papel social de intermediação financeira - lembrando que a atividade bancária é concessão do Estado. Acontece que a regulação do sistema financeiro nacional também é função do Banco Central. Ou seja, se o presidente Lula acordar amanhã e decidir derrubar drasticamente os juros e peitar a turma da grana, terá que procurar o presidente do BC para efetivar essas decisões. Alguém aí vê Henrique Meirelles tomando essas atitudes? Eu não. Torçamos, pois, para que Carta Capital esteja bem informada e que Lula decida colocar à frente do BC alguém afinado com ala mais desenvolvimentista do governo.


















E aí, presidente, quem é que manda no Banco Central?

PS.: Um nome que já foi cotado para o cargo em outros momentos da administração petista foi o de Luiz Gonzaga Belluzzo, hoje candidato a presidência do Palmeiras, e que já falou bastante sobre a crise financeira, inclusive para este Futepoca. Creio que seria uma excelente escolha para o cargo e todos deveríamos trabalhar para sua indicação. Inclusive os palmeirenses.


(Fotos de José Cruz e Marcello Casal JR, da Agência Brasil)