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quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Dinheiro na mão (do manguaça) é vendaval

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O Banco Central divulgou hoje as novas cédulas de real (à esquerda) que devem entrar em circulação, gradualmente, até 2012. Elas tem certa semelhança com as cédulas de euro, que me habituei a manipular na fase irlandesa, em 2009. Mas escrevo porque a notícia dos novos reais me trouxe uma sensação nostálgica de outras cédulas, outras situações de vida. Ou melhor: de outros bares.

Porque, por exemplo, quando me recordo da nota de 1 cruzeiro da minha infância (à direita), lembro do Bar do Anésio, onde eu ia procurar meu pai - a mando de minha mãe. Cercado por violões, boêmios, tigelas de tira-gosto e garrafas, ele nunca tinha pressa de voltar para casa. Por isso, me dava uma meia-dúzia dessas cédulas para eu me esbaldar com salgados e refrigerantes, enquanto ele terminava os trabalhos do fórum adequado. Foi o Bar do Anésio, uma casa simples de telhas antigas, sem forro, que me tornou um "butequeiro". Aquele bando de gente falando alto, rindo, cantando e manguaçando era (e é) um programa muito melhor do que ficar em casa assistindo TV.

Mas eu só teria permissão para iniciar minha própria boemia bem mais tarde, aos 12 ou 13 anos, quando o dinheiro nacional já era o cruzado. Lembro bem da nota de mil com o Machado de Assis (à esquerda), a quota que minha mãe separava para eu passar o final de semana. Eu ainda bebia com muita moderação e o dinheiro me permitia manguaçar nas noites de sexta e sábado, nos bailes do clube local, sem passar vontade. Me parece que na época cerveja custava mais barato e, na falta dela, sempre tinha uma dose de menta azulada que completava o tanque e fornecia a necessária cara-de-pau para tirar as meninas pra dançar - e salvar a auto-estima quando ouvia um "não".

Pouco depois, o Fernando Collor assumiu a presidência da República e retornou nossa moeda para cruzeiro. Foi uma época em que eu já conseguia defender uns pixulés fazendo pequenos serviços e me aventurava em expedições etílicas e "mulherísticas" por outras cidades. Nesse período de transição as cédulas de cruzado continuavam circulando, com carimbos mostrando o novo valor em cruzeiros (acima). Me recordo que o dinheiro estava tão desvalorizado que ninguém usava moedas pra nada. No bar, o valor do goró mudava a todo momento. Foi aí que desenvolvi o hábito (conservado até hoje) de converter o valor de qualquer coisa em cerveja, para avaliar se é barato ou caro. Se a coisa ou serviço custa o equivalente a até meia-dúzia de cervejas, não é tão extorsivo. Mais que isso é roubo!

Outra cédula estranha que me lembro de ter manuseado foi a de cruzeiro real (à esquerda). Sim, meus jovens, antes do real tivemos essa moeda híbrida que durou bem pouco, acho que só o primeiro ano do governo Itamar Franco. Eu estava na faculdade e trabalhava vendendo (ou tentando vender) títulos de sócio do (talvez nunca concluído) clube de campo Águas de Atibaia. Meu bar preferido era o 1 + 1, que tinha pagode ao vivo - não sou fã, mas esses recintos costumam atrair a mulherada. Foi nesse buteco mítico que eu fiquei devendo 182 cervejas no mês e tive que rifar um contrabaixo para pagar parte da pendura. Sorte minha que o bar faliu e não paguei o resto.

Bom, aí veio o real, com o congelamento de salários por dez anos e o aumento gradual mas recorrente do preço da bebida - o que não nos impediu de seguir militando pela nobre causa. Em bares de Fortaleza, Sobral, Santo André, São Paulo e mundo afora. Às vezes com um trocado melhor no bolso, às vezes desempregado, às vezes marcando na conta (obrigado, saudoso Vavá!), às vezes dependendo dos camaradas. Mas sempre molhando a palavra. E, a partir de agora, com essas novas cédulas - que um dia, espero, também puxarão outras memórias, de outros bares e bebedeiras. Saúde! E paga uma!

5 comentários:

fredi disse...

A história do dinheiro por um ébrio, quer dizer, por um militante da causa.

Dá para escrever um livro: Como investir em manguaça sustentável

Thalita disse...

perai! quer dizer que os titulos da divida do Marcao sao mais podres que os da do Nicolau???

Glauco disse...

Excelente o paralelo entre a história da manguaça e a das cédulas tupiniquins. E haja memória pra guardar tanta mudança...

Olavo Soares disse...

Um dos melhores posts da história do Futepoca, fácil!

Marcão disse...

Pô, Thalita, não tinha pensado nisso. Mas tem uma diferença essencial aí: eu fiquei devendo pro bar e o Nivaldo, pros irmão.

No meu caso, seria como decretar falência - ou seja, assumir que deve e não vai pagar - mas antes acertar tudo com os funcionários.

Já no caso do Nicolau alguém pagou a conta do bar, mas ele ficou devendo para os trabalhadores (os irmão). Daí, acho que o risco é maior.

Ou não!

Ps.1: Em 1997 eu pendurei R$ 20 no Bar do Zé, em Jaguariúna (SP), e logo em seguida me mudei pra Fortaleza (CE) e esqueci completamente da pendura. Dois anos depois, de passagem pela cidade vizinha a Campinas, fui até lá pra pagar mas vi meu nome marcado com giz num "ranking" de devedores, exposto publicamente na parede. Por desaforo, não acertei a fatura.

Ps.2: A conta do Bar do Vavá eu não só paguei como fiz questão de dar R$ 100 a mais. Somando o que eu deixei de dívida em outros cantos, acho que dava mais ou menos isso. Fica elas por elas - e eu já abri outra conta, no Gaspar...