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quarta-feira, fevereiro 13, 2008

O vinho e a barbárie

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Esses dias revi um documentário genial. Chama-se Mondovino.

O diretor Jonathan Nossiter chega próximo a cada personagem que compõe o complexo, apaixonado e conflituoso mundo do vinho. Temos o velhinho da Toscana que com um largo sorriso fala do vinho que produz como herdeiro de uma milenar tradição civilizatória: o vinho é o que alimenta os laços da comunidade, que rega as amizades e produz a festa. É o vinho contra a barbárie. Mas há também os produtores do Napa Valley, na California, em particular os megaprodutores da família Mondavi, que sonham um dia, quando já sentirem que a Terra é pequena, poder produzir vinho em Marte...

É na proximidade com essas pessoas que o filme realiza sua proeza, e desenha um dos retratos mais nítidos do meio cultural em que estamos mergulhados, ao qual damos o nome difuso de “sistema”. De um lado, uma diversidade enorme de pequenos produtores, em geral em idade avançada, e particularmente fortes na França, defende os chamados terroirs (os territórios vinícolas) e os vinhos feitos numa relação de intimidade entre o homem e a natureza, únicos a cada safra, e que ganham complexidade de degustação e personalidade em lentos processos de envelhecimento.

De outro, os seguidores da “filosofia” Mondavi, de produzir vinhos jovens, vibrantes e expansivos, de fácil apreciação pelo “bebedor comum”, mas sem a riqueza de aromas, cores e sabores dos vinhos mais “lentos”. Em vez dos territórios, que produzem sabores singulares em cada localidade, resultado do clima, do solo e do trato com as uvas, valorizam recursos tecnológicos que permitem homogeneizar a produção e, em tese, gerar o mesmo vinho em qualquer lugar do mundo onde cresçam uvas.


Os degustadores


Nossiter vai então desvendar os mecanismos que permitiram aos Mondavi tornarem-se o modelo de sucesso no mundo do vinho contemporâneo. Percebe-se como umas poucas pessoas acabam determinando o mercado vinícola mundial. Para começar, um degustador chamado Robert Parker, famoso por seu virtuosismo técnico, que tem influência direta nos preços internacionais. O preço da garrafa acompanha as notas dadas por Parker. Este homem gosta de vinhos jovens, de sabor vibrante, exatamente como os que são produzidos pelos Mondavi, e começou a dar notas baixas aos vinhos de Bordeaux e Borgonha, pelo menos desde os anos 1980.

Isso só não bastaria. Há um enólogo francês chamado Michel Rolland – que presta consultoria a mais de 300 produtores em todo o mundo, como os Mondavi e outros dentre os maiores. Ele é quem sabe produzir vinhos de notas altas. O filme acompanha Rolland em suas visitas às vinícolas, e o seu conselho é um só: “microoxigenação”. Seu bordão é “precisa microoxigenar este vinho”, e é curioso que todos os vinhos precisem da mesma coisa. Outro recurso que se difunde são as chamadas barricas de madeira jovem, que dão sabor de baunilha ao vinho. É também algo que valoriza (e uniformiza) os produtos ao redor do mundo.

Esse mesmo Michel Rolland será o principal consultor dos produtores argentinos e chilenos, que tanto cresceram no mercado mundial nos últimos anos. E muitos produtores mesmo nos rincões mais tradicionais começam a entrar na onda, e aproximar seus vinhos do chamado “gosto moderno”. E são eles que vão chamar os "resistentes" de "terroiristes", quando fazem campanha pelas práticas tradicionais e pela preponderância dos terroirs sobre as marcas.

Mas o que me parece mais belo (e terrível) neste filme é como ele mostra o que significa esse estabelecimento de um mundo dominado pelos interesses comerciais, que começa a se habituar e se moldar por um vocabulário publicitário (que chama de “filosofia”) e já não reconhece mais as coisas genuínas e complexas. Mais que isso, percebemos o quanto se deve compreender a uniformização, o já tediosamente chamado “pensamento único”, como a própria imagem do fascismo. O fascismo não é um regime de Estado nem um conjunto de práticas, é precisamente um estado de anulação do indivíduo em nome de uma massificação que avança subterrânea mas evidentemente e que se dissemina na exata proporção de sua simplificação do que seja o ser-humano, a vida e a cultura. “Fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer”, alertou Rolland Barthes, mostrando que não é na repressão, mas na proliferação que o verme se instala.

Mais que diversidade, valores ou o que quer que seja, perdemos é intensidade de vida, o contato com coisas insubstituíveis, que valem por si, pela experiência que proporcionam, e não pelo que são capazes de comprar. Lembrei muito de As Invasões Bárbaras, realizado pelo canadense Denys Arcand, selecionado em Cannes em 2003, um ano antes de acontecer o mesmo com o filme de Nossiter. Nesse filme, há uma geração (ali com os seus 60 anos), cuja intensidade estava no sexo e no pensamento livre, e a geração aos 30 anos, cuja intensidade se encontra na heroína e no “gerenciamento de risco dos investimentos em petróleo no mundo”.

É isso. Paro por aqui, recomendando vivamente a todos que assistam a Mondovino.

9 comentários:

Lindomar Gomes - Presidente 555 disse...

Meu comentário não deveria ser nesta matéria, mas como foi a última farei outro tipo de comentário. Sempre gosto de dar uma boa lida neste Blog, mas sinto falta de comentários de um time de Minas que está muito bem este ano, inclusive está muito bem na competição mais importante da América Latina. Aliás, vou aproveitar para falar mais, os grandes meios de comunicação não deram a minima para os jogos do Cruzeiro na Libertadores, prefiriram fazer cobertura de jogos Estaduais, como se o Cruzeiro nem estivesse na Libertadores, fico imaginando se a fase que o Cruzeiro passa fosse de um time do Rio ou de São Paulo. Abraços

Anselmo disse...

sobre o mundo vino, não vi ainda. vou ver. Boa dica.

sobre o cruzeiro, não vi ainda. vou ver. agora, o jogo contra o cerro porteño foi visto pela Conmebol como eliminatórias da libertadores, ou pré-libertadores. o que não nos impede de comentar, é claro.

Glauco disse...

De fato, assistirei, fiquei curioso. Quanto às Invasões Bárbaras, é bom lembrar que os próprios sessentões não vêem sentido nem na nova geração, nem naquilo que faziam "antigamente". A conclusão é a mesma do Eclesiastes, "tudo é vaidade e vento que passa".

fredi disse...

Belo texto e bela dica, verei Maurício.

Sobre comentar a respeito daquele segundo time de Minas, quando tiver espaço a gente até fala alguma coisa.

Mas a preferência é pelo meu centenário Galo, é claro.

Mas pode ficar tranqüilo, Lindomar, sempre que posso assisto aos jogos do seu time para secar...

Há pelo menos um futepoquense bem informado sobre seu time (rarará).

maurício disse...

Não vejo dessa forma o Invasões Bárbaras. Na verdade, a questão não é o sentido para a vida, mas o próprio viver. De que viveram intensamente os seus bons e maus momentos, os sessentões não têm dúvida, e é com essa certeza que vão viver e brindar a morte do amigo. Já a menina viciada em heroína e o jovem admnistrador, eles basicamente não têm assunto, vivem em função do que produzem ou não consomem.
Como falei, não acho que isso tenha a ver exatamente com valores, com um sentido, mas muito mais com uma relação direta com as coisas que se apresentam, com toda a riqueza (e dificuldade) que elas têm, independente de sua eficácia. O sentido e o julgamento vêm, sem dúvida, mas depois. E me parece que uma faceta do fascismo (ok, ok) está aí, não num julgamento extremista, mas na suspensão do julgamento pela naturalização das coisas, eliminando sua possibilidade de ser outra coisa.
Desculpem se fui muito nietzschiano em nosso blog de futebol.

maurício disse...

e o lindomar tem razão, falta alguém cobrir o cruzeiro. e que não seja o frédi, por favor.

Marcão disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marcão disse...

Muito bom. Alguém podia fazer o favor de copiar esse filme e socializar entre os demais futepoquenses, daí a gente teria um belo mote pra passar horas no bar, jogando conversa fora (e, de preferência, com garrafas de vinho, como o companheiro Fredi já fez lá no Vavá). Gosto preferencialmente de vinho, até mais do que cerveja - mas não mais do que chope.

Por isso, é lógico que, se pudesse, só tomaria vinho do bom e do melhor. Mas, como jornalista, tenho tentado me virar com "populares" que não espanquem tanto o fígado. Ou que, pelo menos, sejam vinho, e não os nojentos "tintos suaves" da vida. O legal é que agora há uma invasão de vinhos "vagabundos" (ou "tintos de mesa") argentinos, uruguaios e chilenos que, com toda certeza, são muito melhores que os "vagabundos" brasileiros.

Dá pra tomar uma garrafinha de vez em quando, que custa entre R$ 5 e R$ 7, na buena. Sem gosto ruim na boca, sem dor de cabeça e sem estômago embrulhado no outro dia. Esses "tintos de mesa" do cone-sul, pelo preço acessível, podem contribuir para matar essas pragas de "tintos suaves" e outras porcarias vendidas por aqui como "vinho" (e que não são). E a popularização do vinho minimamente decente poderia ser a extensão do Manguaça Cidadão no Mercosul. Integração já!

Zêro Blue disse...

OUÇAM O LINDOMAR:
Se querem ser lidos e respeitados em MINAS, tem de lembrar que MINAS É AZUL,.
Realmente a imprensa da capital mineira é totalmente parcial a favor do 3º time do interior do estado e 2º da capital.
Fredi não serve pra fazer a cobertura do Cruzeiro, afinal ele não deve mesmo gostar muito de Futebol (hehehehe, não tem time).
Até o momento creio que a melhor campanha em 2008 é a do CRUZEIRO.

Saudações Celestes
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