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sexta-feira, setembro 07, 2012

São Paulo malufou e ninguém percebeu

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Muitos que avaliam o cenário eleitoral de São Paulo fazem alusão à polarização PT-PSDB como praticamente uma “tradição” na cidade, talvez influenciados por um cenário que se repete nas disputas presidenciais desde 1994, com os dois partidos ocupando sempre as duas primeiras posições. No entanto, na capital paulista, isso não é verdade.


De 1988 a 2000, a grande polarização paulistana foi entre dois projetos: o do PT e o de Paulo Maluf; um que representava aspirações populares de centro-esquerda; outro, com um ideário mais conservador, já encarnado, de formas distintas, por políticos anteriores como Jânio Quadros e Adhemar de Barros. Nesse período, o PMBD e o PSDB ocuparam os governos estaduais mas sequer chegaram ao segundo turno na capital paulista. Em 1988 (quando ainda não havia dois turnos), o governador Orestes Quércia, no auge da sua popularidade, não emplacou João Leiva . Seu sucessor, Fleury, viu seu candidato, Aloysio Nunes, ficar de fora da disputa final em 1992. Em 1996, mesmo à frente dos governos federal e estadual, os tucanos e o ex-ministro José Serra viram da arquibancada Pitta e Erundina concorrerem no segundo turno. A força de Covas em seu segundo mandato no governo do estado também não foi suficiente para levar seu pupilo Geraldo Alckmin à volta final em 2000.

Em 2004, pela primeira vez, os tucanos foram ao segundo turno, com José Serra. Àquela altura, o ex-presidenciável era um político com perfil bem distinto daquele que ficou em quarto lugar na disputa de 1988. Foi o seu discurso de cunho conservador que roubou os corações partidos dos eleitores de Paulo Maluf, então um quase cadáver político adiado que ainda iria para a disputa em 2008, já sem condições de ser um candidato competitivo. O afilhado de Serra, Gilberto Kassab, venceria as eleições de 2008, deixando fora do segundo turno o candidato do PSDB (mas não de Serra), Geraldo Alckmin.

Aí está o xis que mostra o mapa das duas últimas eleições paulistanas. Foi a decadência do malufismo que permitiu a ascensão do grupo representado por Serra/Kassab (PSDB/DEM, depois PSD). A prisão pela Polícia Federal, a investigação da Interpol e a trágica gestão de Celso Pitta (não necessariamente nessa ordem de importância) acabaram com a carreira de Maluf, mas o ideário representado por ele não pereceu.

Trocaram-se os nomes, mas a postura, o discurso e as ações permaneceram praticamente as mesmas. Nesse sentido, poucas coisas são tão reveladoras como uma entrevista dada pelo então prefeito de São Paulo em 1995, ao Roda Viva, da TV Cultura.

Na ocasião, Maluf já era um prefeito bem avaliado e, caso existisse o instituto da reeleição, talvez fosse agraciado com um novo mandato. Mas boa parte de sua popularidade estava ancorada em um discurso moral, daquele que dita comportamentos e, acima de tudo, estabelece condutas e proibições. Havia obrigado os paulistanos a usar cinto de segurança, o que não foi uma decisão pacífica, a despeito de ser apoiada pela maioria da população.

Mas o assunto que dominou mais de um terço da entrevista, levando-se em conta a transcrição, foi a proibição do fumo dentro dos restaurantes, obrigando a que os estabelecimentos usassem “fumódromos”, nos quais era proibido servir comida. Maluf utiliza praticamente todos os argumentos que seriam usados por José Serra anos mais tarde, na ocasião em que radicalizou a restrição ao fumo quando governador, em 2009, e, ainda, transformá-la em grande bandeira eleitoral.

Abaixo, Maluf no Roda Viva e Serra, no Diário do Grande ABC:

E sobre o cigarro, não é problema do governo federal e nem do governo do estado, é um problema das prefeituras fazerem suas próprias legislações. Então, nós achamos que temos que defender primeiro o não fumante. Segundo pesquisa do seu jornal, do DataFolha (ele se dirige ao mediador Matinas Suzuki Junior), indica que 75% da população não deseja que se fume nos restaurantes, e 19% deseja. Isso quem diz é o seu jornal, o Data Folha. E mais, o seu jornal diz o seguinte: 67% dos fumantes desejam que não se fume nos restaurantes, então, não é contra fumante, é contra o fumo no restaurante.
Maluf, em 1995

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"O noticiário está meio enviesado, parece que a gente está querendo diminuir o fumo daqueles que já fumam. Claro que se o sujeito puder não ficar fumando, melhor, mas a lei é para proteger aqueles que não fumam e são mais prejudicados pela fumaça que sai dos cigarros"
Serra, em 2009

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Ambos também citam cidades do exterior como exemplo a seguido, entre outros argumentos coincidentes. Aqui, não é o caso de entrar no mérito de ambas as leis, se foram (ou são) benéficas ou não, mas sim atentar à forma semelhante com que ambos a fizeram: sem discussão ou participação, baseando-se em pesquisas de opinião como verdades incontestes, sem admitir que pudessem haver soluções intermediárias ou alternativas. E também é o caso de ressaltar a centralidade que esse tipo de proibição adquiriu como “realizações” de ambos.

Maluf, no Roda Viva, inclusive “antecipou” a existência da Lei Seca, necessária, mas não na sua versão draconiana, como lembra Túlio Vianna aqui. Esse trecho da entrevista do Roda Viva, é novamente revelador:

Nirlando Beirão: Às vezes, eu sinto que o senhor tem o prazer de proibir as coisas, sabia?
Paulo Salim Maluf: Por exemplo?
Nirlando Beirão: Proibir. Ditar normas de comportamento pessoal. Deixa a pessoa fumar.
Paulo Salim Maluf: Por exemplo, além do negócio de fumar, o que mais que foi proibido?
Nirlando Beirão: O negócio do cinto de segurança. Eu tenho que andar com aquilo me amarrando?
Paulo Salim Maluf: Eu acho que salva a tua vida.
Nirlando Beirão: Prefeito, mas eu posso decidir sobre isso? Não posso, prefeito?
Paulo Salim Maluf: Não, eu acho que você não deve decidir sobre isso. Vou dizer porque: porque se você quiser decidir sobre isso, você está pregando, não o Estado de direito, mas o Estado de anarquia. Existe uma estatística na cidade de São Paulo.
Matinas Suzuki: [Interrompendo] Prefeito, o álcool faz mal. O senhor vai proibir o álcool na cidade de São Paulo?
Paulo Salim Maluf: O álcool, nós não vamos proibir.
Matinas Suzuki: A motocicleta é perigosa. Motocicleta não anda mais em São Paulo?
Paulo Salim Maluf: Já se proibiu o álcool. Já se proibiu o álcool nas beiras das estradas.
Nirlando Beirão: Os carros matam....
Matinas Suzuki: [Interrompendo] Como já se proibiu o álcool, várias culturas já proibiram tabagismo, como café já foi proibido, essas coisas vão e voltam, prefeito, culturalmente, vão e voltam.
Paulo Salim Maluf: Matinas, eu estava em uma estrada na França...
Matinas Suzuki: [Interrompendo] O senhor faz um teste com um carro a trezentos quilômetros por hora, o senhor vai proibir isso?
[sobreposição de vozes]
Paulo Salim Maluf: Espera, então, espera um pouquinho aí. Eu fiz... Dá licença.
Matinas Suzuki: [Interrompendo] o senhor pega o seu carro por prazer, que é a mesma relação que tem com o cigarro, e a pessoa vai lá e pode fumar. Então, o senhor deveria proibir também....
Paulo Salim Maluf: [Interrompendo] Não, senhor, perdão, você está tergiversando. Vamos falar, em primeiro lugar, sobre o álcool. O senhor me deixa responder sobre o álcool ou não?
Matinas Suzuki: Mas claro, pois não.
Paulo Salim Maluf: Muito bem, eu estava numa estrada na França à noite, tinha um comando, o comando me parou e eu tirei os documentos e ele me disse: "não", e me deu um bafômetro. Os documentos não interessavam a ele, ele queria saber se eu tinha bebido e se estava guiando na estrada. De maneira que eu acho, se as autoridades brasileiras fossem, quem sabe, um pouco mais severas para fiscalizar os motoristas nas estradas para saber se bebem ou não, provavelmente alguns acidentes não teriam acontecido. Ninguém sabe se esse acidente de ontem no Rio de Janeiro que matou quinze pessoas, se o motorista não tinha bebido antes. Inclusive, há um decreto aqui no estado de São Paulo que proíbe os bares à beira de estradas de vender álcool, e eu acho que está perfeito.


É interessante observar que os entrevistadores pressionam Maluf no que diz respeito a seu ímpeto proibicionista, algo presente em todo programa.

No entanto, tratamento similar não foi dispensado a José Serra anos mais tarde pela imprensa em geral. É claro que a simpatia dos grandes veículos pelo tucano entra na conta, mas será que, culturalmente, muita coisa não mudou também, principalmente em São Paulo? Passamos a aceitar todo tipo de proibicionismo, alguns até com sentido, outros desprovidos de qualquer senso de justiça ou respeito como a rampa anti-mendigo, sem questionar? Em suma, a maioria ou muitos de nós pensa hoje como Maluf pensava em 1995 em relação ao proibicionismo?

O grande feito de Gilberto Kassab na capital paulista foi a Lei Cidade Limpa, uma série de restrições à publicidade de rua, atingindo também praticamente todos os estabelecimentos comerciais em São Paulo. Também empreendeu sua sanha de proibições contra camelôs, artistas de rua, venda de cachorros quentes, distribuição de sopão, bares (esta ele deve a José Serra, que aumentou a repressão aos botecos), incluindo uma tal Lei Seca na Virada Cultural etc etc etc. Seguiu a linha do seu antecessor, representando também o antigo Jânio e, sobretudo, Maluf, que redescobriu o poder eleitoral do ato de "cercar" os cidadãos e impor. Está tudo lá, na entrevista do Roda Viva (vale ler) de 1995. 

Foi Maluf que fez?
Paulo Maluf encarnou o espírito conservador que repousa em parte da sociedade de São Paulo. Bebeu da fonte de Jânio, o reinventou, e foi vanguardista nas ações proibicionistas que conquistariam as mentes de Serra e Kassab. Hoje, dado como morto politicamente, vê um pupilo seu, Celso Russomanno, fazer uma campanha de cunho semelhante às suas, vertendo reacionarismo, liderando as pesquisas. Vê Serra desfilar obras (que o tucano começou, que pegou no meio, que concluiu, que são de Alckmin, de Kassab, mas que, na propaganda são suas, todas...) e vestir o manto antipetista e conservador com todo gosto, como o próprio Maluf fazia nos seus melhores momentos. Ainda tripudiou do petismo, seu inimigo de sempre na cidade, ao exigir a foto mais polêmica da política dos últimos tempos. Não concorre a cargo nenhum, mas seu ideário está mais presente do que nunca.

Alguém tem dúvida de que Maluf é um vencedor?

quinta-feira, julho 01, 2010

PSDB quer impugnar música do Ultraje a Rigor

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O grito "Mulher pra presidente!", irresponsavelmente inserido por Roger Rocha Moreira na letra de "Eu gosto é de mulher", de 1987, tem conotação explícita à candidatura de Dilma Rousseff nas eleições deste ano. Absurdo! Cadê o TSE que não toma uma providência? E "Presidente" ainda é marca de um conhaque não muito recomendável, uma alusão nada sutil ao companheiro Lula...



Ps.: Esse videoclipe do Ultraje a Rigor foi gravado "na clandestinidade", às pressas, pois o manguaça Jânio Quadros, então prefeito de São Paulo, não havia permitido que a banda tocasse na Avenida Paulista.


Em tempo:
Para entender a história:  PSDB pede proibição de música do Ultraje a Rigor por causa da expressão “mulher pra presidente”, do Notícias Globais, portal que promove o "jornalismo com a credibilidade que você merece". E a história repercutiu: Roger comenta boato sobre PSDB proibir música do "Ultraje".
O post claramente aposta no humor e na ironia para comentar o caso.

sexta-feira, setembro 19, 2008

Baú de campanha: as eleições paulistanas de 1985

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Em 1985, São Paulo vivia sua primeira eleição municipal após 20 anos sem a população paulistana ter direito a eleger seu prefeito. O alcaide à época era Mário Covas, nomeado pelo então governador Franco Montoro, ambos do PMDB. E era desse partido que surgia o favorito ao pleito daquele ano, o senador Fernando Henrique Cardoso.

Disputando com ele, estava Jânio Quadros, do PTB. Candidato derrotado ao governo paulista em 1982, o ex-presidente era tido como um político ultrapassado, que teria seu quinhão de votos mas não conseguiria superar o sociólogo e professor da USP. O outro postulante era o deputado federal Eduardo Suplicy, do PT, que encarava sua primeira disputa no Executivo. Também estavam lá figuras como Francisco Rossi (PCN) e José Maria Eymael (PDC).

O PMDB surfava na onda da redemocratização e, com a prefeitura e o governo do estado nas mãos, tudo levava a crer que o partido venceria. Chico Buarque chegou a gravar no horário eleitoral uma versão da música símbolo desse período, “Vai Passar”, cujo refrão era trocado por “É Fernando Henrique olerê/É Fernando Henrique olará”. Em entrevista a Fernando Barros e Silva, o compositor justificou. “Em 1985, na eleição à prefeitura de São Paulo, eu achava que o Fernando Henrique era o único candidato da esquerda capaz de derrotar o Jânio Quadros. O PT lançou o [atual senador Eduardo] Suplicy. O que eu briguei com gente do PT - e por causa do Fernando Henrique Cardoso (risos). A candidatura do Suplicy no fim ajudou a eleger o Jânio Quadros.”

De fato, a expressiva votação do petista (20,7% dos votos válidos) mostrou que ele fez a diferença. Não à toa vários emissários de FHC, principalmente na reta final, tentaram fazer com que o PT abrisse mão da candidatura. Mas não é lógico na política que alguém que tenha esse montante de votos renuncie, ainda mais em uma eleição de turno único. A criativa campanha do partido utilizou um expediente que seria repetido em outras ocasiões, como 1989. Mostrava apoio de artistas e personalidades como se pode ver no vídeo abaixo. Nele aparecem globais como Antônio Fagundes, José Wilker e Marcos Frota; militantes históricos como Lélia Abramo e Carlito Maia, além de familiares de Suplicy, como sua então esposa Marta e a mãe Filomena .


Tudo indicava que Fernando Henrique venceria. Chegou a posar para fotos na cadeira de prefeito. Mas em um debate, Boris Casoy perguntou a ele se acreditava em Deus e o peemedebista titubeou, dizendo ter combinado com o jornalista que esse tipo de pergunta não seria feita. Não se pode atribuir apenas a isso a derrota de FHC, mas certamente o fato, que repercutiu, serviu para mobilizar os conservadores a favor de Jânio.

No vídeo a seguir, FHC passa a maior parte do seu último programa negando ser ateu, além de dizer que não fumava maconha. E não é que Regina Duarte já estava lá? Curiosamente, com o mesmo discurso do medo que apareceria na eleição de Lula contra Serra. Para pregar o voto útil, dizia que “votar no Suplicy é ajudar o Jânio”, fazendo a comparação esdrúxula com a eleição que levou Hitler ao poder, atribuindo-a à divisão dos democratas. Comparar Jânio aos nazistas é levar o “medo” às últimas e inacreditáveis conseqüências...


No dia da eleição, a boca de urna do Datafolha dava a vitória ao PMDB. Luiz Carlos Azenha, então repórter da extinta TV Manchete, conta a angústia de alguém que cobria uma eleição com apuração manual e informações desencontradas. “Uma pesquisa não-científica da Rádio Jovem Pan, baseada em entrevistas nas ruas, dava vitória de Jânio. Porém, as primeiras pesquisas de boca-de-urna do Datafolha davam vitória de FHC. E eu enrolava o público, ao vivo, diante de resultados que não batiam com os da pesquisa Datafolha.
A certa altura, os números trombavam tanto que um diretor da TV Manchete me instruiu, por telefone: 'Entrevista o diretor do Datafolha, peça para ele explicar.' Foi o que fiz. E ele: 'É que a apuração começou primeiro em bairros onde Jânio é popular. À medida em que os votos forem chegando ao TRE, de outras regiões da cidade, nosso resultado vai se confirmar.'"

Mas a realidade parecia não bater com o que previa o instituto de pesquisa. “O tempo passou. E nada da pesquisa do Datafolha bater com o resultado da contagem dos votos. Até que o diretor da TV Manchete, Pedro Jack Kapeller, ligou de novo: 'Esquece o Datafolha. Dá o resultado da apuração que o Jânio vai ganhar.' Foi o que passei a fazer. Batata. Deu Jânio Quadros e ele reservou para a TV Manchete a primeira entrevista ao vivo, no estúdio da própria emissora, na rua Bruxelas, em São Paulo”. Eleito com 39,3% dos votos válidos contra 35,3% de FHC, Jânio tomou posse, não sem antes “desinfetar a cadeira”, dizendo que “nádegas indevidas” haviam sentado naquele lugar.

Jânio venceu com uma campanha modesta, sem grandes artistas e com uma propaganda eleitoral na televisão cujos caracteres lembravam os filmes de terror B dos anos 60. A mensagem era simples: contra a corrupção, em favor da segurança, o discurso de direita populista que sempre agradou muitos segmentos da cidade de São Paulo. De fato, conseguiu vencer em bairros da zona norte, leste e parte do centro, cativando principalmente a classe média baixa, aquela que não se identifica com os pobres por conta da sua condição econômica, mas também está distante dos bairros mais nobres da cidade, como mostra análise de Antônio Flávio Pierucci aqui. Foram vitórias com mais de 40% em bairros como Vila Maria - seu tradicional reduto -, Tatuapé, Móoca, Tucuruvi, Brás e outros.


Lances inusitados

Como em toda eleição, lances curiosos aconteceram naquele pleito. Um deles foi protagonizado por Eduardo Suplicy em um debate, quando levou um coelho e uma tartaruga de pelúcia para passar o recado a Fernando Henrique Cardoso que "devagar se vai ao longe" e que acabaria superando seu adversário. Foi muito devagar.

Entre os nanicos, um se destacou. Rivailde Ovidio, do PSC, costumava utilizar seu espaço no horário eleitoral para cobrar o governo do estado. Atacava sua suposta inação e perguntava sempre no final: “Ooooonde está você, Franco Montoro?”.

domingo, janeiro 13, 2008

Nas priscas eras do humor nacional

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"Depois da China, Sarney vai à merda". Era assim que o jornal Planeta Diário manchetava uma das inúmeras viagens presidenciais de José Sarney, em julho de 1988. Essa era apenas um mostra do caráter anárquico do periódico fundado por Hubert, Reinaldo e Cláudio Paiva em 1984. Egressos do antigo Pasquim, o trio soube aproveitar com poucos o início da democratização brasileira, não poupando políticos (seu alvo preferencial), militares, personalidades e nem mesmo minorias. Anões, portugueses, judeus, homossexuais também eram vítimas das piadas disfarçadas de notícias.

O número de estréia trazia manchetes como "Maluf se entrega à polícia", "Nelson Ned é o novo menudo" e "Newton Cruz prende Deus". A aventura durou até 1992. Hoje, Hubert e Reinaldo fazem parte do elenco e da produção do já pasteurizado Casseta & Planeta (resultado da união destes com a turma da revista Casseta Popular), enquanto Cláudio Paiva foi redator final da TV Pirata e faz o mesmo trabalho hoje na Grande Família.

Abaixo, duas "notícias" extraídas do livro O Planeta Diário, da Editora Desiderata. Uma sobre a queda do comunismo e o posterior desmembramento da União Soviética, e outra sobre o então ídolo (posteriormente promovido a santo) Ayrton Senna, versando sobre sua suposta homossexualidade e fervorosa devoção religiosa. Um humor impossível de ser reproduzido nos dias de reinado do "politicamente correto".

Setembro de 1991

Jânio Quadros: "Comunistas caíram porque não sabem beber"

Conhaque de Azerbaijão de São João da Barra - O ex-presidente Jânio Quadros, participando de um seminário sobre a queda do alcoolismo na União Soviética, declarou que a queda do alcoolismo soviético se deve ao racionamento de vodca, servida em doses tão ridículas que não davam nem para os burocratas do PC ficarem "legais". Jânio reclamou também que, com o tempo, os mais puros ideais do alcoolismo-leninismo foram se diluindo devido ao excesso de gelo servido nos bares da Sibéria. Apesar de triste com a crise do alcoolismo, ao final do seminário Jânio estava alegre e vendo vários países onde antes só via a União Soviética.

Maio de 1998

Acidente na Fórmula 1
Senna se abaixa no box para pegar o sabonete

24 horas de Le Mans - Ayrton Senna, o único brasileiro que deu certo lá fora além dos travestis, sofreu ontem um acidente durante os treinos para ver quem ia ficar na pole position (o piloto por baixo e o carro por cima). Devido a uma falha mecânica, o sabonete caiu no chão do box, e Senna não sabia se abaixava ou não para pegar, pois Alain Prost estava próximo da sua traseira, esperando uma oportunidade para entrar no seu vácuo. Senna teve então que marcar um encontro com Prost depois da corrida, porque Deus estava do seu lado e o Todo-Poderoso é muito ciumento.

segunda-feira, março 05, 2007

Sobre lança-perfume e rinhas de galo

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Estou lendo “Jânio Quadros – O Prometeu de Vila Maria”, do jornalista e semiólogo Ricardo Arnt. O livro, publicado pela Ediouro em 2004, faz parte da coleção “Avenida Paulista”, uma série de perfis de personalidades que marcaram a maior cidade do país. Por isso, não se trata de uma biografia, mas de um ensaio sobre o “fenômeno Jânio Quadros”, sem a pretensão de exaltá-lo ou execrá-lo.
Além da trajetória de glória e ruína do político, o livro traz detalhes sobre uma das faces mais polêmicas de Jânio: o moralismo exacerbado. Um aspecto curioso, já que seu pai, Gabriel Quadros, era médico e fazia abortos de prostitutas no bairro Bom Retiro. Segundo quem o conheceu, era mulherengo, irascível, emocionalmente desequilibrado e dado a exibicionismos e valentias (qualquer semelhança entre pai e filho, portanto, não é mera coincidência).
Na esteira de Jânio, elegeu-se vereador e deputado, sempre fazendo oposição – e massacrando – o filho. Em maio de 57, o governador Jânio Quadros, visivelmente constrangido, teve de comparecer ao velório do pai, que foi morto a tiros por um feirante na Mooca. Ele tinha roubado a mulher do feirante (uma empregada doméstica que era sua amante) e estava tentando levar também os filhos gêmeos da mulher, que alegava serem seus.
Outra revelação sintomática tem a ver com a expressão facial insana de Jânio, motivada pelo olho esquerdo, paralisado após um acidente na adolescência: a explosão de um vidro de lança-perfume. Como vingança, não sossegou até proibir a venda do produto no país. Já a proibição das rinhas de galo teria ocorrido depois que o pai de uma de suas amantes, Adelaide Carraro, foi assassinado em um desses locais.
E o mesmo Jânio que regulamentou as medidas dos maiôs em concursos de miss era freqüentador assíduo de um bordel na rua Martins Fontes e foi acusado inúmeras vezes de assédio sexual. Hebe Camargo revelou, em 1987, que ele a assediava insistentemente por telefone, quando estava na presidência. Isso sem falar na bebedeira constante, assunto que renderia muitos outros posts. Jânio era uma personalidade psicologicamente interessante, em termos de discurso e prática. Só por isso, o livro já vale apena.