Compartilhe no Twitter
Compartilhe no Facebook
Das peladas que
disputei na praia do Itararé, lá pelos meus 20 anos, guardo uma em
especial na memória. Éramos seis regulares (em frequência e
técnica) boleiros naquele dia, quando outros seis vieram nos
desafiar para o famoso “contra”, uma partida de gols caixotes,
com “traves” feitas de madeira fincada na areia.
Não foi preciso mais
de cinco minutos pra saber que tomaríamos um baile. Conversando ali
com um ou outro adversário – oportunidade que surgia quando
conseguíamos bicar a bola pra longe e respirar um pouco –, fiquei
sabendo que eles jogavam em um dos times do quartel de São Vicente.
Tinham mais fôlego, mais técnica e muito mais entrosamento que a
gente. A areia batida da beira do mar ainda facilitava o toque de
bola dos caras. Não víamos a cor da bola. Mesmo.
Juntamos ali, nós, os
que não relavam na redonda, e mesmo não acostumados a jogar juntos
tentamos armar a retranca, única forma possível de não passar um
vexame grandioso. Seguramos um zero a zero que aos poucos começou a
desgastar nossos rivais, que continuavam trocando passes e vindo pra
cima, mas já começavam a se irritar uns com os outros. E nós ali,
convictos na nossa fortaleza mambembe.
 |
Nem sempre se pode ser Deus. Ou Pelé. Ou Messi |
Em dado momento, vendo
que o tempo avançava e nada de o gol sair, algum deles propôs: quem
fizer, acaba. Acho que ele pensou que a gente se arriscaria e iria
pra frente. Não, não saímos. Era questão de honra aguentar até
cansar, ou cansá-los. Mas, depois de algum tempo, o homem mais
recuado deles resolveu ir mais à frente, descuidando da frente do
gol caixote. A bola sobrou na minha frente e acertei um chute da
intermediária, que entrou caprichosamente entre as duas traves...
Comemoramos muito enquanto os caras não acreditavam naquilo. Depois
do jogo, ainda dava para vê-los discutindo ao longe.
Foi a “vitória do
futebol arte”? Claro que não, mas ai de quem dissesse ali que não
foi “merecido”. A gente ralou, viu nossa condição de
inferioridade, armou um esquema e tentou ganhar o jogo mesmo assim.
A retranca foi uma "legítima defesa". Não vi com detalhes a partida entre Barcelona e Chelsea, mas um time
que joga contra o melhor do mundo, sai perdendo por 2 a 0, fica quase dois terços dos 90 minutos
com um a menos, e que não contou com a ajuda da arbitragem, tem
méritos de sobra pra bater no peito e se sentir orgulhoso.
Quem diz que foi uma
“derrota do futebol”, na boa, não sabe o que é futebol. Uma das
graças desse esporte é justamente o fato de, em um dia ruim, o
melhor time poder perder para o pior. Claro, não vai ser engraçado
se for o seu time o derrotado, mas se o seu time for o Barcelona...
Bom, pelas redes sociais, parece que os catalães têm uma das
maiores torcidas do Brasil já que, se você não torce para que eles
superem qualquer adversário que ousar tentar batê-los,
automaticamente você:
 |
Pura arte o golaço do Ramires, hein? |
Pensamento único é um
saco mesmo... E se eu, mesmo reconhecendo que o Barcelona é um dos
times mais competitivos da história, não for tão fã do futebol
deles? Pode ser? E se eu achar que a troca quase infindável de
passes às vezes é necessária, em outras pode ser interessante, mas
muitas vezes faz o jogo ficar chato pra burro? E se eu gostar mais da
imprevisibilidade, do toque de gênio que às vezes decide uma
partida truncada, do que de um time todo certinho, bonitinho, que é
competitivo até dizer chega (friso o termo “competitivo”, porque
ter posse de bola e não deixar o rival jogar é sim uma arte, mas
não significa que isso seja um deleite para os olhos)? Aliás, essa
imprevisibilidade dá as caras quando um Messi pega na bola, sabe-se
que dali pode sair algo espantoso, mas no resto do tempo... Não vou
esperar algo surpreendente do Puyol ou do Mascherano.
Torcer para o time mais
competitivo perder é mais que humano e é uma modalidade exercida
por cada um de quando em quando, desde pequeno. Menos patrulha e mais
liberdade para os secadores, por favor!
PS: Sou a favor
– e admirador
– do futebol arte, ainda que a retranca às vezes seja necessária, como qualquer um bem sabe. Mas sou fã de
outros artistas...