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quarta-feira, outubro 29, 2008

O roubo do futebol-arte e os alemães

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O meia pega a bola, avança pela intermediária. Vem o volante adversário pra dividir. Dividido fica o rival, e a bola sobra nos pés do defensor. O narrador é só elogios para o marcador. No bar, alguém, em tom saudosista e quiçá conspiratório, dispara:

– Tá loco, só tem brucutu. E esse cara ainda acha bonito: acabaram com o futebol-arte...

Robinho fazia a festa em 2002, quando o goleiro Danrlei, à época no Grêmio, avisou sobre o "risco" de "um jogador quebrar a perna dele" se os dribles continuassem. A habilidade era classificada como "antifutebol" pelo arqueiro. Até corintianos saíram em defesa de quem? Do futebol-arte.

Em setembro, quando a seleção brasileira de futebol feminino perdeu para a Alemanha, a imprensa alemã explicou: "A vitória da raça contra o futebol-arte".

Futebol-o-quê?
Eis que a mídia do país de Angela Merkel louva agora o Hoffenheim, líder e sensação da Bundesliga. Promovido da segunda divisão neste ano, o time vai bem, e o último trunfo foi atropelar por 3 a 0 o terceiro colocado Hamburgo, numa exibição (de que? De que?) de futebol-arte.

Foto: Carlosalberto.mutango.com.br
Será que o ex-gremista Carlos Eduardo (foto) tem algum papel nisso?

Deve ter corintiano se enchendo de esperança, mas que escreva depois. Minha preocupação é com esse substantivo composto empregado no título da matéria do Deutsche Welle. Na definição deles, nada de molecagem, nada de dribles: "alta velocidade e toque de bola".

O futebol-arte como símbolo brasileiro – pelo menos de 1930 até 1974, segundo Gilson Gil – é constantemente dado por morto por saudosistas de plantão. O que pode ter nascido por má-interpretação da regra tem seu abandono considerado como irremediável por pragmáticos de plantão. Neste grupo também estão os treinadores que se sucedem no comando da seleção brasileira, seja no discurso, seja na prática.

A Era Dunga, do futebol-força de Sebastião Lazaroni, foi continuada pela Era Cafu, do futebol-preparo-físico de Carlos Alberto Parreira. O processo é o de manter poucos jogadores habilidosos escalados com trombadores e muitos volantes. O que, no mínimo, reduz a lampejos as jogadas de habilidade. Antes lampejos que apagão, dirá alguém.

Se não está mais no Brasil, quem sabe tenha mesmo sido apropriado por outro país?

Bom, foi só depois de escrever tudo isso que encontrei a notícia original, em alemão, bem como a versão em inglês. Não há menção à tal arte nelas. Foi ajuste do tradutor para o português brasileiro para facilitar: é futebol bem jogado.

4 comentários:

Nicolau disse...

Um pessoal aí tem falado que uma parte da culpa dessa mudança no futebol brasileiro foi a quase extinção dos meias armadores, aqueles caras que trabalham a bola no meio, dão o ritmo do jogo, chegam no ataque pra finalizar, mas ajudam na marcação quando o time perde a posse de bola. Tiraram essa ligação entre defesa e ataque, povoando o meio com volantes, fazendo com que a saída mais comum seja o chutão pra frente. Quando vejo a diferença do time atual do Corinthians antes e depois da chegada do Douglas, acho que pode fazer sentido.
O problema começaria nas categorias de base, que não trabalhariam pra formar esses jogadores. O Luxemburgo disse outro dia que discordava da base do Palmeiras, onde os times de moleques de 13, 14 anos jogavam com três zagueiros e um monte de volantes.

Glauco disse...

Vi o primeiro tempo do jogo do Hoffenhein contra o Hamburgo. Não achei que fosse nenhuma exibição de futebol-arte, mas o jogo foi até bem agradável.

Marcão disse...

O Campeonato Alemão é muito tosco.

Anselmo disse...

eu não inclui no post pq não me lembro com certeza. mas no filme MIlagre de Berna, me lembro que os jornais alemães falavam de "futebol-arte" a partir da segunda partida dos germânicos ocidentais naquela Copa do Mundo. E isso era toque de bola e gols.

no Brasil, tem mais a ver com o futebol-moleque mesmo. cada um vê arte no que prefere?