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Nos tempos em que o debate político parece ter sucumbido ao ódio grosso e bruto, elogiar o governo federal - e, por associação (mesmo que involuntária), Dilma Rousseff e o PT - pode ser tarefa inglória e mesmo arriscada em determinados estratos sociais. Décadas de linchamento midiático maciço e diário, somado ao conservadorismo renitente, à ignorância e ao preconceito de classe, além de outros males, mesquinharias e baixezas da natureza humana, cozinharam um caldo virulento que borbulha mais feroz do que nunca. Na classe média despolitizada e suscetível ao noticiário tendencioso e aos discursos mais tacanhos e reacionários, há um policiamento agressivo contra possíveis "petistas", que passaram a encarnar tudo o que existe de pior no mundo, únicos responsáveis por tudo o que de ruim acontece neste país. Como disse, não se trata mais de política. É ódio. Uma explosão de ódio.
Minha filha Liz, de 12 anos, estuda em uma escola particular onde 90% dos alunos pertencem exatamente a essa classe média despolitizada e obediente ao coro anti-petista da mídia. Qualquer menção à Dilma, Lula ou PT provoca vaias, xingamentos e atitudes agressivas por parte de crianças que não fazem ideia alguma sobre o que estão hostilizando - apenas reproduzem e amplificam, de forma simplória, a atitude beligerante de seus pais e/ou responsáveis. É óbvio que, da mesma forma, as crianças que não agem assim, como a Liz, não são, necessariamente, "petistas" (ou filhas de "petistas" - como se isso fosse crime!). Mas, como nos tempos da ditadura, o simples fato de não tomarem parte nas manifestações de ódio, ou de não apoiá-las e incentivá-las, as colocam sob "suspeita". Nesta sociedade extremista e intolerante, se você não odeia o que eu odeio, então deve ser odiado também.
Liz é esperta e, como "ponto fora da curva" em sua turma, sabe manter a cautela. Prova disso ocorreu semana passada, quando ela me trouxe, toda orgulhosa, uma redação sobre a Copa do Mundo de 2014 que mereceu a maior nota da classe. O texto, elogiado pela professora, começava com o seguinte parágrafo:
A preparação da Copa foi ótima. Disseram que o dinheiro da Copa devia vir para escolas e hospitais. Eu concordo com isso, pois em vez de investir na população, investiram no futebol que é importante também, mas nem tanto quanto a população.
Ou seja, ela utilizou o principal chavão midiático para condenar o mundial de futebol realizado no Brasil. Mas eu, que já tinha ouvido a Liz reclamar muitas vezes desse coro anti-Copa, desconfiei. E minhas suspeitas se confirmaram: folheando um de seus cadernos, encontrei, escrita a lápis, a versão original do texto:
A preparação da Copa foi ótima. Disseram que o dinheiro da Copa devia ir para escolas, hospitais. Mas eu não concordo com isso, pois a Copa já tinha sido decidida que ia ser no Brasil e o dinheiro para a Copa é separado do da educação e o da saúde porque são assuntos diferentes.
Compreendi o que havia acontecido. Com receio de atrair o ódio irracional que fermenta raivoso nesses tempos de campanha eleitoral, Liz mudou a argumentação. Consternado, eu a chamei para conversar e apoiei sua atitude. Comentei que também já passei por esse tipo de situação e que sei o quanto é triste quando evitamos expressar nossas opiniões. Mas que é exatamente essa pressão, essa coação, que nos incentiva, no futuro, a não ficar quietos, a ter coragem para marcar posição - sem receios. Também aproveitei para elogiá-la porque, mesmo sem ter consciência disso, ao evitar um confronto desnecessário em momento desfavorável, ela tinha tomado uma decisão estratégica e política. Isso serviu para exemplificar que, mesmo que a gente não queira, é impossível se relacionar em qualquer grupo - familiar, de amizade, escolar, profissional ou comunitário - sem tomar decisões políticas, o tempo todo. Dizer "não gosto de política" é o mesmo que "não gosto de respirar".
O papo terminou com um longo abraço entre pai e filha. Um ato simbólico de adesão solidária e, por que não?, partidária. Um ato de união de convicções. Um ato político.