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Fiquei num impasse de escrever a sério sobre a entrvista de João Dória Junior na edição de Veja (para assinantes) desta semana.
Mas a entrevista de um dos criadores do "movimento" "cívico" "Cansei" – escrito assim, com aspas independentes, para acentuar a "ironia democrática" deste autor – é de um autismo impressionante.
Abre-se com a pérola de Thaís Oyama: "João Doria Jr. não bebe, não fuma, não fala palavrão e, graças ao apreço que tem pelos detalhes – e ao gel, que usa desde os 9 anos de idade –, jamais foi visto em público com um fio de cabelo fora do lugar." Isso o torna "um dínamo do meio empresarial". Consulta informal e sem base científica de amostragem indica que nenhum dos autores do Futepoca usa gel no cabelo.
Ele começa defendendo o peixe dele embora se possa discordar, dizendo que o "Cansei" foi mal-interpretado por incompreensão, intolerância e porque os intelectuais são monopolistas e não estão acostumados ao contexto democrático em que outras pessoas se manifestam. Ele lamentou que não tenha surgido nenhum movimento da sociedade civil nos últimos seis anos sem dizer qual foi o último.
Mas aí ele vem com uma teoria de que o sucesso é criticado no país, numa alusão a uma suposta conclusão de Tom Jobim. "Penso que há um pouco esse comportamento atávico por parte da sociedade brasileira: o de achar que uma pessoa que faz sucesso não merece esse sucesso e tentar explicá-lo por meio de outras razões que não aquelas fundamentadas no trabalho, na dedicação e no esforço".
Em suma, o que ele quer dizer está na pergunta: "Quer dizer que se você é pobre pode se manifestar, mas se pertence à classe média ou usufrui um padrão alto de vida não tem o direito de se expressar?"
Que grotesco.
A exemplo do que fazem observatórios de imprensa norte-americanos, produzi, em 2003, um estudo sobre as fontes de informação nas revistas semanais. Eram os 100 primeiros dias do governo do barbudo sindicalista retirante, então um monte de sindicalistas e ativistas eram entrevistados como personagens, para contar causos dos companheiros deles que estavam agora no pudê (lê-se "poder"). Ainda assim, a desproporção era assustadora: 5% eram sindicalistas ou ativistas sociais. Empresários e a elite política – incluindo os à época novos membros do executivo que definitivamente ganham bem – eram os mais entrevistados. Somados a consultores de bancos ou empresas, chegavam a dois terços dos entrevistados. Negros foram 3% das fontes. Isso não é um retrato da sociedade, mas da visão das quatro semanais noticiosas brasileiras sobre o mundo: entra na pauta o que interessa e fala sobre ela quem tem "relevância", ou seja, poder de decisão e interferência. Nenhuma angústia enrustida se constata na cobertura da mídia contra os "bem-sucedidos", ao contrário.
O assustador é que Dória Jr. realmente se diz discriminado por não terem ouvido o que o "Cansei" tem a dizer. Compara-se ao pobre de pés descalços que é discriminado, diz que prefere a companhia de cães a ladrões.
Em outras palavras, falaram sobre o "Cansei" mas não a suas propostas? Não é esse o caso, porque o movimento deixou as propostas para um segundo momento, nas palavras do próprio Dória Jr.
Se não tivesse empresários e celebridades no movimento, haveria cobertura?
Quanta discriminação!
Até agora, tudo o que há de proposta é não ser golpista, característica repetida em todos os manifestos disponíveis na página do "Cansei".