Destaques

terça-feira, junho 26, 2007

“Foi uma coisa feia”

Compartilhe no Twitter
Compartilhe no Facebook

Às 4h30 da manhã de sábado, a empregada doméstica Sirlei Dias Carvalho Pinto, 32, foi assaltada e espancada por cinco indivíduos num ponto de ônibus na av. Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Os agressores, descobertos pela placa do carro que usavam, anotada por um taxista que testemunhou a agressão, foram cinco rapazes de classe média, todos universitários: Rubens Arruda, de 19 anos, estudante de direito, Rodrigo Bassalo, 20, estudante de turismo, Felipe Macedo Nery Neto, 20, estudante de direito, Júlio Junqueira, 21, dono de um quiosque na praia da Barra e estudante de gastronomia, e Leonardo de Andrade, 19, técnico em informática.

Os cinco foram identificados pela vítima e estão todos presos. Segundo ela, quatro participaram diretamente do ataque, enquanto o outro ficou rindo e debochando. O caso inverte a lógica mais comum dos crimes de nossa sociedade: a vítima é pobre e os agressores de classe média. Isso gera situações que unem a tragédia ao ridículo.

O primeiro a ser preso foi o dono do carro, Felipe Macedo Nery Neto. Ele admitiu o crime, entregou os comparsas e declarou que o grupo pensava que a vítima fosse uma prostituta. Repetiu os outros bandidos endinheirados que, em 1997, assassinaram o índio Galdino, em Brasília. Daquela vez, pensaram se tratar de um morador de rua. Para quem não sabe, prostitutas e moradores de rua não são seres humanos. Pelo menos é o que se entende da fala dos dois grupos de rapazes.

A desfaçatez dos mais novos é reflexo da de seus pais. O empresário Ludovico Ramalho Bruno, pai de Rubens Arruda, declarou ao jornal Extra (está na capa) que acha a prisão do filho exagerada e que "mulher fica roxa apenas com uma encostada". Ele também falou hoje à Folha de S. Paulo, de onde transcrevo abaixo essa entrevista (para assinantes). Mais que a cara-de-pau do pai, espanta a docilidade do repórter. Leiam e pensem como seria sua postura se a situação econômica dos personagens envolvidos fosse inversa:

Folha - O sr. acredita na acusação contra seu filho?
Ludovico Ramalho Bruno - Eles não são bandidos. Tem que criar outras instâncias para puni-los. Queria dizer à sociedade que nós, pais, não temos culpa nisso. Eles cometeram erro? Cometeram. Mas não vai ser justo manter crianças que estão na faculdade, estão estudando, trabalham, presos. É desnecessário, vai marginalizar lá dentro. Foi uma coisa feia que eles fizeram? Foi. Não justifica o que fizeram. Mas prender, botar preso, juntar eles com outros bandidos... Essas pessoas que têm estudo, que têm caráter, junto com uns caras desses? Existem crimes piores.

Folha - O sr. já falou com ele?

Bruno - Não. É um deslize na vida dele. E vai pagar caro. Está detido, chorando, desesperado. Daqui vai ser transferido. Peço ao juiz que dê a chance para cuidarmos dos nossos filhos. Peguei a senhora que foi agredida, abracei, chorei com ela e pedi perdão. Foi a primeira coisa que fiz quando vi a moça, foi o mínimo que pude fazer. Não é justo prender cinco jovens que estudam, que trabalham, que têm pai e mãe, e juntar com bandidos que a gente não sabe de onde vieram. Imagina o sofrimento desses garotos.

Folha - O sr. acha que eles tinham bebido ou usado droga?

Bruno - Estamos com epidemia de droga. A droga tomou conta do Brasil. O inimigo do brasileiro é a droga. Tem que legalizar isso. Botar nas farmácias, nos hospitais. Com esse dinheiro que vai ser arrecadado, pagar clínicas, botar os viciados lá, controlar a droga.

Folha - Mas o sr. acha que eles poderiam estar embriagados ou drogados?

Bruno - Mas é lógico. Uma pessoa normal vai fazer uma agressão dessa? Lógico que não. Lógico que estavam embriagados, lógico que podiam estar drogados. Eu nunca vi [o filho usar droga]. Mas como posso falar de um jovem de 19 anos que está na rua numa epidemia de droga, com essas festas rave, essas loucuras todas.

Folha - Como é o seu filho em casa?

Bruno - Fica no computador, vai à praia, estuda, trabalha comigo. Uma pessoa normal, um garoto normal.

O jornalista aceita todas as justificativas do pai, não questiona a tese de que prender “pessoas que têm estudo, que têm caráter” seria castigo demais. E ainda levanta a bola, ao perguntar se eles estavam bêbados ou drogados. Será que a postura dele seria a mesma com o pai de um jovem de 20 anos morador de uma periferia qualquer? Na verdade, nunca saberemos, pois o jornalista jamais entrevistaria o pai de um “criminoso”, um “bandido”. Agora, com o civilizado o pai de “jovens agressores” dá pra conversar.

Gostaria de saber porque os caras que espancaram sem nenhuma justificativa uma mulher indefesa e bateram em mais duas na mesma situação, só por farra, porque acharam que se tratava de uma prostituta, têm “caráter”. Roubo do companheiro Glauco a tradução de uma frase do entristecido pai: "Mas prender, botar preso, juntar eles com outros bandidos... Essas pessoas que têm estudo, que têm caráter, junto com uns caras desses? Existem crimes piores." Tradução: "mas prender, botar preso, juntar eles com pretos, pobres... Essas pessoas que têm estudo, que tem dinheiro, junto com uns vagabundos desses?". Quando eu crescer, quero ter dinheiro para comprar caráter para mim.

18 comentários:

Anselmo disse...

a última frase desmoraliza o raciocínio.

mas lendo um anônimo desses, pai de um playboy, com declarações fascistas nesse nível, me veio à mente o clássico (e trágico) "tá com desejo sexual, estupra, mas não mata", do Paulo Maluf. Fiquei pensando se o fascismo expresso no discurso do atual deputado por são paulo e ex-prefeito é uma manifestação pública de um pensamento, digamos, corriqueiro em um setor da sociedade.

óbvio q é reflexão de boteco, quiça, associação livre.

Seria essa a elite branca, má e perversa apontada pelo Cláudio Lembo, o ex-governador comunista reitor do mackenzie que é o ex-pfl DEM?

segundo o Rienaldo Azeevdo (com nome escrito errado em protesto) o fato é consequência de uma educação que considera a adolescência um período que vai até os 30 anos qdo tudo é permitido, nada de "arranca-rabo de classes", segundo termos dele.

não precisa ser rico pra achar que o filho que comete crime é inocente, é vítima, não fez nada tão grave. Mas precisa ser rico pra dar entrevista no jornal nacional e na folha sobre o filho playboy. E tbem pra depois vê-lo inocentado na primeira oportunidade.

a diferença no discurso entr e "jovem agressor" rico e "bandido" pobre é bem apontada pelo Nivaldo.

Glauco disse...

Defendo como agravante de pena a condição socioeconômica do acusado. Quanto mais rico, maior a pena. Quem teve acesso à educação e à boa formação de "caráter", não pode cometer esse tipo de... hã... "deslize".

Renata Gama disse...

discordo q o repórter tinha q polemizar com o pai do playboy. tem horas q fazer-se de sonso numa entrevista é a melhor estratégia para arrancar confissões. esse repórter com suas perguntinhas vestidas de inocentes deixou o pai à vontade para mostrar o seu verdadeiro discurso reacionário sem a menor vergonha. e o bicho disse livremente o que talvez não dissesse em público caso se sentisse contra a parede - principalmente a questão das drogas. não sei se o reporter pensou nisso, mas deixá-lo falar como num brainstorm fez o cara se expor de um jeito q ao invés de defender, depôs não só contra a atitude do filho, mas contra ele mesmo, a própria família, sua classe social, educação e sociedade.

Anselmo disse...

mas isso seria uma política de ação afirmativa ao contrário.

o futepoca precisa investir mais na formulação de politicas públicas. Ou se dedicar mais ao boteco.

Anselmo disse...

opa, meu comentário era voltado à proposta do Glauco.

concordo com a Tilda. se a entrevista é relevante, o mérito é do repórter. Mas acho sempre há espaço para uma última pergunta mais na canela.

fredi disse...

Prefiro não fazer discurso sobre algo tão absurdo.

Mas quando se bate em pobre no ponto de ônibus a classe média faz passeata?

Que nojo.

Anônimo disse...

Na cabeça de amplos setores da classe média das grandes metrópoles, o "caráter" se mede pela conta bancária. Consideram que as execuções deveriam ser sumárias quando se trata dos outros e que leniência e compaixão são direitos inalienáveis quando envolve os deles. Só eles querem gozar do benefício da dúvida. Concordo com o Anselmo: faltou uma pergunta na canela. A aceitação do fascismo da minoria branca pela grande imprensa afunda na cumplicidade. E esse veneno se destila por toda a cobertura, das páginas policiais às de política. Eles acham que uns podem, outros não. E ai de quem se insurgir.

Anônimo disse...

Por mais absurdo que seja, dá pra entender o que passa na cabeça desse pai. Ele é pai, e pais e mães ficam mesmo desprovidos da razão quando se trata de defender os filhos. Quando há rebeliões em Febens e presídios não vemos mães desesperadas com seus filhos que estão lá dentro - e em alguns casos esses referidos filhos não podem ser facínoras de primeira linha? É a mesma coisa.

Nicolau disse...

Os pais podem falar o que quiserem, tanto que, que me corrija o Glauco, n�o s�o processados por perj�rio se mentirem em favor dos filhos num tribunal. Mas o que eles dizem n�o deixa de ser uma mostra do tipo de, para usar um termo do pr�prio pai, car�ter que t�m. No entanto, acho que comparar o choro das m�es na frente de uma Febem revolta, quando seus filhos (fac�noras ou n�o) podem estar sendo espancados pelos pr�prios "colegas" de deten�o �s desculpas do cara � complicado. As situa�es s�o muito diferentes.

Anônimo disse...

Acho que são situações bem semelhantes, e os pais/mães tão errados e certos nos dois casos. Certos porque querem defender seus filhos, o que fazem de maneira até instintiva. Errados porque às vezes desprezam o mal que seus filhos fizeram.

Anselmo disse...

pô, olavo. tô discordando de 4 a cada 5 opiniões suas.

Glauco disse...

Não, Olavo, é muitíssimo diferente. No caso dos garotos da Febem, eles estão lá pra cumprir uma detenção por dado delito, sim, mas não estão lá pra serem espancados ou mortos (ou ao menos não deveriam). Ou seja, se cometeram crimes, suas mães choram porque eles se tornaram vítimas.
Já o caso do pai dos garotos, ele defende, na prática, o crime, dizendo tratar-se de algo "menor" porque cometidos por garotos "de bem". Defender os filhos não é pecado, mesmo que sejam criminosos, fascínoras ou o que seja, tentar defendê-los ratificando divisões de classe por critérios como "estudo" ou "caráter" é coisa de fascista.

Anônimo disse...

O cara tá desesperado porque o filho dele é um panaca e, merecidamente, vai passar uma temporada no xadrez. Então acaba falando bobagens como essa. Se eu concordo com ele? Claro que não! Mas é uma atitude absolutamente compreensível, porque isso é inerente à "profissão" de pai/mãe.

fredi disse...

Olavo, só seria a mesma coisa se os pais dos babacas estivesse na frente da prisão pedindo para que seus filhos não fossem torturados nem mortos.

Nenhuma das mães dos filhos que estão na Febem podem pedir (mesmo se quiserem)qualquer tipo de privilégio, até porque não terão espaço na Folha nem em nenhum outro jornal.

Como bem disse o Glauco, esses meninos que bateram na empregada não são babacas, são criminosos.

Como a lei (a mesma) deve valer para todos....

Anselmo disse...

vc até pode compreender que o pai está desequilibrado e que seu discurso é decorrente desse desequilíbrio. é o adjetivo mais brando que se pode usar em relação a ele: desequilibrado.

No entanto, o filho dele não é (só) panaca, é criminoso.

é compreensível que o pai perca o juízo numa situação dessas? Que respondam os psicólogos e psiquiatras. Mas compreender a perda de juízo soa "justificar" a fala dele, dar-lhe razão. O que não faz sentido.

no entanto, sou cético qto ao desequilíbrio. Não conheço a figura, é claro. mas acho que o cara falou o que acha mesmo. até pq, tristemente, achar que o crimes violentos de ricos são menos graves do que os de pobres, pq os 1os são "gente de bem" não é um tipo de opinião tão incomum nas classes médias altas (ou até nas médias baixas que já foram, ou acharam que foram, altas um dia).

Gerson Sicca disse...

O empresário safado deveria ser preso tb pelas declarações. É a elite do brasil, que vice no "país de cima", diferente do "país de baixo", onde moram, na concepção deles, animais que buscam alimento no lixo. Um guri da idade do marginal filho do "respeitável" empresário, se pobre, é bandido e, pela opinião pública, tem q ser exemplarmente punido. Lamentável.
Agora todo mundo fica perguntando onde está o erro. Ora, o erro está no fosso que se estabeleceu graças à desigualdade. Há a polis dos cidadãos, inseridos no processo civilizatório, e a massa de escravos, mera força de trabalho, que ainda são vistos como "res"(coisa) pelos afortunados.
O ilustre empresário não está só defendendo seu filho. Está defendendo a ele mesmo. Qdo novo, certamente era um playboy arrogante, que desprezava os cidadãos que estavam no ponto aguardando o ônibus. E nunca foi pra cadeia.
Todo mundo conhece histórias de riquinhos que foram liberados pela polícia por serem filhos de "famílias tradicionais". Essa quadrilha deu azar. O carteiração não deu certo.

Renata Gama disse...

o cara é reaça e escancarou! e, o pior, ele não está querendo apenas dar "um jeitinho" para q o filho tenha privilégio, como quem sabe da gravidade do problema e tenta burlar a punição. ele de fato acredita q o seu filho tenha esse direito. é um fascistão.

Marcão disse...

Na linha de raciocínio do Glauco, pela instituição de agravante para quem tem grau de ensino e, principalmente, poder aquisitivo maior, fico pensando se a pena de morte ou pelo menos a expropriação total de bens não poderiam ser aplicadas em casos hediondos como esse.