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Blanc: compositor, vascaíno, bebum e,antes de tudo, carioca |
O Lindolfo havia morrido. Vó Noêmia fez uns trinta sanduíches de carne assada, os homens encheram vidros vazios de eparema com traçado e partimos pro velório. Na saída, alguém lembrou:
- Cadê o rádio? Hoje tem Vasco x Botafogo.
Mas, aparentemente, ninguém se atreveu a levar. A mulher do Lindolfo, Dona Marcelina, era tão séria que já estava de luto muitos dias antes da morte do marido. Amanheceu um domingo de comemorar com batida de maracujá.
Naquele tempo, o jogo começava às três e quinze da tarde. Os enterros saíam por volta das cinco. No Caju, a viúva parecia de granito. Luto fechado, um buço que deve ter influenciado o Sarney, cabelos cinzentos cobertos por um lenço negro, leque também negro fechado nas mãos em garra, uma viúva de Lorca.
Waldir Iapetec, com seu faro inigualável, descobriu um buteco nas imediações com rabada e cervejotas superlampoticamente geladas. Mandaram arrebite. Mais ou menos na hora da peleja começar, Ceceu Rico, cheio de goró, lavando a cabeça com azeite Galo e botando aristolino na maionese, sacou um radinho do bolso das acumuladas. O Iapetec riu:
- Sabia que tu não ia aguentar.
- Tenho minha reputação. Não quero que digam que Ceceu Rico deu balda com medo de viúva.
O pessoal ficou ouvindo o jogo no tal buteco. De vez em quando, um batedor partia pro front do velório. E tome chá-de-macaco. O clima de jogo aumentava a vontade de biritar. Um zero a zero cheio de lances dramáticos. Faltando uns quinze minutos pro fim do segundo tempo, pressão do Vasco, meu avô Aguiar apareceu, deu um tapa de bagaceira nos beiços, e avisou, com toda cortesia de seus quase dois metros de cutucro nascido em Póvoa de Varzim:
- Vamo pagar a conta que o palhaço de saias chegou pra encomendar o corpo. Ceceu, enfia o rádio na ombreira do paletó e finge que tá com torcicolo, meningite, um troço desses.
Provavelmente sentindo a exuberância dos bafos, a viúva lançou a todos um olhar assassino. O padre, com a batina salpicada de proverbial caspa, começou a arenga:
- Nosso irmão Lindolfo já não está no estádio, digo, no mundo. Encontra-se na Glória!
O Iapetec sussurrou:
- Provavelmente na taberna. Ele adorava.
Olhar rambo-rocky da viúva em nossa direção. Vários gulps e pigarros.
- Bem aventurados aqueles...
Nesse instante, Ceceu captou no radinho uma investida vascaína:
- Lá vai o Vasco! Bola pra Walter Marciano na entrada da área! Driblou o primeiro, driblou o segundo, vai marcar...
O desgraçado do radinho ficou mudo. Desesperado, Ceceu catucou os botões pra baixo e pra cima. Nada. Teria sido a pilha? Ceceu sentou a porrada no spika, método quase infalível para engenhocas enguiçadas, e uma palavra, altíssima, como que irradiada pela sublime voz do Todo-Poderoso, elevou-se na capela:
- PÊNALTI!
Ceceu baixou de um golpe todo o volume. Um silêncio aterrador. Possessa, a viúva urrou:
- Contra quem? Pênalti contra quem? Aumenta, babaca!
À beira de uma de suas famosas crises de asma, Ceceu estertorou:
- Pênalti contra o Botafogo.
A viúva tava comandando o tradicional corinho de "casaca, casaca, casaca - saca-saca...", quando o padre abandonou o recinto.
Meu avô gritou:
- Hei, seu padre! Volta aqui! Futebol enlouquece qualquer um! Não foi desrespeito, não.
Sintam a resposta do padreco:
- Aqui, ó! Eu sei que não foi desrespeito. Foi roubo no duro! Tô farto de ver o Vasco vencer com gol de pênalti no último minuto. Vão todos pros quintos dos infernos. Ladrões!
Mas seu protestos foram abafados pelos gritos de gol e pelo espetacular choro da viúva. De alegria.